terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Crítica: John Wick 2 - Um Novo Dia Para Matar

Sequência abandona a paródia e aposta na manipulação do espaço para expandir seu conceito de ação.

Por Pedro Strazza.

Há uma recorrência bastante evidente do cinema mudo em John Wick 2 - Um Novo Dia Para Matar, seja por uma questão de referência da produção - a primeira coisa que o espectador enxerga no filme depois da visão aérea de Nova York é uma cena de uma comédia de Buster Keaton projetada em um dos prédios da cidade - ou de elemento cênico, a exemplo da guarda-costas interpretada por Ruby Rose. É nas cenas de ação, entretanto, que se sente mais a presença e também o porquê do formato surgir na obra como maior influência do diretor Chad Stahelski, que em meio a tiroteios e confrontos físicos revela um olhar bastante atento às maneiras como seus personagens se movimentam para executar o outro.

A fisicalidade é, de certa forma, o grande foco narrativo da continuação de De Volta ao Jogo, que abandona os ares de paródia do original ao mesmo tempo em que eleva a construção de suas sequências de ação. Surgido no mercado como dublê, Stahelski mantém a princípio neste segundo capítulo o foco no trabalho corporal dos atores enquanto estes se enfrentam em brigas muito bem coordenadas, algo que a abertura, pautada nos esforços finais do assassino aposentado John Wick (Keanu Reeves) de reaver seu carro, ressalta rapidamente na forma como enquadra as perseguições de carro e embates do protagonista contra os capangas do mafioso Abram Tarasov (Peter Stormare).

São cenas que, assim como as presentes no resto do filme, surgem na tela como um grande balé, onde ao invés de bailarinos e tutus vê-se na tela homens e mulheres engravatados trocando tiros e socos em qualquer situação, a pé ou de carro. Sendo John Wick e o guarda-costas Cassian (Common) atirando um no outro discretamente em uma estação de metrô povoada de transeuntes ou uma recepção nada acalorada como a que o protagonista recebe em Nova York depois de ter sua cabeça posta a prêmio, Stahelski perpetua aqui uma ação de proposta similar aos dos musicais tradicionais, que visavam acima de tudo por um espetáculo visual de arrebatamento por meio de cores e coreografias grandiosas. É uma noção de ação quase idêntica ao do cinema asiático do gênero, cujos cineastas também servem como um norte muito claro aos esforços empreendidos por Um Novo Dia Para Matar.

Esta dinâmica na narrativa já torna este segundo John Wick muito mais fascinante que o primeiro - uma paródia dos heróis de ação solitários, amargurados e silenciosos que ora ou outra se confundia com a própria seriedade engendrada -, mas é a forma como este "balé da morte" se combina com arco do protagonista que o torna em algo a mais na sua proposta. Se Wick no original procurava a paz se aposentando mas ia atrás da máfia russa por ter sua febre de violência despertada à força, na continuação Stahelski e o roteirista Derek Kolstad fazem de sua busca por uma saída do sistema que habita e da sua natureza violenta uma questão de choque inevitável, cuja maior vítima a ser feita no processo é o próprio espaço da ação habitado por ele.

Para isso acontecer na tela, o diretor aposta em um arco crescente de desestabilização dos cenários, que partem de uma situação controlada (o filme projetado no prédio, a cena no desmonte da máfia é a que soa mais natural no visual) para aos poucos se tornarem mais e mais manipulados até chegarem a um ponto de enlouquecimento. Kolstad aqui expande a mitologia da agora série não apenas para acentuar o viés místico formado em torno de seu protagonista - algo que fica muito divertido conforme a história parece comprovar as lendas dos feitos de Wick, como no caso do conto do lápis - mas também para deixar ainda mais evidente o quão impossível é o objetivo do assassino de abandonar aquele mundo. O encontro final de John com o gerente do hotel, Winston (Ian McShane), é um ápice na fragilidade gerada pelo primeiro neste sentido: ao tentar sair, ele praticamente revela o nível de controle e ilusão ao qual ele e o resto da sociedade estão submetidos.

Se esta questão será resolvida ou não isso fica para o inevitável terceiro capítulo (que ganha um gancho pra lá de direto), mas dentro da sua própria estrutura John Wick 2 consegue ser bastante eficiente em sanar esta frustração do momento pela ação. Ao recorrer à fisicalidade do cinema mudo como inspiração para seu balé, Stahelski também assume um compromisso com o uso dos espaços como forma de extravasar a violência de seu protagonista, algo que fica evidente conforme o filme aumenta aos poucos os jogos de ilusão das situações em que mergulha seus personagens. Uma decisão pra lá de prazerosa, como bem esclarece o clímax do terceiro ato no museu com seus espelhos e cores néon berrantes.

Nota: 8/10

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