domingo, 9 de março de 2014

Crítica: Walt nos Bastidores de Mary Poppins

Um retrato ingênuo e fantasioso de P. L. Travers e sua maior criação

Por Pedro Strazza

O caminho de Mary Poppins para o cinema não foi dos mais fáceis. Prometendo a seus filhos que traria a babá voadora para a telona, Walt Disney procurou chegar a um acordo com a autora do livro, P. L. Travers, e seus representantes sobre a adaptação, mas acabou sendo rechaçado pela escritora sob a justificativa de ser o "homem das animações infantis". Ele resolveu insistir, e depois de longos 20 anos de "nãos" ele finalmente ouviu de Travers o tão esperado "sim" para a realização do filme. Havia, entretanto, um porém: A autora queria ter controle criativo sobre a produção, aprovando e censurando o material que seria exibido posteriormente no cinema, antes de assinar de vez o contrato.
E é a partir deste ponto que se inicia Walt nos Bastidores de Mary Poppins, longa sobre o conflito entre Travers (Emma Thompson) e a equipe de Disney (Tom Hanks) nos primeiros passos do desenvolvimento do musical. Ao mesmo tempo, o roteiro escrito por Kelly Marcel e Sue Smith procura explorar as origens do livro, mostrando o relacionamento da escritora na infância (Annie Rose Buckley) com seu pai (Colin Farrell).
Essas duas linhas narrativas criadas pelo filme se intercalam sem imaginação nas mãos do diretor John Lee Hancock, que opta fazer deste Walt nos Bastidores de Mary Poppins mais um relato do momento difícil vivido pela escritora - aprovar a adaptação comercial de sua criação - do que uma análise de Travers (Bem trabalhada por Thompson), mesmo mantendo a aparência desta última no tom do longa. Um exemplo disso seria os próprios flashbacks para a infância de Travers, que a princípio podem parecer funcionar como uma desconstrução psicológica da autora, mas logo se tornam uma ferramenta ilustrativa e explicativa rasa para certos comportamentos da personagem - E não realizando, como alguns pensam, um desenvolvimento das suas motivações para escrever Mary Poppins.
As cenas do passado da protagonista também pecam ao abordar sua temática ligeiramente pesada com uma leveza extremamente exagerada. Desse defeito o pai dos Goff é quem sofre mais,  pois seu problema com o álcool ganha uma gravidade esquisita no encerramento devido justamente à abordagem irregular do longa em seus 125 minutos de duração: Se em alguns momentos a culpa é da vítima por estar nessa situação (o conflito no banco é claro nesse aspecto), em outros a organização social-econômica do mundo é a grande culpada (as cenas no circo e no lago). Falta ao filme uma sensibilidade da produção nesse ponto, coisa que Philomena recentemente soube muito bem trabalhar - e em questões muito piores.
O presente da história, nesse meio tempo, apresenta defeitos na mesma medida, mas pelo menos desempenha sua função um pouco melhor em relação à outra linha narrativa. Retratando seus personagens de forma unidimensional - com exceção da protagonista, apesar desta também sofrer um pouco dessa decisão -, o longa é bastante cômico ao retratar a rabugice e desaprovação de Travers com os trabalhos da equipe criativa de Disney (retratado pela produção de forma genérica e bonachona, culpa talvez da produtora e seus esforços em preservar uma imagem grandiosa de seu fundador), que se desenrola todo para atender as medidas da escritora enquanto tenta decifrar sua real personalidade. A planificação dos personagens, porém, logo paga seu preço quando o filme tenta no final ensaiar algum tipo de redenção à autora, que muda por completo seu perfil sem apresentar os motivos para tal - observe como seu figurino muda abruptamente, sem qualquer explicação, no salto cronológico de três anos. Isso sem contar que ela se transforma exatamente na figura superficial que tanto odiava no começo (Se Mary Poppins era um livro tão pessoal, porque ganhou continuações?).
Mas o mais curioso e problemático de Walt nos Bastidores de Mary Poppins é justamente a distorção dos fatos no encerramento. Até sua morte, em 1996, P. L. Travers odiou o resultado final do filme realizado por Disney, não aprovando a adaptação de eventuais sequências. Fica esquisito (e até divertido), então, acompanhar o esforço do diretor em tentar provar que tudo ali aconteceu mesmo (seja nas fotos amigáveis com Travers e Disney, seja na exibição dos áudios reais das conversas da autora com a equipe criativa) ou de provar que a escritora sentiu qualquer emoção na estréia de Mary Poppins - algo tão irreal e fantasioso quanto a própria obra que Hancock dirige.

Nota: 5/10

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