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sábado, 27 de agosto de 2016

Crítica: Águas Rasas

Blake Lively é perseguida por tubarão em filme de perturbações.

Por Pedro Strazza.

O espectador mais desavisado e que vai ver Águas Rasas à espera de um típico exemplar de shark porn - esse subgênero popularizado com o Tubarão de Steven Spielberg nos anos 70 e que ora ou outra ensaia uma tentativa de retorno - deve sair confuso da sessão, estranhando o fato de simultaneamente ter suas vontades saciadas e frustradas. Se o suspense estrelado por Blake Lively parece seguir as convenções do nicho em grande parte do tempo, ele também busca conceitos que soam muito distintos da lógica "turista indefeso enfrenta tubarão branco", o qual resulta num choque difícil de ser explicado.

Esse choque, a bem da verdade, só é complexo enquanto encarado como tal, pois essa aparente disparidade no longa dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra se faz melhor resolvida como uma medida conciliadora entre duas partes dissonantes no gênero dos filmes de sobrevivência.

A trama simples do roteiro de Anthony Jaswinski, que segue uma surfista (Lively) presa em um recife de uma praia escondida no México por causa de um tubarão que a cerca, brinca afinal com dois extremos. De um lado, temos o inerente viés lúdico de tais produções, considerado "raso" e que tem no horror e nos testes de vida e morte da protagonista seu principal canal para o entretenimento. Do outro, o viés mais profundo e reflexivo ao qual esse tipo de filme tem se prostrado em tempos recentes (O Regresso, Gravidade, Até o Fim, 127 Horas, entre tantos outros exemplos), cujas temáticas complexas e de reflexo com a própria realidade - representados na história pelo trauma da personagem com a morte da mãe e por algumas referências à dificuldade de comunicar-se, seja pelas múltiplas telas das videoconferências ou nas conversas que misturam inglês e espanhol - sustentam tais obras em estruturas mais pretensiosas e alegorias simples enfeitadas de grandiosas.

O que Águas Rasas concebe dentro de sua proposta de suspense, entretanto, não é optar por uma das alternativas, mas sim a de buscar um meio-termo entre as duas. Diretor que em seus últimos trabalhos tem testado limites de tramas batidas (o mistério em ambiente claustrofóbico de Sem Escalas, o gato e rato de Noite Sem Fim), Collet-Serra alia aqui os clichês básicos do terror com tubarão ao drama interiorizado dos longas de sobrevivência, em uma narrativa que acima de tudo quer potencializar o gênero em seus propósitos e questionar a própria visão do espectador sobre este.

Assim, enquanto se dá espaço ao arco de provações da protagonista pela superação de uma tragédia por metáforas que já saem assumidas do princípio em sua cafonice (e além de servir de "Wilson" ao trabalho de Lively, a gaivota de asa machucada até que funciona bem como alívio cômico e de tensão), o filme, principalmente no início para estabelecer dinâmicas, também explora a todo momento os limites de seu lado mais pornográfico, seja nas belas curvas da atriz principal, na violência de suas situações (que a câmera não teme desviar o olhar, como no corpo cortado ao meio ou na cena da sutura com brincos) ou mesmo no cenário exótico e turístico. Nesse meio tempo, os sets de suspense e ação com o tubarão também encontram soluções inventivas para sair do costumeiro (a situação das balas do sinalizador e do uso do nível da água para esconder as vítimas são particularmente intensas), e Lively os aproveita muito bem na composição de uma atuação que equilibra urgência e desespero nas medidas corretas.

Um equilíbrio que reverbera para todo o restante do filme, felizmente. Pois se Águas Rasas é eficaz na tensão oriunda do embate de sua protagonista com uma força da natureza, um tubarão assassino que oscila entre estar e não estar visível, ele também consegue perturbar o espectador em sua relação com o gênero, na posição que toma perante seus clichês e convenções. Um tormento que dentro da proposta das obras de Collet-Serra é muito bem vindo.

Nota: 8/10

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Crítica: Café Society

Sóbrio em suas pretensões, Woody Allen retrata sociedade do supérfluo em busca melancólica do amor.

Por Pedro Strazza.

Dentro da extensa carreira de Woody Allen, aquele que talvez melhor se equipare em termos de conteúdo a Café Society, seu filme situado no glamour da Velha Hollywood, é A Era do Rádio, comédia que se estabelece na época do auge da rádio estadunidense e suas estrelas de grande voz. Além de situados nos anos 30, em ambos os trabalhos o cineasta vai além de suas costumeiras tramas narrativas para trabalhar com o resgate de um passado recente e que está intimamente ligado às suas experiências (para não dizer completo fascínio) com tais sociedades.

Há entretanto uma diferença fundamental de abordagem entre as produções, que no fim não escapam do modo de operação comum do cinema de Allen. Se A Era do Rádio é uma obra dominada pela nostalgia, uma ferramenta pela qual o diretor proporciona ao espectador o próprio encantamento na infância com tais estrelas (e lembra por sua vez a sua cinebiografia do músico Emmet Ray, Poucas e Boas), Café Society vai além desse exercício de lembrança para focar-se no lado mais testamental de tais produções voltadas ao que veio antes. Um exercício que em outras mãos pode se tornar massivo devido ao seu viés de grande análise, mas que com o cineasta aqui é capaz de aproveitar o melhor de sua faceta melancólica.

Essa aproximação já se faz percebida do início, conforme Allen investe continuamente em planos invasivos e que trabalhem a mise en scène do fundo de cena com maior frequência que o habitual em em suas obras. Potencializado pela fotografia do premiadíssimo italiano Vittorio Storaro, que compõe planos de forte contraste entre claro e escuro (muitas vezes quase de natureza barroca, ainda mais nos closes do rosto de Kristen Stewart) para depois equilibrá-los em uma luz natural, que consegue trazer à realidade tais personagens e ambientes, o longa trabalha com a Los Angeles e a Nova York dos anos 30 em uma chave bastante pitoresca, e trata os belos cenários dessas cidades como ecossistemas distintos e dispostos a se conciliar. Ambas as metrópoles foram os maiores palcos do cinema estadunidense da época, e se no início do filme elas se configuram entre si de forma antagônica (Los Angeles com seus espaços amplos e de cores quentes, Nova York com seus locais fechados e cores frias), ao final as mesmas parecem se combinar, carregando os mesmos elementos embora permanecendo únicas.

Tal união mantém uma conexão forte com o retrato geracional ao qual o longa compõe em grande parte do tempo. O roteiro de Allen se submete a isso através da trajetória de aceitação percorrida por Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg), que sai da Big Apple em busca do sucesso na capital do cinema do país e se apaixona por Vonnie (Stewart) sem saber que esta é a amante de seu tio, o grande agente de estrelas Phil Stern (Steve Carell). Assim como sua paixonite, o protagonista carrega em seu interior o desejo eterno da juventude pelo destaque e a mudança, à procura de uma porta de saída para a realidade e os costumes do momento histórico que vivem - no caso, a sociedade de elite supérflua e cheia de poses que sucedeu o otimismo da Belle Époque. 

A busca do casal na história, então, é pelo sucesso que evite integrar-se a esse quadro, pintado sem deslumbre mas também sem negativismo na obra. Seguindo o modelo de sua leva mais recente de filmes (Magia ao Luar, Homem Irracional e até Blue Jasmine), as típicas relações de negação e encantamento à magia, dessa vez  representadas de novo pela forma mais pura do amor, encontram-se aqui bastante cerceadas pela realidade à sua volta (o casal vivido por Parker Posey e Paul Schneider, considerado perfeito pela sociedade à sua volta, se faz assim porque segundo eles próprios ambos tem os mesmos gostos e interesses, por exemplo), e cabe a um Allen mais sóbrio o esforço de encontrar uma brecha que revele sua existência. A procura do personagem de Carell, inclusive, é por um amor verdadeiro e que não atenda à beleza vã das atrizes que agencia.

O curioso, no caso de Café Society, é como essa sobriedade do diretor se faz mais predominante sem afetar o equilíbrio sensível criado entre contexto e protagonistas, como se ele, maduro da impossibilidade de seu objeto de procura, admitisse a inexistência desta sem recusar seu encantamento. Pois enquanto Bobby e Vonnie acabam por sucumbir àquilo que tiram sarro e desprezam no começo (ele por uma resposta à esposa, ela pela escolha tomada na metade da trama), o cenário da alta sociedade que os permeia também reconhece o fim próximo de sua existência, marcado pela frase dita pelo irmão do garoto, o mafioso Ben (Corey Stoll), face à própria morte: "Eu não quero morrer acreditando que esse é o fim".

Nesse sentido, a conclusão do filme, passada durante uma noite de ano-novo, serve a Allen tanto para denotar a morte do tempo retratado (até pelo simbolismo da celebração) como para ressaltar a eternidade de seus amantes, em uma transição de quadros que sobreponha os olhares perdidos de Eisenberg e Stewart em busca um do outro. O olhar do cineasta pode ter se tornado mais melancólico com o passar dos anos, mas ainda existe um pouco de esperança em seu ser.

Nota: 8/10

domingo, 21 de agosto de 2016

Crítica: Quando as Luzes se Apagam

Interessado em seu viés lúdico, terror perde força na repetição.

Por Pedro Strazza.

Quandos as Luzes se Apagam surge de uma proposta interessante: como no curta de 3 minutos que serviu de base para o projeto (e que você pode conferir aqui), o longa busca criar terror a partir do medo do escuro, uma sensação bastante comum na infância e que reflete no temor do ser humano pelo desconhecido. A alternância simples do interruptor entre luz e total escuridão é um dispositivo para trabalhar uma tensão existente dentro até de ambientes familiares (e claustrofóbicos) ao indivíduo, algo por si só um ponto de partida ideal para uma história disposta a trabalhar e exorcizar qualquer tipo de drama de relações íntimas pelo susto.

Não chega a ser supresa, então, que o roteiro de Eric Heisserer opte por uma crise familiar para fazer a transição do curta (regido apenas pelo mecanismo do gênero, muito por causa do tempo de duração) e também dar o pontapé inicial à trama, que aproveita para mudar alguns aspectos da criatura a ser enfrentada pelos personagens. Gerada pela morte do patriarca, essa crise foi responsável por afastar no passado a rebelde Rebecca (Teresa Palmer) do irmão Martin (Gabriel Bateman) e a mãe Sophie (Maria Bello) por causa dos surtos da última, e volta a aflorar quando o padrasto Paul (Billy Burke) morre de maneira misteriosa e um estranho ser começa a aterrorizar os três membros remanescentes. 

Daí em diante, Heisserer e o diretor David F. Sandberg (autor do curta) buscam estabelecer na narrativa diferentes dramas - um de relações abusivas, outro de abandono, um terceiro de depressão - que deem a sustentação necessária para seus propósitos lúdicos com o terror de ambiente, óbvio interesse maior da produção aqui. Essa opção pelo entretenimento mais puro talvez justifique a escancarada fragilidade temática da obra, conforme o conflito entre mãe e filha logo se revele presente somente para movimentar a trama de um espaço a outro e a relação de Sophie com a assombração, central aos eventos do filme, seja muito mal explicada em flashbacks dispersos e que trazem ainda mais dúvidas - sem contar os furos de roteiro ocasionais, como a assistência social que é chamada para atender um menino que dormiu na aula em (inacreditáveis!) três dias da semana. 

O que não faz sentido mesmo em Quando as Luzes se Apagam, entretanto, é como Sandberg parece ter dificuldades em lidar com o próprio suspense que esboça. Se no curta o diretor se beneficiava do tempo pequeno para empreender sustos constantes a partir de um único eixo, no longa essa vantagem se transforma em uma maldição imediatista, já que seus sets de horror não conseguem aproveitar os elementos introduzidos (os manequins, as lanternas escondidas, tudo soa como potencial não aproveitado) e recaem na repetição pura e simples. Os ambientes utilizados não se distinguem, e até o advento da luz negra e de velas no terceiro ato da trama não surte qualquer mudança no formato exaustivamente esgotado de "apagar e acender a luz" da narrativa. 

E sem a apresentação desses novos conceitos, tão necessários a qualquer produção do gênero nos dias de hoje, o terror do filme progressivamente se apaga, perdido em um meio termo de sustos previsíveis e a burocracia de temas que com certeza não está disposto a lidar.

Nota: 4/10

sábado, 13 de agosto de 2016

Crítica: Um Espião e Meio

Comédia de ação acaba sendo muito mais interessante nas piadas sobre o antes e depois do colégio.

Por Pedro Strazza.

O personagem de Dwayne Johnson em Um Espião e Meio, o loser obeso do colégio Robbie Wierdicht que anos depois se transforma no musculoso agente da CIA Bob Stone, tem como filme favorito a comédia adolescente Gatinhas e Gatões, e nunca perde uma oportunidade de trazer esse assunto à tona. É uma escolha bastante incomum e que vai além do campo da nostalgia simples - as referências ao longa não são tão pontuais quanto outra produção oitentista lembrada na trama, Matador de Aluguel -, muito porque a obra, debute de John Hughes na direção e responsável por consolidar a atriz Molly Ringwald como jovem patricinha dos anos 80, trata dos mesmos jovens que a comédia de ação estrelada por The Rock busca abordar aqui.

Os contextos, claro, são muito diferentes. Se a produção de 1984, assim como grande parte dos trabalhos de Hughes como diretor, se localiza na época do colegial e de todas as ânsias da juventude, o longa dirigido por Rawson Marshall Thurber está nos reencontros de formados, próximo passo dentro da narrativa escolar e que se faz do clássico choque de expectativa e realidade entre antigos colegas. Os dois protagonistas, inclusive, sofrem desse mal nostálgico: enquanto Wierdicht é atormentado pelo bullying do qual foi vítima no passado, o contador Calvin Joyner (Kevin Hart) teme "atestar" que sua vida foi um fracasso, já que no colégio era tido como aquele com maiores chances de ser bem sucedido no futuro.

Nesse ponto, o roteiro escrito por Ike Barinholtz, David Stanssen e o próprio Marshall Turber com surpresa funciona bem, já que busca de Gatinhas e Gatões uma espécie de continuidade espiritual. Isso não é novo - um dos alicerces da comédia estadunidense atual se baseia nos mesmos jovens dos anos 80 e de Hughes, agora com eles crescidos e encarando problemas da vida adulta - mas ganha suaves contornos dramáticos no longa ao refazer com seus dois protagonistas a mesma insegurança com a própria identidade da adolescência sem necessariamente cair na crise de meia-idade pelo retorno ao passado. Os pontos altos da história surgem disso, seja na invasão noturna ao colégio ou na reunião em si.

Um Espião e Meio, porém, não é sobre isso, mas sim sobre aproveitar o óbvio viés cômico desse trauma de reencontro a uma trama de espionagem que dê vazão à necessidade de se auto-afirmar dos protagonistas, e esse objetivo nunca chega a se concretizar. Se no humor o filme soa mecanizado - Johnson e Hart inexplicavelmente parecem desconfortáveis com seus papéis e não conseguem produzir muito da gigantesca diferença entre suas alturas -, a ação muitas vezes é prejudicada pelas viradas óbvias da história, incluindo o clímax que de maneira esperta brinca no tiroteio com a incerteza do real posicionamento de Stone - já consumada do princípio graças à inabilidade da produção de criar o mistério em cima da figura do personagem.

Dado seu potencial de comédia pós-colegial que se forma nas entrelinhas, essa opção pela combinação pura e simples de gêneros não deixa de ser frustrante. A química entre os dois atores principais é muito boa e as participações de Jason Bateman e de outro comediante contribuem muito para formar boas piadas em cima do que se preserva e não se preserva dos tempos de colégio, mas nada disso chega a ser explorado a fundo no filme para fins mais cômicos além da graça de um momento.

Nota: 4/10

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Crítica: Esquadrão Suicida

Inoperante, filme de David Ayer se perde no imediatismo.

Por Pedro Strazza.

Embora tenha uma proposta e ambientação completamente distinta, Esquadrão Suicida possui algumas semelhanças criativas em relação ao trabalho anterior do diretor e roteirista David Ayer, Corações de Ferro. Além de visarem a ação como descarrego de um perfil problemático e implícito a seus personagens, a adaptação de uma linha de vilões mais desconhecida da DC Comics para o cinema e o thriller de ação ambientado na Segunda Guerra usam (o primeiro de forma mais explícita) das tragédias pessoais de seus grupos de protagonistas como fator de união a estes, consumando essas relações em cenas mais pausadas e que permitam o drama afluir.

Mas se com a equipe de soldados esses poucos momentos de calma funcionavam por vir com atipicidade em meio ao banho de violência proporcionado pela crueldade do conflito, o time de criminosos obrigados a trabalhar para o governo não consegue alcançar esses pontos com mesma paciência, presos a exageros estilísticos que a todo instante tentam se sintonizar à hiperatividade e estética da geração jovem desses tempos. Essa procura, comum ao lado mais imediatista e efêmero da fase adolescente e que hoje encontra-se tomada por um aceleramento de tais condições, se traduz nos primeiros intantes em um problema que afetará o filme inteiro, que incapaz de controlar essa fúria juvenil logo acaba vítima da própria - um vexame, diga-se de passagem, digno do maior dos tiozões em crise de meia-idade.

E não demora muito para se perceber isso. O primeiro ato da produção, que consiste sumariamente de introduzir os personagens quase no formato de um programa de videoclipes, com pressa já os apresenta e deixa claro seus dramas, explicando inclusive qualquer tipo de revelação ou reviravolta que o longa irá trabalhar depois. Aliado a uma montagem frenética e que preza por excessos e imediatismos, esse início busca bastante algum tipo de contato imediato entre o público e os vilões reunidos por Amanda Waller (Viola Davis), descartando a possibilidade de trabalhar essa questão a longo prazo.

O problema é que se por um lado essa dinamização soa atraente ao espectador na superfície, ela também quebra o filme em seus outros dois terços, que lida com esse resto da forma mais burocrática possível. Esburacada, a trama escrita e dirigida por Ayer mostra dificuldades sérias em seus momentos de ação e humor, o primeiro defasado em situações repetitivas - existem três cenas de queda de helicóptero! - e com nenhuma fluidez (elas mais parecem cenas de videogame cortadas ao acaso) enquanto a última pasteuriza-se a todos os personagens sem buscar qualquer tipo de distinção entre eles. O cineasta procura aqui e ali resgatar o viés de Os 12 Condenados da história (as cenas da prisão e o primeiro encontro do grupo não deixam de emular a obra de Robert Aldrich em um caráter subjetivo), mas é como se o desenvolvimento da narrativa pulasse passos.

Sobra ao elenco a difícil tarefa de carregar o longa nas costas, mas com personagens quebrados as coisas se complicam. A grande maioria dos atores trabalha seus papéis da maneira que dá - Will Smith segue com Pistoleiro forçando seu arco de redenção a todos os seus trabalhos, Jay Courtney improvisa um humor caricatural, Cara Delevingne e Joel Kinnaman não conseguem emular a tragédia de seu romance, Viola Davis trabalha com facilidade uma Amanda Waller que soa como se fosse feita para ela -, mas não há muito para se servir quando até mesmo a Arlequina de Margot Robbie, elemento central da narrativa e que é muito bem trabalhada pela atriz em seus tiques, tem seu drama de abuso negado e é reduzida pelo roteiro a um alívio cômico irônico dos mais fracos a ser buscado pelo namorado. O Coringa de Jared Leto, nesse meio tempo, parece orbitar numa periferia distante da trama, e prejudicado pela montagem picotada e a atuação de excessos do ator se mostra um peso desnecessário.

O que resta então em Esquadrão Suicida? Em sua síndrome de inoperância e imediatismos que se trajam de estética jovem hiperconectada, Ayer e seu filme acabam lembrando muito mais o Batman e Robin de Joel Schumacher, que também usava de um visual mais colorido, personagens bem-humorados e uma moral familiar (seria o "eu não vou perder minha segunda família!" o novo "nós vamos precisar de uma caverna maior"?) para trabalhar o gênero. Uma lembrança que, a bem da verdade, não poderia ser mais desconfortável.

Nota: 2/10

domingo, 31 de julho de 2016

Crítica: O Bom Gigante Amigo

Em  chave saudosista, Spielberg volta ao passado em busca de simplicidade.

Por Pedro Strazza.

Ainda que seja responsável por formar cinéfilos e fazer pessoas se apaixonarem pelo cinema, é curioso admitir que Steven Spielberg não é um diretor de filmes para crianças, mas sim de adolescentes. Conhecido por obras responsáveis por marcar uma geração de jovens a ponto de se tornar em um dos pilares da nostalgia pelos anos 80, o cineasta a bem da verdade tem somente três experiências com a menor faixa etária, e duas destas nem parecem ser feitas para tal público: Hook - A Volta do Capitão Gancho é um paradoxal conto infantil voltado para adultos, e A.I. - Inteligência Artificial era um projeto de Stanley Kubrick que foi prosseguido pelo diretor.

Isso posto, é válido que apenas E.T. - O Extraterrestre e, agora, O Bom Gigante Amigo se comportem como únicos reais exemplares de filme infantil dentro da obra do cineasta. Mas enquanto o primeiro, até hoje presente no imaginário infantil, ainda é regido pelos temas e o estilo característico de Spielberg (na realidade ajudou a fundamentar seu cinema hoje tanto reconhecido), a adaptação do livro homônimo de Roal Dahl soa mais como um produto atípico, que se distancia um pouco do traço do diretor para atingir metas diferentes. Não que a história da amizade da pequena orfã Sophie (Ruby Barnhill) com o gigante do título (Mark Rylance) seja uma quebra definitiva dos moldes ditos "spielberguianos" - a ruína familiar ainda é o ponto de partida, por exemplo -, mas há mudanças perceptíveis nessas mecânicas a ponto de causar certo estranhamento.

Essa sensação vem muito da proposta do filme, cujo anacronismo não poderia ser mais evidente. Ao contrário de outros trabalhos, sempre dispostos a tirar de tramas variadas temáticas universais e atemporais - mesmo sua produção recente, que tem uma predisposição evidente de retornar ao passado, mostra alguma preocupação de conectar-se com o presente, seja pela forma (As Aventuras de Tintim) ou conteúdo (Ponte dos Espiões) -, Spielberg aqui se propõe ao resgate da inocência nas tramas de fantasia, de um tempo mais simples no qual mocinhos e vilões eram bem delimitados, configurando em um saudosismo dos mais singelos e elementais. A trama descomplicada e em alguns momentos até episódica do longa parece pregar o ingênuo como motor e estrela-guia, única fonte necessária ao funcionamento e direção dos eventos mostrados mesmo nas situações de humor, infantilóide ao extremo nas piadas com pum e etiqueta.

O que gera o choque com o presente atual, contudo, é o esforço feito pela produção para retomar o uso do fantástico como transformador da realidade à sua volta sem se deixar afetar-se pela mesma, funcionando como uma espécie de refúgio temporário aos problemas cotidianos. O arco de Sophie, afinal, começa com ela sozinha pernambulando pelos corredores do orfanato onde vive, próxima da dura realidade inglesa dos anos 80, para chegar a um lugar dentro do palácio da idílica família real britânica (papéis de Penelope Wilton e Rebecca Hall), um ambiente retratado como um dos ingênuos sonhos capturados e distribuídos por seu amigo, e tem como meio canalizador dessa mudança para melhor justamente a terra dos gigantes ao qual é transportada no início. A cena que melhor consagra isso no longa é a do mergulho no lago, no qual ela e o Bom Gigante Amigo fazem o literal salto para o onírico atrás da matéria dos sonhos.

As intenções de Spielberg com a adaptação são puras, mas acabam não se adequando como estrutura por causa do próprio material base do qual parte. Como o resto da obra de Dahl (e as outras transposições de seus livros para as telonas atestam isso), O Bom Gigante Amigo é carregado de subtextos políticos e aterradores, e por mais que sejam esvaziados pelo roteiro de Melissa Mathison eles não deixam de ser reproduzidos no filme. É o caso do viés militarista e nacionalista da trama à partir da introdução do governo inglês - e a noção do "o mais forte prevalece" só acentua o problema - ou mesmo da moral punitiva, típica na literatura do autor e que se anuncia na resolução final tomada em relação ao grupo de gigantes malvados, verdadeiras crianças mal criadas da história.

O resultado obtido com esse conflito é uma grande salada de sensações contraditórias, com o espectador preso entre o sentimentalismo simples desenvolvido pela produção e as mensagens antiquadas do texto de Dahl. Mas mesmo que não consiga funcionar a pleno vapor na narrativa, a proposta pela descomplicação de Spielberg, uma variante interessante de seu cinema e muito bem explorada nos seus travellings, é capaz de trazer de volta um encanto singelo com o mágico e o passado sem se configurar na tão explorada nostalgia vista na contemporaneidade, um feito fascinante em um de seus filmes mais inconstantes.

Nota: 5/10

sábado, 30 de julho de 2016

Crítica: Os Caça-Noivas

Comédia refaz Penetras Bons de Bico nos anos 2010 por velhos meios.

Por Pedro Strazza.

"Hashtag 2016, as mulheres podem fazer besteira agora" diz Tatiana (Aubrey Plaza) ao chefe do restaurante onde ela e a melhor amiga Alice (Anna Kendrick) trabalham como garçonetes, logo no início de Os Caça-Noivas. É uma maneira pouco sutil da personagem de tentar explicar a seu empregador as ações da colega enquanto esta realiza o trabalho bêbada e dançando em cima da mesa ao som de Rihanna, é verdade, mas também serve de anúncio às intenções do filme, que se baseia em um acontecimento real para criar uma trama de estrutura e situações levemente similares às de Penetras Bons de Bico, comédia de sucesso nos anos 2000.

A história real é a de Mike e Dave Stangle, irmãos que três anos atrás postaram no site Craigslist um anúncio à procura de mulheres "atrativas e agradáveis" para os acompanhá-los no casamento de sua prima no Havaí, que no roteiro escrito pela dupla Andrew Jay Cohen e Brendan O'Brien se torna no matrimônio da irmã Jeanie (Sugar Lyn Beard) com Eric (Sam Richardson). Conhecidos por estragarem os eventos de família com suas peripécias, os garotões vividos no longa por Zac Efron e Adam DeVine são incumbidos de tal tarefa pelos pais (Stephen Root e Stephanie Faracy) e os noivos afim de evitar uma nova calamidade, e depois de implodirem na internet com o anúncio encontram essas duas garotas, aparentemente de boa educação e bastante amigáveis no terreno familiar. Os dois não sabem, porém, que Alice e Tatiana na realidade são ainda mais festeiras que eles, e tão logo elas chegam no hotel as coisas começam a desandar.

Responsáveis pelos roteiros dos dois Vizinhos, Jay Cohen e O'Brien fazem mais uma vez aqui o clima de enfrentamento entre duas partes agora no campo da batalha dos sexos, com as personagens de Kendrick e Plaza fazendo frente aos de Efron e DeVine por quererem ocupar o mesmo status de despreocupação e festejo. Essa estrutura, que aproveita de leve do momento atual de questionamento a machismos do cotidiano e de maior força dos movimentos feministas, lembra também a do novo Caça-Fantasmas (e o título em português parece ter adorado ressaltar esse paralelo), ainda que na comparação com a comédia de Paul Feig ele saia perdendo. Pois se a equipe feminina de investigadoras do paranormal possui no traço do feminino de seu diretor sua maior força, o longa dirigido por Jake Szymanski faz a opção segura e trabalha o humor pelo elenco.

Assim, o que se vê em cena é uma narrativa mais controlada, mesmo que aparente a todo instante estar à beira do completo caos. Construindo esquetes por meio de dinâmicas de duplas simples e inalteráveis no percurso, aliado a um humor de causa e efeito rápido (os cavalos libertados, o massagista e a masturbação feminina se encerram em seus propósitos pouco depois de serem introduzidos), Szymanski mantém o quarteto protagonista em seus arquétipos típicos, com Efron e Kendrick se mostrando comportados em tipos retidos e arcos concisos enquanto Plaza e DeVine ficam soltos para reagir de maneira exagerada aos acontecimentos - e se o segundo apenas se limita a gritar e forçar caretas, a intérprete de Tatiana ensaia aqui e ali momentos (cômicos e dramáticos) mais interessantes à personagem.

A estratégia tem seus pequenos ápices mas não deixa de ser frustrante, porque por mais bem posicionados estejam os quatro atores e atrizes principais eles, como o roteiro, não tem mobilidade suficiente para arriscar algo novo de fato. Ainda que tente se igualar ao estilo desbocado e rebelde que vigora na comédia estadunidense atual, Os Caça-Noivas Preso se prende com seu elenco dentro da narrativa tradicional e coxinha da comédia romântica, com algumas piadas de sexo adicionadas só para apimentar a trama. O curioso é que o melhor elemento dentro dessa dinâmica toda seja justo a noiva de Lyn Beard, que alvo de quase todas as situações pitorescas do filme acaba por entregar as cenas mais cômicas da produção.

Nota: 4/10

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Crítica: Jason Bourne

De volta à franquia, Paul Greengrass e Matt Damon repetem o passado sem grande inspiração.

Por Pedro Strazza.

Ao contrário de outros personagens célebres do gênero, Jason Bourne é um espião que começa sua história já com uma tragédia em movimento e que seguirá assim por toda sua história: a perda de sua real identidade. Encontrado no mar à beira da morte e com amnésia, o agente criado nos livros por Robert Ludlum e protagonista dos filmes A Identidade Bourne, A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne tem no mistério sobre a própria pessoa seu arco dramático, do qual serve de condutor a toda à ação que realiza contra o governo e seus agentes.

É um drama tão intrínseco ao personagem que agora, quase dez anos depois de sua última aparição nos cinemas, volta a ser mais uma vez o centro narrativo em Jason Bourne, quinto capítulo da franquia e que marca o retorno de Matt Damon e do diretor Paul Greengrass ao agente secreto. Vivendo escondido desde o fim de O Ultimato, Bourne ressurge das sombras do anonimato após ser contatado pela amiga Nicky Parsons (Julia Stiles), que o avisa de uma nova operação do governo para criar super espiões e que ele ainda não conhece toda a verdade sobre si. Caçado pelo diretor da CIA Robert Dewey, a hacker da companhia Heather Lee (Alicia Vikander) e um soldado sem nome (Vincent Cassel), ele parte em uma missão para esclarecer os mistérios em suas mãos.

Narrativa principal da produção e que conecta as três grandes sequências de ação, essa busca é trabalhada no roteiro de Greengrass e Christopher Rouse para voltar a manter em movimento os traumas do protagonista, mas mostra dificuldades na hora de expressar na tela esse esforço. Silencioso e brutal, Bourne passa grande parte do longa agonizando pelas mortes dos mais próximos e do passado do qual não possui memória, dramas capazes de impulsioná-lo à próxima tarefa, porém não é capaz de verbalizar isso por outra forma que não seja a violência de seus atos. E por mais funcional que seja à proposta do filme como gênero, esse processo de interiorização e mudez também parece limitar a produção de qualquer escopo que ouse perseguir.

Para o azar de Jason Bourne, essa ambição ao algo a mais existe, conforme Greengrass busca alinhar à trama uma necessária atualização da série a dilemas atuais envolvendo a tecnologia. Junto de temas políticos e sociais contemporâneos como os protestos na Grécia e o ciberativismo, a questão da privacidade na era digital e da vigilância para a segurança nacional são usadas pelo diretor tanto como componente da ação quanto de temática à história, mas à exceção do clímax do primeiro ato (que sabe aproveitar o potencial lúdico das tensões entre policiais e civis gregos à perseguição) elas soam bastante à deriva em meio aos acontecimentos. Parte da culpa recai sobre o tratamento dado a esses assuntos, reduzidos a polarizações simples e bastante genéricas no roteiro - e basta se perguntar qual é o tipo de aplicativo vendido pelo milionário CEO interpretado por Riz Ahmed para constatar o problema.

O maior responsável por esta inconstância, entretanto, é o viés de cultura macho ao qual o longa parece querer se estruturar sobre, concebendo no caminho todos os clichês e estereótipos desse tipo de cinema. Ao dar maior enfoque à jornada de Bourne, a obra não demora muito para se moldar como uma trama de vingança, que tem na violência, nos testes físicos e nas frases prontas o modus operandi pronto para ser seguido e que acaba por esvaziá-lo de maior conteúdo. Não por acaso, a personagem que mais se destaca neste novo capítulo é justamente a hacker de Vikander, cujas motivações e patriotismo em tempos de crise (outro tema central aqui) dão as bases para um arco narrativo mais visível, seguro e, portanto, muito mais interessante em relação ao resto.

Esse elemento, incorporado para aumentar o potencial de serialização do personagem, é uma adição que trabalha muito mais contra que a favor da história do protagonista. Pois se nos outros filmes a delimitação do arco de Bourne permitia a este escapar dos moldes tradicionais do espião sem perder seus principais atrativos e ao mesmo tempo aumentar seu contato com os anseios do panorama da época (o 11 de setembro, a maior preocupação com a segurança nacional, etc), em Jason Bourne ele se vê na exata situação oposta, reduzido aos próprios meandros de uma procura que agora não terá mais fim.

Nota: 5/10