sexta-feira, 29 de julho de 2016

Crítica: Jason Bourne

De volta à franquia, Paul Greengrass e Matt Damon repetem o passado sem grande inspiração.

Por Pedro Strazza.

Ao contrário de outros personagens célebres do gênero, Jason Bourne é um espião que começa sua história já com uma tragédia em movimento e que seguirá assim por toda sua história: a perda de sua real identidade. Encontrado no mar à beira da morte e com amnésia, o agente criado nos livros por Robert Ludlum e protagonista dos filmes A Identidade Bourne, A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne tem no mistério sobre a própria pessoa seu arco dramático, do qual serve de condutor a toda à ação que realiza contra o governo e seus agentes.

É um drama tão intrínseco ao personagem que agora, quase dez anos depois de sua última aparição nos cinemas, volta a ser mais uma vez o centro narrativo em Jason Bourne, quinto capítulo da franquia e que marca o retorno de Matt Damon e do diretor Paul Greengrass ao agente secreto. Vivendo escondido desde o fim de O Ultimato, Bourne ressurge das sombras do anonimato após ser contatado pela amiga Nicky Parsons (Julia Stiles), que o avisa de uma nova operação do governo para criar super espiões e que ele ainda não conhece toda a verdade sobre si. Caçado pelo diretor da CIA Robert Dewey, a hacker da companhia Heather Lee (Alicia Vikander) e um soldado sem nome (Vincent Cassel), ele parte em uma missão para esclarecer os mistérios em suas mãos.

Narrativa principal da produção e que conecta as três grandes sequências de ação, essa busca é trabalhada no roteiro de Greengrass e Christopher Rouse para voltar a manter em movimento os traumas do protagonista, mas mostra dificuldades na hora de expressar na tela esse esforço. Silencioso e brutal, Bourne passa grande parte do longa agonizando pelas mortes dos mais próximos e do passado do qual não possui memória, dramas capazes de impulsioná-lo à próxima tarefa, porém não é capaz de verbalizar isso por outra forma que não seja a violência de seus atos. E por mais funcional que seja à proposta do filme como gênero, esse processo de interiorização e mudez também parece limitar a produção de qualquer escopo que ouse perseguir.

Para o azar de Jason Bourne, essa ambição ao algo a mais existe, conforme Greengrass busca alinhar à trama uma necessária atualização da série a dilemas atuais envolvendo a tecnologia. Junto de temas políticos e sociais contemporâneos como os protestos na Grécia e o ciberativismo, a questão da privacidade na era digital e da vigilância para a segurança nacional são usadas pelo diretor tanto como componente da ação quanto de temática à história, mas à exceção do clímax do primeiro ato (que sabe aproveitar o potencial lúdico das tensões entre policiais e civis gregos à perseguição) elas soam bastante à deriva em meio aos acontecimentos. Parte da culpa recai sobre o tratamento dado a esses assuntos, reduzidos a polarizações simples e bastante genéricas no roteiro - e basta se perguntar qual é o tipo de aplicativo vendido pelo milionário CEO interpretado por Riz Ahmed para constatar o problema.

O maior responsável por esta inconstância, entretanto, é o viés de cultura macho ao qual o longa parece querer se estruturar sobre, concebendo no caminho todos os clichês e estereótipos desse tipo de cinema. Ao dar maior enfoque à jornada de Bourne, a obra não demora muito para se moldar como uma trama de vingança, que tem na violência, nos testes físicos e nas frases prontas o modus operandi pronto para ser seguido e que acaba por esvaziá-lo de maior conteúdo. Não por acaso, a personagem que mais se destaca neste novo capítulo é justamente a hacker de Vikander, cujas motivações e patriotismo em tempos de crise (outro tema central aqui) dão as bases para um arco narrativo mais visível, seguro e, portanto, muito mais interessante em relação ao resto.

Esse elemento, incorporado para aumentar o potencial de serialização do personagem, é uma adição que trabalha muito mais contra que a favor da história do protagonista. Pois se nos outros filmes a delimitação do arco de Bourne permitia a este escapar dos moldes tradicionais do espião sem perder seus principais atrativos e ao mesmo tempo aumentar seu contato com os anseios do panorama da época (o 11 de setembro, a maior preocupação com a segurança nacional, etc), em Jason Bourne ele se vê na exata situação oposta, reduzido aos próprios meandros de uma procura que agora não terá mais fim.

Nota: 5/10

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