sábado, 1 de março de 2014

Crítica: Capitão Phillips

Tensão e choque em alto-mar

Por Pedro Strazza

Como demonstrado em seus últimos trabalhos (Voo United 93, Zona Verde e a trilogia Bourne), Paul Greengrass é um diretor que sabe como criar tensão. Procurando sempre histórias de cunho político, o inglês geralmente transmite ao espectador em seus filmes a mesma sensação de desconforto latente que seus protagonistas tem por estarem sob situações de risco, utilizando de artifícios como a ação bem coreografada, a câmera na mão ou até o uso de uma trilha sonora poderosa.
Desses três elementos, Capitão Phillips utiliza-se bastante dos dois últimos.E o thriller, baseado na história verídica do capitão Richard Phillips, diferencia-se imensamente das outras obras de Greengrass por não apresentar, em suas duas horas de duração, nenhum lado maniqueísta da situação ali apresentada e trazer, portanto, um lado humano a seus "vilões", os piratas somalianos que tomam o cargueiro Maersk Alabama como refém.
Nesse ponto, o longa se assemelha bastante aos filmes de assaltos falhos com negociações duradouras, tal qual Um Dia de Cão, e o diretor analisa os três lados da situação - As forças armadas, os piratas e as vítimas - com visões semelhantes ao do gênero. Enquanto a marinha estadunidense aparece, a partir da metade do longa, para realizar uma rápida intervenção para o problema, os somalis liderados por Muse (Barkhad Abdi) procuram apenas sair dali com vida e lucro, ao passo que as vítimas querem sobreviver ao processo. O foco de Greengrass, porém, é dedicado majoritariamente à relação entre "ladrões e reféns", ao invés do costumeiro "ladrões e policiais" (apesar deste também marcar presença), e eis aí que surge um importante diferencial de Capitão Phillips.
Esse contato entre os inocentes e os antagonistas se dá principalmente pelas diferentes abordagens que capitães da produção apresentam em suas maquinações. Se Phillips (Tom Hanks) é um homem hábil que segue o protocolo para se salvar e não procura desperdiçar a vida de sua tripulação nisso, Muse recorre das mais variadas improvisações nos seus planos para conseguir atingir seu objetivo, botando em risco seus próprios colegas e a si mesmo no processo - O que não indica, porém, uma suposta burrice nas ações do pirata, mas sim um compreensível desespero suicida mas controlado. E quando os líderes se encontram, o conflito de perfis e planejamentos é perfeitamente natural.
O confronto entre os dois, entretanto, não é de oposição e combate. Muse, Phillips e ambas as tripulações, afinal, querem sair vivos dali, e os capitães começam então um curioso processo de mútua cooperação nas melhores condições possíveis para a situação. E o problema que decorre disso é justamente a desconfiança em que refém e assaltante se encontram, configurando um "toma lá, dá cá" perigoso e instigante para os envolvidos e pro espectador, transportado para a cena através da trilha sonora eficiente de Henry Jackman e da montagem de Christopher Rouse. Note, por exemplo, como até as traições entram nesse sistema, pois Muse abandona o acordo por Phillips um pouco depois deste o ter botado numa cilada na sala das máquinas.
Os dois protagonistas ganham ainda maior profundidade graças ao talento do elenco escolhido para vivê-los. Hanks e Abdi fazem, cada um à sua maneira, interpretações poderosas de Phillips e Muse, respectivamente, ao não caírem, como o diretor, na noção superficial de bom e mau, e criam assim perfis marcantes para seus papéis. Principalmente o segundo, que, ao contrário de seu colega, não tem nenhuma experiência anterior com atuação e faz aqui uma estréia das mais interessantes.
A oposição entre os líderes e a tensão proporcionada pela produção desembocam em um clímax dos mais tensos, mas que ainda não se rende ao previsível e ao exagero. Não há heróis a serem glorificados ou inimigos derrotados. Existem ali apenas vítimas de um choque de objetivos completamente distintos, e o final de Capitão Phillips e a última cena (pesadíssima) de Phillips são prova disso.

Nota: 8/10

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