Uma introdução brilhante do universo espacial da Marvel
Por Pedro Strazza
Já fazia um bom tempo que a Marvel Studios não apostava tão alto em seus filmes. Depois de ter encerrado com excelência, em 2012, a sua primeira fase nos cinemas com Os Vingadores, o estúdio preferiu na segunda parte de seu planejamento desenvolver os seus heróis estabelecidos na telona ao invés de seguir introduzindo novos cenários e personagens de seu universo. No cronograma da empresa para a Fase 2, no entanto, surgiu como única novidade uma estranha e desconhecida (até para os fãs mais antigos!) equipe dos quadrinhos da Marvel: Os Guardiões da Galáxia.
Criados em 1969, o grupo de heróis que, no século 31, tomam como missão proteger a Terra de ameaças espaciais sofreu em seus quase cinquenta anos de existência diversas alterações e reformulações para alavancar a venda de seus gibis - e como nenhuma dessas mudanças não surtia efeito no mercado, eles foram com o tempo sendo relegados ao esquecimento pela editora da qual faz parte. O que parecia estar morto e enterrado, porém, revelou-se estar vivo e respirando (ainda que com a ajuda de aparelhos), e em 2008 a equipe voltou a dar as caras, agora completamente reinventada e anunciada de forma discreta nos efeitos do fim de mais uma mega-saga da Marvel.
E quando parecia que o time agora liderado pelo Senhor das Estrelas não receberia mais confiança de sua editora do que um título mensal (cancelado após algum tempo, por sinal), eis que a empresa nos surpreendeu novamente e anunciou um filme sobre àqueles personagens, colocando todas as suas fichas na concepção e divulgação da equipe e seus integrantes. E o mais curioso de todo este processo é saber que esta confiança exacerbada da Marvel provou-se ser um tiro certeiro.
Dirigido por James Gunn, Guardiões da Galáxia é um filme que se vale do humor e da homenagem aos anos 70 e começo dos 80 para conquistar o seu público - fórmulas de fácil acesso e uso por qualquer produção hollywoodiana. O que diferencia o roteiro escrito por Gunn e Nicole Perlman destas outros longas, no entanto, é a sabedoria da dupla em aplicar estes dois elementos a seu quinteto protagonista - o riso a todos, a nostalgia a Peter Quill (Chris Pratt) - ao invés de todo o universo, afastando assim sua história cômica-aventuresca da paródia fácil, boba e inofensiva. Os acontecimentos mostrados em Guardiões são tratados com seriedade por todos os personagens, mas o grupo de heróis (assim como o próprio filme) não hesitam em se divertir pelo caminho.
Nesse ínterim, o roteiro é sagaz no uso dos anos 70 e 80. Da trilha sonora repleta de hits da época às referências interminavéis de Quill, a nostalgia é empregada pelo filme não só em aspectos mais superficiais como também construtivos: A fita carregada pra lá e pra cá pelo Senhor das Estrelas, por exemplo, é ouvida pelos personagens em diversos momentos da narrativa e tem um valor emocional grande para o protagonista humano - é de sua falecida mãe, afinal, a escolha da lista de músicas.
O desenvolvimento dos Guardiões é também um ponto bastante acertado pela produção. Com tempos de tela equilibrados e interagindo entre si de forma hilária e natural (duas características já habituais da Marvel Studios), cada um dos cinco protagonistas apresenta, além de um determinado tipo e tempo de humor, um passado problemático e que envolve de alguma forma a família. Seus pesados dilemas pessoais, porém, são espertamente abordados com sutileza e sem banalizações pelo filme em determinados momentos da narrativa, de forma a não interferir no ritmo desta. Assim, dramas como o de Drax (Dave Bautista, inacreditavelmente excelente na composição emocional de seu papel) com a perda de sua mulher e filho ou de Gamora (Zoe Saldana) e sua relação com seu "pai" Thanos não precisam ganhar destaque óbvio no filme para que o espectador entenda seus sofrimentos particulares, e a trama consegue progredir de forma orgânica.
E esta eficiência do roteiro não se restringe apenas aos protagonistas. Gunn e Perlman não fazem questão nenhuma de complicar sua trama, mas sim de explicar com clareza suficiente as intenções de cada personagem no enredo - incluindo aí o próprio vilão Ronan, o Acusador (Lee Pace), que nos primeiro minutos já divulga seus objetivos primários para o público, e coadjuvantes terciários como Yondu (Michael Rooker) e a tropa Nova. O uso da força policial espacial no filme, por sinal, é inteligente ao "desenvolver" alguns integrantes quaternários para que o espectador sinta medo por eles nas grandes batalhas do clímax.
Nenhuma dessas características, entretanto, funcionariam tão bem sem uma elaboração visual do universo em que se passa a história. Consciente desta necessidade, os departamentos de design de produção e maquiagem desempenham seus papéis com excelência, concebendo cenários e habitantes únicos e multicoloridos para tornar a ambientação palpável ao público. E os efeitos visuais do longa, além de fortalecerem esta relação visual público-filme, é vital para a composição física de Groot e Rocket (que recebem ainda um trabalho de dublagem brilhante por parte de Vin Diesel e Bradley Cooper), tornando-os suficientemente reais para o público a ponto deste vibrar e torcer por eles.
Leve e divertido nas medidas certas, Guardiões da Galáxia é um filme que é capaz de introduzir uma nova parte do universo Marvel ao mesmo tempo em que, assim como os recentes Círculo de Fogo e Os Vingadores, consegue trazer de volta ao espectador a sensação feliz e satisfatória que só um blockbuster aventuresco e descompromissado - tão raro na Hollywood dos dias de hoje - pode oferecer. Neste aspecto, a alta aposta inicial da Marvel Studios rendeu seu melhor fruto até aqui, e os Guardiões com isso conseguiram enfim ganhar algum espaço na concorrida e disputada cultura pop.
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