quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Crítica: O Chamado 3

Terceiro capítulo busca se atualizar no gênero, mas frustra por não fazer o mesmo no cenário.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser um processo natural em toda a franquia de horror a tendência de haverem maiores liberdades nas produções conforme os anos passem, as sequências se multipliquem e os orçamentos diminuam consideravelmente. Muitas vezes coincidente com a decadência e o empobrecimento qualitativo da série, esta maleabilidade permite a realizadores diferentes fazer o que quiserem com os rumos da história e os personagens envolvidos, promovendo muitas vezes mudanças geográficas e experimentações com diferentes gêneros que levam a iconografia da marca a ambientes inesperados. Sexta-Feira 13 já levou Jason Voorhees à Nova York e ao espaço; Halloween tentou mudar seu horror para a ficção-científica; Atividade Paranormal experimentou a câmera na mão em seu quarto capítulo e o "estilo" Jackass em seu derivado latino; e os exemplos continuam.

Esta lógica se repete sem muita surpresa em O Chamado 3, a tardia continuação do remake estadunidense do terror japonês homônimo que se aproveita disso como forma de resolver o seu desafio inicial de reintroduzir uma personagem que marcou o terror no começo do século 21 mais de uma década depois de seu ápice. A transformação da franquia não ocorre, porém, sob o prisma de uma nova ambientação ou gênero, mas sim de uma atualização de tendências: se nos outros dois longas o conto de Samara Morgan surfava na onda da introdução de elementos do j-horror (o famoso horror japonês contemporâneo) que ela mesmo criou, neste terceiro capítulo o diretor F. Javier Gutiérrez opta por transportar a garota da fita mal-assombrada para as estruturas de um típico terror cristão, subgênero na moda hoje graças aos filmes de exorcismo.

Assim, nota-se de imediato na continuação uma mudança abrupta de elementos e enfoques, que priorizam os arredores da história de Samara em detrimento do próprio mistério em torno de sua pessoa. Na trama, a jovem Julia (Matilda Lutz) vai atrás do namorado (Alex Roe) após ele ir para a universidade e desaparecer por dias, mas acaba encontrando uma seita universitária comandada pelo professor Gabriel (Johnny Galecki) que busca encontrar na maldição de Samara uma comprovação da existência da alma. Julia acaba assistindo o vídeo para manter seu namorado vivo, com sua sessão trazendo novas perguntas sobre a história da menina afogada no poço.

Dos originais (japoneses ou estadunidenses) o roteiro escrito por David Loucka, Jacob Estes e Akiva Goldsman traz de volta apenas o quebra-cabeça de informações complexo, substituindo o terror psicológico da maldição proporcionada pela fita - nem se percebe a evolução dos "sete dias" amaldiçoados pela garota - por um de imagens católicas, que com suas cruzes, padres e ambientes banhados por uma luz divinamente maldita dominam o cenário da busca pela protagonista. A presença da temática da alma já é um sinal dessa mudança no longa, que aqui e ali demonstra um interesse maior pela forma como Samara estava condenada desde o início ao sofrimento e a se tornar em um monstro.

As grandes ambições, porém, param por aí na narrativa do longa, que no geral se contenta em proporcionar jump scares e se sacrifica com furos de roteiro óbvios e soluções estúpidas repetidas à exaustão. Entre correções de rumo, martelações do número 7 do roteiro e um clima de fim de festa constante - a situação do avião, presente nos trailers e que abre o filme, já serve como indício -, Gutiérrez comete o grande erro de tornar Samara um mero acessório dentro da história que protagoniza, preferindo focar em ameaças físicas e um terror humano que nunca consegue se justificar.

No mais, O Chamado 3 acaba se provando um filme involuntariamente divertido e deveras frustrante nas possibilidades que apresenta. O primeiro vem pelas inúmeras reviravoltas absurdas do clímax e as situações ridículas pontuais (quem é fã da série do Demolidor ou de O Homem nas Trevas vai rir alto em duas cenas particulares), o segundo pela chance perdida de adaptar a franquia a um cenário onde o compartilhamento de informações e imagens foi potencializado ao infinito com o advento das redes sociais. Em uma época em que o Facebook, o Twitter, o Whatsapp e o Instagram dominam as atenções, a Samara deste terceiro capítulo ainda insiste em passar sua corrente pelo e-mail.

Nota: 2/10

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