quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Crítica: A Qualquer Custo

David Mackenzie materializa o "novo" Velho Oeste do egoísmo do roteirista Taylor Sheridan.

Por Pedro Strazza.

"Três tours para o Iraque, mas nenhum resgate para nós" diz uma pichação avistada em uma parede próxima do banco assaltado pelos irmãos Tanner (Ben Foster) e Toby Howard (Chris Pine) logo no primeiro plano de A Qualquer Custo. São palavras que nutrem forte contraste com o cenário à sua volta (aparentemente cotidiano e tranquilo, digno da realidade de qualquer subúrbio estadunidense), cujo significado já serve como um prenúncio rápido e claro do clima de reminiscências e insatisfação expresso nas entrelinhas no qual o novo longa do diretor David Mackenzie irá se estabelecer. 

Esta questão da maior presença do cenário, a bem da verdade, vem da parte de Taylor Sheridan, roteirista emerso em Hollywood com Sicario que repete aqui seu faroeste contemporâneo localizado nos Estados Unidos sulista e de inclinação à análise do país. O que muda é o enfoque: se no filme de Denis Villeneuve o texto era direcionado à questão da imigração e das disputas territoriais, em A Qualquer Custo Sheridan está mais interessado nas ramificações do pós-crise e das instabilidades políticas causadas pela época eleitoral, principalmente em sobre como estes dois elementos afetam o ambiente exposto.

O longa, afinal, gira em torno do dinheiro e do legado a ser deixado, algo que seus dois protagonistas perseguem por meio de seus crimes. Preocupado em pagar a hipoteca da fazenda onde mora antes que ela expire e seja devolvida ao banco e de deixar um futuro melhor para os dois filhos e a ex-esposa, Toby começa a assaltar bancos com a ajuda do irmão amalucado e ex-prisioneiro Tanner, visando cumprir um esquema complexo que visa dar o troco nos engravatados responsáveis pela dívida acumulada. O plano de Toby, porém, não necessariamente deixa ele e o irmão a salvo da polícia, que coloca os oficiais Marcus Hamilton (Jeff Bridges) - este em vias de se aposentar do cargo - e Alberto Parker (Gil Birmingham) no encalço dos dois.

O jogo de gato e rato logo formado entre as duas duplas - que só vão se encontrar só mais para o fim do filme - também se transforma em um veículo para Mackenzie e Sheridan construírem o cenário hostil que aos poucos se impõe ao redor dos personagens. Uma hostilidade formada pelo egoísmo antes de tudo: da garçonete que se irrita com os policiais por ter a gorda gorjeta tirada de suas mãos à grossa dona do restaurante que só serve um tipo de refeição (um dos momentos mais divertidos do longa, vale dizer), passando pela ex-esposa de Toby e os racismos e impropérios ditos por Marcus a seu colega descendente de indígenas, o roteiro não se resguarda na hora de mostrar ao espectador um Estados Unidos movido pelo ódio e o interesse privado, dominado por relações movidas à base do dinheiro (as terras da contemporaneidade) e dos laços familiares.

A violência então torna-se mais uma vez no único meio de diálogo possível dentro do roteiro de Sheridan, mas diferente de Villeneuve - que preferia manter o peso deste ato presente em toda narrativa - Mackenzie trata tais relações com alguma dose de humor sem tirar a seriedade da situação. A ação, por exemplo, sempre se manifesta com um sarcasmo meio implícito, seja pelas medidas pouco ortodoxas dos envolvidos (a inabilidade dos irmãos para lidar com alguns movimentos do assalto, a cena de Tanner atirando com uma metralhadora nos caipiras que o perseguem ou de Toby espancando o motorista privilegiado no posto de gasolina), ao passo que as ótimas atuações de Foster e Bridges parecem focadas em dar à produção uma atitude sarcástica de quem conhece as hipocrisias dos cenários que habitam.

É uma medida que o diretor impõe para acentuar ainda mais a postura auto-consciente da produção, que como grande parte dos faroestes contemporâneos busca ao máximo evidenciar seu próprio processo de construção do "novo Velho Oeste". O que dá o diferencial a A Qualquer Custo é ele conseguir carregar esta percepção de posição sem excluir a execução do gênero pura ao qual se submete Sheridan, roteirista que neste início de carreira demonstra querer cada vez mais materializar nas telas a permanência desta relação intrínseca entre Estados Unidos e faroeste no mundo de hoje. Mackenzie sabe muito bem destas intenções do texto, e conforme seus personagens rumam ao inevitável enfrentamento final resta a ele apenas ressaltar a mudança histórica dos elementos desta equação e validar a própria em seu peso e atuação sobre o cenário e os personagens - e os campos de trigo que surgem em destaque no fim não poderiam ser mais claros neste propósito.

Nota: 9/10

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