domingo, 27 de setembro de 2015

Crítica: A Pele de Vênus

Roman Polanski vai da metalinguagem ao sentimento de culpa no sexo em filme teatral.

Por Pedro Strazza.

Celebrado por alguns como a expressão máxima da sétima arte, o cinema de autor é conhecido por expressar em suas histórias uma enorme variedade de temas universais através das angústias e dos dilemas enfrentados interiormente por seus diretores. Em um típico processo de trabalhar o interior pela exteriorização, o cineasta geralmente faz de produções do tipo um verdadeiro divã, transformando o espectador num psicólogo silencioso que escute suas impressões sobre diferentes aspectos do cotidiano - e basta a visita a algumas das obras de Woody Allen para entender esse lado mais egocêntrico do cinema.
Considerado isso, é natural o julgamento inicial de que A Pele de Vênus se trate apenas de mais um exemplar da classe voltado à questão do próprio fazer artístico. Adaptação da peça off-Broadway escrita por David Ives (também roteirista do longa) que por sua vez segue um diretor de teatro em busca de uma atriz para protagonizar sua releitura do livro homônimo e famoso por ter cunhado o termo masoquismo, o filme serve para o cineasta Roman Polanski deixar transparecer sua visão sobre o assunto, mas vai muito além deste olhar metalinguístico. O polonês busca aqui também expor ao espectador, na verdade, sua relação de culpa com o sexo, que no mundo real encontra paralelos com o caso de estupro que realizou e até hoje mal resolvido na Justiça estadunidense.
Este olhar interior empreendido por Polanski se torna evidente na construção narrativa que faz em cima dos diálogos protagonizados pelo diretor Thomas (Mathieu Amalric) e a atriz Vanda (Emmanuelle Seigner, quarta e atual esposa do cineasta), única força presente no desenvolvimento da trama. Clara alusão à relação entre autor e musa (que aqui também adquire em alguns momentos a simbologia de obra), o debate empreendido pelos dois personagens em um pequeno anfiteatro é elaborado pelo roteirista e diretor num âmbito de dominância, a princípio dado ao criador para no fim se revelar pertencente à criação. Aos poucos, porém, o polonês alinha essa reflexão sobre a arte com as próprias aflições pelo sexo, de uma maneira orgânica e que não torne a mudança artificial.
É neste momento de combinação que A Pele de Vênus sai do convencional e alcança um patamar interessante de autoanálise, pois a simultaneidade de duas linhas oferece ao longa um conjunto de possibilidades interessantes. Da musa que é ao mesmo tempo uma inspiração e um carrasco ao autor à desconstrução, no terceiro ato, do ideal masculinizante e subentendido no processo criativo (e que conta até com um cacto fálico e crucificante), o diretor tira das falas e dos atos performados por Amalric e Seigner uma vasta gama de entendimentos, que vão do sexual à metalinguística em poucas palavras. Os dois atores inclusive encontram-se bastante à vontade, exibindo controle invejável sobre suas interpretações.
Polanski em nenhum momento esquece, no entanto, do valor teatral que permeia a obra, e leva isso como diretriz para contar a história. No seu jogo de câmeras ilustrado pela trilha sonora do sempre minimalista Alexandre Desplat, o polonês faz questão de aproximar o espectador dos dois personagens, em planos que privilegiam os atores em detrimento do cenário - este quase uma brincadeira à eventual banalização da arte. O objetivo parece ser bastante claro: tomando como comparação os intérpretes que reencenam a peça para uma plateia vazia, o diretor quer que suas angústias sejam expressas para um público, e torna a aproximação com o espectador (elemento que deveria ser vital em produções do tipo) um norte a ser seguido.

Nota: 9/10

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