segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Crítica: Nocaute

História clichê de boxe ganha fôlego graças a seus momentos intimistas.

Por Pedro Strazza.

Ao longo de Nocaute, parece ser constante a sensação incômoda de que a história a se desenrolar na tela é idêntica a de outros milhares de filmes que tomam o boxe como tema principal, e isso não ocorre por acaso. No que diz respeito aos ringues, o novo trabalho do diretor Antoine Fuqua segue com fervor os caminhos e clichês do subgênero, como se tomasse para si a missão de ser a representação máxima deste particular grupo de produções. Do arco de superação primordial ao ator principal esforçado, o longa não esconde seus intentos do princípio.
Dessa maneira, somos apresentados logo no início ao protagonista Billy Hope (Jake Gyllenhaal), selvagem lutador profissional do esporte que defende a várias partidas o título de campeão na categoria de peso médio somente para o bem da sua mulher Maureen (Rachel McAdams) e da filha Leila (Oona Laurence). Tudo vai pelos ares, porém, quando a esposa é morta durante uma briga dele com um adversário e a rebenta, pouco depois de Billy perder o cinturão, é afastada legalmente de sua pessoa. Mergulhado na depressão e destituído de tudo, o boxeador então começa um processo de redenção para reaproximar-se da filha, e pra isso contará com a ajuda do lendário treinador Tick Wills (Forest Whitaker).
O que Nocaute realiza a partir daí é o velho arco de normalização do indivíduo, com direito a discursos pra levantar a moral e cenas de disciplinamento. Da abertura apresentando um Billy Hope completamente animalizado, Fuqua e o roteirista Kurt Sutter - que em sua estreia em longas-metragens traz a violência brutalizada e a relação com a morte que tanto fizeram seu nome em Sons of Anarchy - aos poucos devolvem ao personagem sua condição humana conforme este é reintroduzido à sociedade. O diretor inclusive usa de um plano dos telhados da casa de Hope (um verdadeiro castelo visto por cima) para acentuar o aspecto quase mágico de sua vida antes de desmoronar, além de tratar as lutas de boxe como puro e trivial espetáculo - como bem denotam as narrações dos locutores ou a postura canastrã ao qual 50 Cent incorpora ao agente do protagonista.
Nesse quesito, o elenco acha bastante espaço para manobrar com conforto suas interpretações, e isso diz respeito principalmente a Gyllenhaal. Já no físico musculoso demonstrando seus esforços com o papel, o ator torna realidade a passagem de besta a humano de seu papel, em caras e bocas que saem do exagero para chegar ao contido quando efetiva a posição de pai de família. É nesses momentos mais intimistas, inclusive, que o longa consegue respostas mais imediatas do espectador, pois o ator e a pequena Oona Laurence encontram-se afiados na execução de suas tarefas.
Clichês e relações familiares à parte, o filme traz ideias interessantes a partir do contato de Billy com Tick Wills (interpretado com tranquilidade por Whitaker) e sua academia. Nas mãos de Fuqua, a ligação entre treinador e lutador ganha um viés de marginalização no sistema e da incapacidade de reconhecimento sobre esta de um ponto de vista racial, já que o protagonista, enjaulado sobre luzes e holofotes, só consegue observar as mazelas dos outros quando está na mesma posição. Quando Gyllenhaal encontra o personagem de Whitaker lamentando sobre eventos envolvendo um dos garotos de sua academia e no princípio parece incapaz de reagir ao que vê, talvez tomado pela surpresa daquilo que presencia, resume bem essa noção da obra.
Tomado por personagens femininos totalmente objetificados (em tempos de personagens femininas fortes é impossível não se incomodar com cenas como a de Rachel McAdams conversando com o marido enquanto de quatro na cama), Nocaute é uma obra que se conforma demais com o genérico e o rotineiro para poder funcionar sozinho. Seu elenco, porém, consegue levantá-lo o suficiente para torná-lo relevante o suficiente e apresentar ao público suas boas ideias que surgem ora ou outra na narrativa convencional.

Nota: 6/10

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