sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Crítica: Lion - Uma Jornada Para Casa

Melodrama eficiente, filme tem potencial frustrado por escolhas muito seguras.

Por Pedro Strazza.

A maneira como são apresentados os créditos iniciais de Lion - Uma Jornada Para Casa já são um indício de que o filme produzido pelos irmãos Weinstein e indicado a seis categorias do Oscar almeja ir além da proposta emocional no qual se situa a princípio. Baseado no livro autobiográfico de Saroo Brierley, o longa estabelece nesse início um viés espacial inusitado, registrando por planos aéreos similares aos usados pelo Google Earth e Maps a região onde seu protagonista nasceu e passou parte da infância.

É a questão do espaço, afinal, que surge como tema central do melodrama dirigido por Garth Davis, que trata acima de tudo de uma história de famílias separadas de maneira abrupta pela distância. Depois de um dia à procura de trabalho para ajudar a mãe Kamla (Priyanka Bose), Saroo (Sunny Pawar) e seu irmão mais velho Guddu (Abhisek Bharate) estão em uma estação de trem quando o último se separa do primeiro para resolver algumas tarefas. Depois de passar um tempo à espera Saroo começa a procurar o irmão, mas, morto de cansaço, acaba adormecendo em um trem que horas depois sairá da estação com destino a Calcutá, cidade populosa cuja língua o garoto não sabe falar.

A partir deste ponto o filme acontece em duas partes: na primeira, o espectador acompanha a jornada de Saroo como menino de rua até ser recolhido pelo Estado e depois adotado por um casal (Nicole Kidman e David Wenham) na Austrália, que se empenha em providenciar a ele um lugar que ele possa chamar de lar; na segunda, a produção foca na procura do protagonista agora adulto (Dev Patel) para reencontrar a família e sua cidade natal enquanto está estudando hotelaria em Melbourne, enfrentando no processo os traumas provindos da separação na sua infância. Por mais que estas duas partes no roteiro de Luke Davies sejam diferentes em estrutura e uso de elementos - a situação em Calcutá depende muito da atuação do menino Pawar, ao passo que as cenas no presente passam a trabalhar com um maior número de dramas e personagens - o diretor é capaz de alinhá-las muito bem na narrativa dentro de um equilíbrio muito delicado, cuja principal conexão está em Saroo e na perda de seu lugar no mundo.

Para fazer isso funcionar, Davis trabalha os dois momentos pela metodologia da compensação, extravasando em uma aquilo que a outra se restringe. Enquanto no passado em Calcutá a história ganha ares de trama de sobrevivência e injustiça social, com um solitário Saroo precisando escapar de indivíduos e autoridades com interesses nada saudáveis para sua pessoa, a segunda parte se localiza mais como filme de trauma ao flertar com elementos introspectivos e até novelescos - o irmão adotivo de Saroo na Austrália, Mantosh (Keshav Jadhav/Divian Ladwa), desempenha uma subtrama típica do gênero na relação com os pais - ao enxergar nas relações do jovem estudante de hotelaria uma busca para aceitar seu próprio destino. O ponto de virada está, claro, na transição de ambientes intrínseca à adoção do garoto e em como ele é obrigado a suprimir todo o seu sofrimento para conseguir prosseguir na vida, algo que em Melbourne ressurge multiplicado.

Na tela, esta lógica assumida por Lion se traduz em uma produção correta naquilo que faz para gerar envolvimento emocional no público, mas que também soa segura demais em suas escolhas. Se Davis a princípio recorre ao espaço como forma de acentuar a temática da obra ele posteriormente volta a relegar o cenário à posição de fundo, seja porque o longa talvez não seja capaz de dar cabo desta narrativa ou porque o diretor não queira arriscar o que já é uma trama difícil de se adaptar.

Mas se ele não se consuma como filme de espaços, pelo menos em sua execução como melodrama Lion não deixa de ser bastante eficiente graças ao trabalho do elenco. Nos dois momentos da narrativa Davis consegue dar o espaço e dosar as performances de seus atores para que estes deem a sensibilidade necessária à história, traduzindo isso em dramas que se apoiam uns nos outros para construir os desdobramentos melancólicos da separação original, aqui uma tragédia ao qual cedo ou tarde será sentida por todos os envolvidos. Pawar e Patel se aproveitam muito bem de seu protagonismo, mas é nas performances de coadjuvantes como Kidman, Ladwa e Rooney Mara que se percebe o potencial de seu diretor, mesmo este estando dentro das restrições impostas pelo filme de estúdio que naturalmente se anuncia.

Nota: 6/10

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