terça-feira, 8 de setembro de 2015

Crítica: Ricki and the Flash - De Volta pra Casa

Comédia dramática se entende melhor na superfície que no subtexto.

Por Pedro Strazza.

Engana-se quem acredita que Ricki and the Flash - De Volta pra Casa seja em essência um filme sobre mães e filhas. Embora tenha aproveitado da real relação materna entre Meryl Streep e Mamie Gummer para se vender e use do tema como ponto de partida, o novo trabalho do diretor Jonathan Demme e da roteirista Diablo Cody é antes de tudo um ensaio sobre a família tradicional estadunidense nos panoramas políticos atuais. A tão conhecida relação entre republicanos e democratas é aqui interiorizada ao âmbito familiar, em um movimento bastante similar em proposta ao que vem se desenrolando no cinema sul-americano nos últimos anos.
O filme conta a história de Ricki (Streep), cantora da banda do título que há muito tempo abandonou a família em Indianápolis para se dedicar à carreira musical e ir atrás do grande sonho de se tornar uma estrela do rock. Estabelecida em um bar no estado da Califórnia, ela decide retornar ao lar onde criou seus filhos quando seu ex-marido Pete (Kevin Kline) liga informando que sua filha Julie (Gummer) acabou de se divorciar. Ao chegar, porém, ela se depara com uma situação completamente diferente da qual esperava, incluindo uma Julie depressiva e suicida e a rejeição de todos os três filhos que tanto ama.
Bastante parecido em estrutura a Jovens Adultos, outro trabalho de Cody que propõe drama pelo retorno às origens em tempos de crise, o longa faz o caminho natural de produções sobre famílias despedaçadas em tentativa de reparação, desde o choque inicial à uma redenção pelo amor. A diferença aqui é que o grande responsável por tal desmembramento deixa de ser o pai e vira a mãe, figura cuja atribuição no geral é a de mantenedora da unidade familiar em períodos atribulados.
Essa mudança de valor, assim como a própria identificação republicana da protagonista, não é feita à toa em Ricki and the Flash, e serve para construir esse painel simbólico em torno da família da roqueira. É perceptível no texto de Cody (e na narrativa elaborada por Demme, consequentemente) uma insistência em abordar o contexto atual da relação entre os dois maiores partidos estadunidenses sob uma chave mais materna, em que os republicanos são considerados grandes vilões e buscam compensar os erros cometidos no passado enquanto os democratas - os mocinhos - parecem estar ausentes no cotidiano. Quem paga o preço no fim são os filhos desse relacionamento tão conflitante, e a cena em que uma Ricki vestida com uma única toalha confronta a madrasta Maureen (Audra McDonald) no quarto acerca da questão dos filhos é a que melhor sacramenta esta afirmação quase idealista.
Mas enquanto ensaio político disfarçado de drama de relações, De Volta pra Casa chama muito mais a atenção por este seu lado tratado como superficial, que é afinal uma especialidade de Demme. Momentos como o jantar em família ou mesmo o clímax no casamento de Josh (Sebastian Stan) e Emily (Hailey Gates) são felizes ao ressaltar o desarranjo familiar criado pela saída da matriarca e por deixar o espectador indeciso em seu julgamento sobre Ricki. O íntimo aqui parece funcionar sem qualquer tipo de significância maior, e a produção parece inconsciente de tal fato.
Chega a ser curioso, portanto, que Ricki and the Flash sirva melhor como história de reconciliação simples quando busca na trama uma correlação política que a recheie. Essa aparente contradição entre camadas serve tanto como cilada teórica quanto benefício inesperado, pois permite a Meryl o espaço que ela precisa para trabalhar confortavelmente a sua já característica amabilidade no interior de um personagem de aspecto dúbio. E se ela vai de encontro à lógica estabelecida por Cody e Demme isso parece pouco importar.

Nota: 6/10

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