sábado, 22 de março de 2014

Crítica: O Grande Herói

Filme abusa de clichês, mas acerta na ação e no envolvimento emocional

Por Pedro Strazza

Embora pareça a princípio um gênero dos mais simples, os filmes de guerra apresentam, na maioria dos casos, uma importante profundidade político-social em seu âmago, separando-os, portanto, em duas categorias perfeitamente plausíveis. De um lado, temos reunidos os longas que criticam, cada um à sua maneira, os conflitos armados, indo da visão política à humana, como um Nascido Para Matar ou um Guerra ao Terror; Do outro, estão localizadas as produções que de certa forma glorificam a guerra para celebrar a vitória de determinado grupo e, consequentemente, os esforços dos soldados em permanecer vivos durante situações extremamente delicadas - Clássico de filmes da II Guerra Mundial, por exemplo.

Essas duas abordagens sob a guerra e seus significados, mesmo que amplamente opostas, são estranhamente utilizadas pelo diretor e roteirista Peter Berg para contar a história de Marcus Luttrel (Mark Whalberg), que, assim como o título estadunidense e tão revelador quanto o início de O Grande Herói (Lone Survivor, no original), foi o único sobrevivente de uma operação real realizada em 2005 pelo exército americano em solo afegão. Enquanto critica levemente a presença do grupo de soldados protagonistas e seu trágico destino, Berg também vê no quarteto formado por Murphy (Taylor Kitsch), Axel (Ben Foster), Danny (Emile Hirsch) e Luttrel um forte desejo de sobreviver à cilada em que se meteram - e, se não conseguem isso, pelo menos sacrificam-se para salvar os amigos do próprio destino.

Por um lado, esta peculiar análise ambígua do diretor sobre a operação prejudica severamente o peso político do longa por justamente esvaziar O Grande Herói de uma crítica ou glorificação à guerra, questão essa que constitui qualquer produção do gênero a qual pertence. Essa aposta arriscada, entretanto, fornece ao roteiro e à estrutura do filme uma maior chance de desenvolver com propriedade os personagens principais, envolvendo emocionalmente o espectador à história dos soldados para prepará-lo ao segundo e traumatizante ato.

Essa conexão do público com o quarteto protagonista é realizado com boa performance na primeira parte de O Grande Herói. Habitual, essa introdução serve para o espectador enxergar no grupo a sua grande amizade e humanidade, vista seja pelos rituais do exército - como as cenas reais dos primeiros minutos ou a entrada de Shane Patton (Alexander Ludwig, fraco num papel óbvio) para aquela tropa - ou nas brincadeiras e apostas, além das mostras clichês de virilidade pela barba crescida ou o tórax definido. Além disso, o longa apresenta aqui os laços familiares de cada um dos quatro soldados, que reclamam de um presente mais caro para a esposa ou de uma reforma para esclarecer esse ponto.

Dotados de um certo sentimentalismo pelos protagonistas, é difícil não se sentir desconfortável na cadeira quando a operação se inicia e os quatro logo começam a se machucar. Pelo relevo ou pelo combate, o público sofre junto dos personagens graças à combinação de seu envolvimento prévio com a excelente direção de Berg para filmar a ação, que, aliado a excelentes departamentos de som e maquiagem, emprega um realismo angustiante às cenas, tornando cada queda ou tiro uma dor pessoal no já envolvido espectador. As mortes de Murphy, Axel e Danny são, cada um a seu jeito, extremamente fortes, tanto pelo lado emocional quanto pelo físico - Especialmente Axel, onde o close do olho ensanguentado, o rosto disforme e a respiração dificultada tornam seu fim ainda mais horrendo.

Mas se os dois primeiros atos desempenham-se bem em suas respectivas funções, o mesmo não pode ser dito da terceira e última parte. Sem contar mais com o grupo, o filme perde muito de sua força emocional, e, ainda que Whalberg trabalhe muito bem em seu papel e que a história precise ser encerrada devidamente, o longa se torna cansativo e artificial por justamente procurar nas ações da comunidade camponesa uma abordagem política desnecessária. Sem contar o conflito final, irreal e confuso em sua essência.

Essa quebra do desenvolvimento natural dos personagens não tira de O Grande Herói o mérito de seu início e meio, porém. Acompanhar a jornada final deste grupo é uma experiência poderosa e bem conduzida por Berg, que mesmo abusando de clichês irritantes como as imagens reais no final ou a "redenção" de Luttrel traz novas visões sobre a guerra e seu gênero.

Nota: 7/10

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