domingo, 26 de fevereiro de 2017

Crítica: Um Limite Entre Nós

Reverencialismo e tom solene são os principais nomes na transposição de peça para o cinema.

Por Pedro Strazza.

Adaptação da peça homônima escrita pelo vencedor do Pulitzer August Wilson, Um Limite Entre Nós nasce de um clima de solenidades que se fará perceptível por toda a sua duração. O longa, afinal, tem raízes do reencenamento da obra ocorrido em 2010 na Broadway - que trazia Viola Davis e Denzel Washington nos papéis principais, ambos depois agraciados com o Tony por seus trabalhos - e traz nos créditos o único nome de Wilson como autor do roteiro, embora este tenha falecido há mais de dez anos.

Apesar de externos, estes dois fatos parecem servir de chave ao filme para compreender suas decisões narrativas iniciais, até porque a produção dirigida por Washington se assume do princípio como o que muitos chamam de "peça filmada". Transpondo os cenários da peça para a realidade dos subúrbios mais pobres de Pittsburgh, a obra traduz para a tela todo o material teatral em caráter reverencial, tratando como intocável os diálogos e dinâmicas de cena escritos por Wilson nos anos 80. A história mantém-se idêntica: nos anos 50, um coletor de lixo chamado Troy Maxson (Washington) procura viver com sua esposa Rose (Davis) e o filho Cory (Jovan Adepo) a partir de seus termos, mas sua atitude agressiva com a cria e os próprios erros cometidos na vida logo começam a fazer ruir a harmonia em casa.

Dedicado em manter o legado do autor intacto, Washington parte aqui de uma proposta de reprodução pura e simples, apoiando-se no talento de seus atores e na maneira como trabalham seus papéis com a mesma voracidade e pompa do teatro como forma principal de refazer na tela o mesmo sucesso da peça. É um filme então que se dedica ao elenco e seu ofício, com a câmera estando encarregada somente de fazer closes e planos longos para que os personagens tenham todo o espaço e tempo de tela para se desenvolverem.

É uma lógica de boas intenções, mas que peca por não diferenciar o espaço teatral do cinematográfico. Se no campo da performance tudo parece estar no lugar certo, a narrativa desenvolvida pelo diretor constantemente vai contra suas próprias forças, minando momentos fortes da trama com cortes e enfoques que se distanciam do núcleo dramático em ação. Até o espaço de cena, a casa onde grande parte da trama se situa, é subaproveitada, com elementos como o aparato metafórico da cerca construída por Troy a mando de Rose para manter a família unida ou a bola e o taco de baseball pendurados na árvore sendo reduzidos a meras figurações ora ou outra tocadas.

Embora os fins sejam muito diferentes, os erros cometidos por Washington na direção de Um Limite Entre Nós lembram muito os que ele fez em seu trabalho anterior, O Grande Desafio. Seja na adaptação do trabalho de Wilson ou na cinebiografia sobre a primeira equipe de debate de uma universidade negra a disputar competições em âmbito nacional, o cineasta aposta tanto na força das palavras proferidas por seus atores que subaproveita o potencial da trama em prol disso. São duas obras que partem com esta lógica dada como certa para seu sucesso, mas que depois recaem em um vazio emocional inerte por abandonarem o drama e suas ramificações.

No caso de Um Limite Entre Nós, esta problemática só se aprofunda conforme o tom solene e engrandecedor do material original fica evidente. Ao mesmo tempo, porém, o filme acaba equilibrando a balança graças ao próprio esforço do elenco, que apesar de sabotado está muito dedicado para passar despercebido (principalmente Davis, cuja personagem oferece momentos emblemáticos suficientes), e a força do material, de novo uma tábua de salvação e condenação a Washington e que aqui e ali oferece relances de todo o seu potencial não executado. A opção por uma transposição literal ao invés de uma adaptação pode fazer do longa fraco e inoperante na maioria do tempo, mas ele também não é capaz de apaziguar ou ocultar seu conteúdo por completo.

Nota: 4/10

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