quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Crítica: Café Society

Sóbrio em suas pretensões, Woody Allen retrata sociedade do supérfluo em busca melancólica do amor.

Por Pedro Strazza.

Dentro da extensa carreira de Woody Allen, aquele que talvez melhor se equipare em termos de conteúdo a Café Society, seu filme situado no glamour da Velha Hollywood, é A Era do Rádio, comédia que se estabelece na época do auge da rádio estadunidense e suas estrelas de grande voz. Além de situados nos anos 30, em ambos os trabalhos o cineasta vai além de suas costumeiras tramas narrativas para trabalhar com o resgate de um passado recente e que está intimamente ligado às suas experiências (para não dizer completo fascínio) com tais sociedades.

Há entretanto uma diferença fundamental de abordagem entre as produções, que no fim não escapam do modo de operação comum do cinema de Allen. Se A Era do Rádio é uma obra dominada pela nostalgia, uma ferramenta pela qual o diretor proporciona ao espectador o próprio encantamento na infância com tais estrelas (e lembra por sua vez a sua cinebiografia do músico Emmet Ray, Poucas e Boas), Café Society vai além desse exercício de lembrança para focar-se no lado mais testamental de tais produções voltadas ao que veio antes. Um exercício que em outras mãos pode se tornar massivo devido ao seu viés de grande análise, mas que com o cineasta aqui é capaz de aproveitar o melhor de sua faceta melancólica.

Essa aproximação já se faz percebida do início, conforme Allen investe continuamente em planos invasivos e que trabalhem a mise en scène do fundo de cena com maior frequência que o habitual em em suas obras. Potencializado pela fotografia do premiadíssimo italiano Vittorio Storaro, que compõe planos de forte contraste entre claro e escuro (muitas vezes quase de natureza barroca, ainda mais nos closes do rosto de Kristen Stewart) para depois equilibrá-los em uma luz natural, que consegue trazer à realidade tais personagens e ambientes, o longa trabalha com a Los Angeles e a Nova York dos anos 30 em uma chave bastante pitoresca, e trata os belos cenários dessas cidades como ecossistemas distintos e dispostos a se conciliar. Ambas as metrópoles foram os maiores palcos do cinema estadunidense da época, e se no início do filme elas se configuram entre si de forma antagônica (Los Angeles com seus espaços amplos e de cores quentes, Nova York com seus locais fechados e cores frias), ao final as mesmas parecem se combinar, carregando os mesmos elementos embora permanecendo únicas.

Tal união mantém uma conexão forte com o retrato geracional ao qual o longa compõe em grande parte do tempo. O roteiro de Allen se submete a isso através da trajetória de aceitação percorrida por Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg), que sai da Big Apple em busca do sucesso na capital do cinema do país e se apaixona por Vonnie (Stewart) sem saber que esta é a amante de seu tio, o grande agente de estrelas Phil Stern (Steve Carell). Assim como sua paixonite, o protagonista carrega em seu interior o desejo eterno da juventude pelo destaque e a mudança, à procura de uma porta de saída para a realidade e os costumes do momento histórico que vivem - no caso, a sociedade de elite supérflua e cheia de poses que sucedeu o otimismo da Belle Époque. 

A busca do casal na história, então, é pelo sucesso que evite integrar-se a esse quadro, pintado sem deslumbre mas também sem negativismo na obra. Seguindo o modelo de sua leva mais recente de filmes (Magia ao Luar, Homem Irracional e até Blue Jasmine), as típicas relações de negação e encantamento à magia, dessa vez  representadas de novo pela forma mais pura do amor, encontram-se aqui bastante cerceadas pela realidade à sua volta (o casal vivido por Parker Posey e Paul Schneider, considerado perfeito pela sociedade à sua volta, se faz assim porque segundo eles próprios ambos tem os mesmos gostos e interesses, por exemplo), e cabe a um Allen mais sóbrio o esforço de encontrar uma brecha que revele sua existência. A procura do personagem de Carell, inclusive, é por um amor verdadeiro e que não atenda à beleza vã das atrizes que agencia.

O curioso, no caso de Café Society, é como essa sobriedade do diretor se faz mais predominante sem afetar o equilíbrio sensível criado entre contexto e protagonistas, como se ele, maduro da impossibilidade de seu objeto de procura, admitisse a inexistência desta sem recusar seu encantamento. Pois enquanto Bobby e Vonnie acabam por sucumbir àquilo que tiram sarro e desprezam no começo (ele por uma resposta à esposa, ela pela escolha tomada na metade da trama), o cenário da alta sociedade que os permeia também reconhece o fim próximo de sua existência, marcado pela frase dita pelo irmão do garoto, o mafioso Ben (Corey Stoll), face à própria morte: "Eu não quero morrer acreditando que esse é o fim".

Nesse sentido, a conclusão do filme, passada durante uma noite de ano-novo, serve a Allen tanto para denotar a morte do tempo retratado (até pelo simbolismo da celebração) como para ressaltar a eternidade de seus amantes, em uma transição de quadros que sobreponha os olhares perdidos de Eisenberg e Stewart em busca um do outro. O olhar do cineasta pode ter se tornado mais melancólico com o passar dos anos, mas ainda existe um pouco de esperança em seu ser.

Nota: 8/10

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