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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Crítica: À Procura

Busca por menor fracassa nos aspectos técnicos da produção

Por Pedro Strazza


Existem vários maneiras de se enxergar um sequestro. Pode-se analisar o evento e todo as suas propagações através da perspectiva dos indivíduos responsáveis por tal crime, como também é possível tomar o ponto de vista das vítimas mantidas em cativeiro por estes ou até pelas pessoas afetadas de forma indireta pelo rapto. Seja qual for, é importante para aquele que analise esse tipo de acontecimento um posicionamento, que irá se refletir em toda a obra acerca do assunto.
Em À Procura, essa lógica "pessoal" parece ser desconsiderada. Pela fotografia pautada em cores frias e as cenas localizadas em diversos espaços temporais da trama, o diretor Atom Egoyan demonstra já no início do filme uma tendência à imparcialidade quanto à história que irá contar, e desenvolve isso ao adotar em sua narrativa diversas linhas de continuidade. Para ele, afinal, o relato do longo desaparecimento da jovem Cass (Peyton Kennedy quando criança, Alexia Fast na adolescência) não tem como ser abordado apenas sob a perspectiva de seus pais ou da polícia, mas sim por todos os envolvidos no caso - seja emocionalmente ou criminalmente.
De fato é uma escolha curiosa na teoria, mas na prática revela-se muito mal aplicada. O roteiro escrito por David Fraser e Egoyan aposta em desenvolver a temporalidade da história de forma não-linear, mas equivoca-se ao estruturá-la sem nenhum indicativo claro do quando seus eventos ocorrem, deixando a trama confusa em diversos momentos. Além disso, o texto do filme superficializa seus personagens em estereótipos aborrecidos, como o do pai de inteligência limitada (pelo menos é isso que Ryan Reynolds passa em sua atuação) ou o do sequestrador que se apega à sua vítima.
Não bastasse esses defeitos, o roteiro ainda é permeado por gravíssimos erros de continuidade, esclarecidos pela péssima montagem de Susan Shipton. Cenas envolvendo a força policial conduzida pelos personagens de Rosario Dawson e Scott Speedman, por exemplo, evidenciam várias vezes uma clara inabilidade profissional destes com o caso, e tornam ridículo todo o suspense em cima da situação. Para piorar, a trilha sonora pouco inspirada de Mychael Danna é usada de forma boba para pontuar mal a história, e consequentemente prejudica o ritmo do longa.
Incapaz de revelar seus mistérios na hora certa e dotado de um desfecho sem graça, À Procura é um fracasso contundente como análise da situação ou exercício de gênero. Para a obra, falta a tensão climática ou os personagens de intenções mais profundas para tornar o sequestro da criança mais preocupante ou instigante para seu espectador, que, sem estas características, só pode rir dos feitos artificiais feitos pelos protagonistas em sua procura supostamente desesperadora.

Nota: 1/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Marvel anuncia Fase 3 nos cinemas e U-A-U

Demorou, mas finalmente aconteceu. Em evento especial realizado no cinema El Capitan, em Los Angeles, a Marvel Studios anunciou hoje para o mundo toda a sua INCRÍVEL agenda da chamada Fase 3 nos cinemas, que vai até o primeiro semestre de 2019. No planejamento do estúdio, vários rumores se confirmaram, incluindo projetos e até escolhas de elenco, mas houveram MUITAS surpresas!
Vamos ao calendário:

  • Em 2016, chegam às telonas Capitão América 3 - GUERRA CIVIL(!!!) e Doutor Estranho, respectivamente nos dias 6 de maio e 4 de novembro;
  • Para 2017, a Marvel vem pela primeira vez com três filmes no cardápio: Guardiões da Galáxia 2 (5 de maio), Thor - Ragnarok (28 de julho) e Pantera Negra (3 de novembro);
  • No ano de 2018, novamente uma trinca de filmes, agora com Vingadores - Guerra Infinita: Parte 1 (4 de maio), Capitã Marvel (6 de julho) e Inumanos (2 de novembro);
  • E em 2019, a Marvel fecha sua terceira fase nas telas com a segunda parte de Vingadores - Guerra Infinita, que sai no dia 3 de maio.
Outro anúncio importante feito por Kevin Feige (presidente da Marvel Studios - e agora do mundo nerd) na ocasião foi a oficialização de Chadwick Boseman como intérprete do Pantera Negra, que além de ter confirmado seu filme solo e sua participação no terceiro capítulo da história de Steve Rogers ganhou uma primeira imagem conceitual de seu visual nos cinemas:

domingo, 26 de outubro de 2014

Crítica: Relatos Selvagens

Fúria irracional e cômica permeia antologia do cotidiano

Por Pedro Strazza

Se violência gera violência, o mundo de hoje está perdido, e o argentino Damián Szifrón sabe muito bem disso. Em Relatos Selvagens, seu terceiro longa-metragem como diretor, o cineasta traz na série de pequenos contos a agressividade do cotidiano, que acontece nos mais diferentes níveis e por diferentes razões. Elas carregam, entretanto, uma característica em comum: Todas foram geradas pelo ser humano e seus atos egoístas.
O egocentrismo de fato é um tema presente em todas as seis histórias escritas por Szifrón. Do pequeno prólogo que envolve uma série de coincidências absurdas em um avião até o desfecho em um casamento fadado ao fracasso, o filme traz em sua rica variedade de personagens a constante do privilégio aos próprios objetivos, e ensaia em alguns momentos um discurso de que a sociedade estaria em queda justamente pelo descaso com o próximo. O segmento Bombita, estrelado por Ricardo Darín, é o que mais evidencia essa tendência crítica da obra ao evidenciar a violência gerada pela relação submissa que o povo de forma insatisfatória tem com a corrupção.
Sob este aspecto, o problema maior do trabalho de Damián é a necessidade em precisar pontuar violentamente (ah, a ironia) a narrativa com pequenas lições de moral a cada novo capítulo mostrado. Sem sutilezas, o texto ácido do cineasta discorre críticas a diversos setores da sociedade, apontando-os como supostos culpados do estado agressivo que a humanidade vive. Discurso este que, claro, irá encontrar simpatizantes em vários espectadores insatisfeitos com o modelo atual de governo ou com os rumos da sociedade.
Digressões teóricas à parte, Relatos Selvagens é incrível pela maneira como constrói e evolue as suas cenas cotidianas de violência para causar humor. Sempre vindo de longe - repare como Szifrón mostra o perigo chegando ao personagem de Leonardo Sbaraglia e seu carro em O Mais Forte -, a fúria irracional é levada ao extremo pelo diretor e roteirista em cada um dos contos, e suas consequências desproporcionais aos eventos iniciais geram um humor negro dos mais risonhos. Não à toa, portanto, que as histórias dos motoristas e do casamento se destaquem com naturalidade das outras (também excelentes e muito interessantes) quatro, pois seus desfechos são os mais absurdos e hilários.
É na capacidade de fazer rir pelo exagero da violência cotidiana que o filme ganha força em sua narrativa e cria interesse nas histórias que conduz com sagacidade e bom ritmo, e não pelo discurso subtextual construído nestas. O grande truque empreendido por Szifrón aqui, porém, é o de oferecer em Relatos Selvagens os dois caminhos simultaneamente, sem prejudicar um ou outro no processo. Violência gera muita violência, mas isso não quer dizer que não possamos rir um pouco dela.

Nota: 8/10

sábado, 25 de outubro de 2014

Crítica: Drácula - A História Nunca Contada

Vampiro vira super-herói na história que nunca deveria ter sido contada

Por Pedro Strazza

Não é de hoje que a Universal quer ressuscitar sua franquia de monstros. Conhecida no passado pela produção desses filmes (e que incluem aí versões famosas como a de Drácula com Béla Lugosi), o estúdio vem tentando, principalmente na última década, trazer de volta estas criaturas às luzes do sucesso, e para isso cometeu obras como a trilogia A Múmia. Mas os retornos cada vez menores de bilheteria do gênero levaram a empresa a progressivamente abandonar o projeto e procurar por novos, e os seres fantásticos do horror dessa maneira foram deixados para outro momento.
O sucesso da Marvel Studios em conceber um universo lucrativo nos cinemas levou a Universal, entretanto, a repensar o planejamento. Querendo uma mínima parcela do sucesso da empresa dona dos Vingadores, o estúdio resolveu tomar como base sua concorrente e transformar a sua franquia em um universo de monstros, de forma a potencializar o sucesso financeiro destes. E o primeiro capítulo desta nova fase das criaturas é Drácula - A História Nunca Contada, centrada justamente no famoso vampiro de Bram Stoker e sua origem.
O estúdio acreditou mesmo, porém, que o formato cinematográfico dos heróis da Marvel poderia ser aplicado passo a passo em qualquer tipo de gênero, e logo no início de seu universo cometeu um erro básico. Interpretado por um dedicado Luke Evans, o Drácula dessa história emana quase sempre os valores e características típicas de um herói dos quadrinhos, mas nunca o perfil do personagem original. Assim, sai de cena o vampiro sedutor e mortal, e entra o homem vítima dos acontecimentos à sua volta e que tenta ser bom da melhor maneira possível.
O roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless também sofre muito dessa interpretação superficial. A visão da guerra e das afetadas por ela, um dos temas centrais da trama, é rasa e prejudicada por metáforas óbvias - "Vocês marcharão sob meu comando com a visão obscurecida" diz em certo momento o vilão Mehmed (Dominic Cooper) -, e o arco trilhado pelo protagonista no longa carece de melhor formatação e execução. Em linhas gerais, o filme dá impressão de que Vlad Tepes (o futuro Drácula), mesmo insistindo no contrário, governe não por seu povo, mas por sua mulher (Sarah Gadon) e seu filho (Art Parkinson).
Ainda dirigido sem imaginação por Gary Shore nas cenas de ação e com um clímax perdido e sem nexo, este Drácula - A História Nunca Contada acrescenta nada novo e interessante ao vampiro mais famoso de todos e sua história. O potencial do universo iniciado, por outro lado, é visível no personagem de Charles Dance, que entre frases de efeito clichê e ações supostamente tenebrosas dá um caminho curioso para os monstros da Universal. Isso, pelo menos, se o estúdio der mesmo continuidade a seu projeto.

Nota: 3/10

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Crítica: Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência

Roy Andersson, o comediante filósofo (ou é o contrário?)

Por Pedro Strazza

O humor é uma forma curiosa de se interpretar e criticar a sociedade e o ser humano. Pelo riso, diversos cineastas já trouxeram às telonas diversos temas sociais e filosóficos sob os mais variados ângulos, empregando a estes sua própria visão (geralmente com muito sarro) do assunto. E quando bem trabalhado, este processo "analítico-risonho" iniciado pelo "humorista" pode gerar um impacto estarrecedor no espectador.
No mundo do cinema, existem vários mestres do riso conhecidos por essa maneira pensante de fazer o público rir, e um deles é Roy Andersson. Sueco, ele é responsável por este Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência, filme que lhe rendeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza e encerra a sua trilogia "sobre ser um ser humano", iniciada por Songs From the Second Floor e Vocês, os Vivos.
O longa apresenta desde seu primeiro minuto todas as características de Andersson como diretor e roteirista. Pautada por vinhetas, a narrativa traz em meio à várias subtramas a história de Jonathan (Holger Andersson) e Sam (Nils Westblom), dois vendedores "de entretenimento" que procuram sobreviver da melhor maneira possível na fria e complicada Sué...
Ok, pra falar a verdade isso não interessa tanto. O que de fato importa (e impressiona) em Um Pombo é a maneira como Roy filma suas situações bizarras e as excêntricas pessoas envolvidas nestas, e como ele une todas elas para criar sua "teoria" sobre nós, seres humanos, e a existência. É pelos planos estáticos que forçam a evidência do ponto(s) de fuga - e que consequentemente fazem saltar à tela os cantos das paredes - dos cenários de cores frias e de seus personagens de duro movimento e faces pálidas, afinal, que o cineasta trabalha o seu pensar filosófico sobre a humanidade e suas problemáticas universais e eventualmente tira do público alguma risada alta ou disfarçada, fazendo-o refletir sobre aquilo que lhe é apresentado. Aqui, Andersson dá a impressão de ser um teórico disfarçado de humorista - ou pior, ser um humorista disfarçado de teórico! -, e parece transformar sem pudor algum a tela em um palco de teatro sueco (ou não) para alcançar seus objetivos.
O jeito como o diretor liga tudo isso, porém, é o grande atrativo de sua obra. Através da peculiar estrutura descrita acima, Andersson forma a sua narrativa por meio de elementos e personagens que como o refrão de uma música voltam para emendar os segmentos mostrados de forma sutil e risonha, a exemplo dos arrulhos de pombos que nunca aparecem ou da afirmação "Fico feliz de saber que você está bem", repetida cada vez mais dolorida pelas pessoas em cena. A recorrência da figura do pombo, por sinal, parece trazer à tona uma comparação curiosa entre a ave e o homem, como se nós, mesmo com toda a nossa complexidade, fôssemos tão ridículos e inúteis quanto o pássaro.
Deu pra ver o poder de reflexão do filme nesta última afirmação? Pois é isto mesmo que Roy Andersson procura e atinge em Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência. Na loucura e na comicidade, o sueco atinge uma profundidade filosófica invejável sobre o universo e todo o mais, e faz sair pensativo da sessão até o mais superficial dos homens. Ou assim ele espera.

Nota: 10/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

Crítica: Dois Dias, Uma Noite

Os 16 desafios de Marion Cotillard

Por Pedro Strazza

O cotidiano sempre oferece histórias interessantes, e o cinema é muito consciente disto. Em meio às suas biografias glorificantes e seus épicos estrondosos, a indústria cultural e seus envolvidos encontram no dia-a-dia da sociedade tramas repletas de intrigas, reviravoltas, momentos cômicos e dramáticos e (principalmente) de personagens profundos, às quais transmite ao grande público por meio de suas grandes telas e seus exageros artísticos - pois afinal, quem gostaria de assistir a um filme que não tenha um pouco da famosa "fantasia do cinema"?

A resposta são os irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, que preferem não se utilizar desses excessos para contar suas histórias ambientadas na dura realidade e provam isso mais uma vez com este Dois Dias, Uma Noite. Com roteiro e direção da dupla, o longa acompanha Sandra (Marion Cotillard), uma operária que certo dia descobre que está prestes a ser demitida do lugar onde trabalha após uma votação entre seus 16 colegas sobre escolher, em tempos de recessão econômica, entre ou o bônus de final de ano ou o emprego dela. Conseguindo um novo sufrágio, ela e seu marido Manu (Fabrizio Rongione) tem então dois dias (e a uma noite do título) para conseguir convencer a maioria dos trabalhadores a mudar o voto e desta maneira manter a sua vaga no trabalho.

Com uma estrutura narrativa simplória - e que nunca deixa de negar esta condição - em mãos, os irmãos Dardenne realizam um curioso estudo em cima de sua protagonista. De frágil condição psicológica, Sandra, através de suas crises de choro e dos comprimidos que toma repetidas vezes, demonstra uma instabilidade latente a cada pessoa contatada e resposta recebida, mas por precisar de seu emprego ela é obrigada a sempre ter de encontrar forças para continuar na luta por ele. Para isso, os diretores (também autores do roteiro da produção) filmam Sandra e suas ações em longos planos, optando sempre por não mostrar diretamente seus momentos de maior vulnerabilidade quando estes acontecem - só reparar, por exemplo, na maneira como vemos ela se medicar ao longo da projeção.

Ainda sob esse aspecto, a atuação de Cotillard é decisiva para o filme, pois incorpora todas as dores sentidas à seu movimento e postura para evidenciar o quão alquebrada é a delicada personagem. A atriz também é muito eficiente ao mostrar de forma clara que Sandra, em meio à sua fragilidade, de fato se importa com seus colegas de trabalho e seus problemas econômicos, mesmo estes sendo responsáveis por decidir o rumo da vida dela e de sua família.

A abordagem narrativa dos outros funcionários é outro ponto forte da obra. De diferentes origens sócioeconômicas, mas ainda assim carregados de problemas muito parecidos, os operários procurados pela protagonista tem seus entraves e deficiências financeiras evidenciados para o espectador por elementos visuais claros como filhos e casas. As crianças, por sinal, ganham na visão dos Dardenne uma atribuição levemente negativa, simbolizando um motivo a mais para seus pais estarem em uma situação mais complicada para pagar as contas.

Centrado em uma protagonista de personalidade profundamente fragmentada e que vive em uma sociedade prejudicada pela economica, Dois Dias, Uma Noite é mais um trabalho interessante dos irmãos Dardenne focado no drama real do cotidiano. Para os cineastas, não importa se o ser humano é frágil ou forte, mas sim se este é capaz de sobreviver aos desafios da rotina.

Nota: 8/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Crítica: Livre

Reese Whiterspoon tenta, mas não consegue salvar filme de seu diretor

Por Pedro Strazza

Os filmes de sobrevivência, conhecidos lá fora como survival films, dependem de alguns elementos específicos para que funcionem propriamente. Levando aos limites a vida de seus personagens, tais obras precisam provocar no espectador, por exemplo, a sensação de isolamento vivida pelo protagonista (ou protagonistas, de vez em quando) naquele momento, elevando com isso a tensão natural dos fatos apresentados. Outro ponto bastante necessário é a presença do intérprete, que tem de ser capaz de trazer o público para dentro da situação e fazer com que este torça por ele em sua luta pela vida. É um papel que muitas vezes requer talento, e por isso talvez faça do subgênero um bom caminho a temporada de premiações nas categorias de atuação.
Depois de vermos atores como Tom Hanks, James Franco e Robert Redford se aventurarem sozinhos nessas histórias de superação própria em meio à iminente morte, é a hora de Reese Whiterspoon provar que também consegue fazer parte deste grupo de sobreviventes - ou morrer tentando, pelo menos. Em Livre, a atriz ganhadora do Oscar interpreta Cheryl Strayed, uma mulher que resolve percorrer a Pacific Crest Trail, uma das trilhas mais difíceis dos Estados Unidos, em homenagem à sua falecida mãe (Laura Dern), ao qual glorifica como modelo de vida. Solitária nesta jornada, ela terá de enfrentar perigos e obstáculos complicados, como comida fria, cobras, montanhas, botas pequenas e...
...uma produção de gosto duvidoso. Conduzido pelo diretor Jean-Marc Vallée, o filme - que é baseado em fatos reais - parece querer impedir o espectador de se conectar com sua protagonista em seu duro caminho trilhado, através dos inúmeros personagens secundários (e terciários, quartenários, etc.), que aparecem para socorrê-la nos momentos mais difíceis, ou da desequilibrada montagem de Martin Pensa e do próprio Vallée, que além de uma voz da consciência realiza cortes rápidos para flashbacks e sonhos muitas vezes desnecessários. Desta forma, a jornada empreendida por Cheryl torna-se rapidamente uma chatice previsível, já que seus maiores desafios quase sempre serão solucionados por outro.
Mas se a direção é equivocada, a atuação de Whiterspoon é eficiente. Quando não está sendo prejudicada por seu diretor ou pelo roteirista Nick Hornby, a atriz entrega à Strayed uma personalidade tocante, capaz de nos poucos momentos disponíveis realizar o movimento de aproximação com o espectador. E Reese faz isso com sutilezas interessantes, a exemplo de sua relação com a gigantesca mala que carrega em suas costas - um simbolismo convincente para os problemas em sua vida - ou de seu relacionamento com sua mãe, bem trabalhada na mão de Dern.
A relação maternal e o trabalho do elenco principal não escondem do filme suas fraquezas, porém. A mão de Vallée, tão boa em Clube de Compras Dallas, pesa muito mal para o longa, que aqui e ali encontra respiros e momentos mais dignos. E paara um filme intitulado Livre, é irônico que falte a solidão e a sobrevivência características deste perfil.

Nota: 4/10

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Crítica: A Despedida

Nelson Xavier incorpora canto de cisne de personagem em novo trabalho de Marcelo Galvão

Por Pedro Strazza

Logo em seus primeiros momentos, o filme brasileiro A Despedida já mostra ao seu espectador a intensidade emocional com o qual o impactará ao longo de seus noventa minutos através de uma tarefa relativamente simples: acordar. Quem desempenha esta ação, porém, não é alguém jovem e sadio, mas sim um homem velho e apelidado de Almirante (Nelson Xavier), que faz aqui um esforço quase sobre-humano só para se levantar da cama. Seus passos são lentos e a dificuldade é extrema, e ele não esconde sua felicidade em ainda conseguir realizar aquela atividade.

O Almirante sabe, entretanto, que seu tempo na Terra está acabando, e que sua vida em pouco tempo irá se esvair. Sempre atento ao relógio, ele sai de casa uma última vez para acertar as contas restantes e se despedir daqueles que ama de forma profunda, incluindo aí o dono de um bar (Nill Marcondes) do qual é freguês e sua amante Fátima (Juliana Paes), uma mulher muito mais jovem que ele pelo qual nutre um amor profundo.

É justamente este último dia do protagonista que o público irá acompanhar em A Despedida, cuja trama é baseado na história real de um falecido familiar do diretor e roteirista Marcelo Galvão. Assim como nas cenas iniciais, Galvão procura evidenciar no longa as dificuldades pelo qual o Almirante passa para realizar atividades simples, como escovar os dentes ou atravessar a rua, fazendo isto através do olhar sempre atento da sociedade (seja por seus transeuntes, seja por um mendigo sentado confortavelmente no chão) sobre o protagonista no segundo plano. Com isso, o diretor em vários momentos torna as tarefas do personagem muito mais complicadas não pela ação em si, mas sim pelo julgamento social exercido pela população em cima do idoso.

Essa visão sob o coletivo, porém, apenas permeia a estrutura narrativa da obra, que se encontra muito mais focada em observar as ações finais do Almirante. Com sua determinação admirável e sua personalidade marcante, o senhor de idade se conecta com o público por meio de atos simples e que revelam sua natureza simpática e bem-humorada. É por seus elogios frequentes às mulheres com quem fala (e admira com intensidade, como seu diálogo com um taxista bem explicita) e sua disposição em consertar os erros do passado que o espectador conhece e passa a gostar do Almirante, entendendo suas ações no processo mesmo sem conhecê-las de fato.

Mas a conexão que fazemos com o protagonista torna-se fundamental a partir do momento que a personagem de Paes entra em cena no terceiro ato do longa. A relação do idoso com a amante, muito bem esclarecida por Galvão como de mútuo amor, traz à tona a real felicidade do Almirante, que em determinado momento anterior a seu encontro com Fátima diz que "o homem pode ter tantas mulheres quanto quiser, mas apenas uma mulher o terá verdadeiramente". E a direção faz questão de deixar claro esse respiro dado pelo personagem ao esquentar a matiz de cores da produção no apartamento da amada, por exemplo.

Mas o crédito maior de A Despedida deve-se mesmo à atuação do casal protagonista. Se Paes emula em sua Fátima o amor sincero que sente pelo amante, Xavier incorpora a seu Almirante uma fragilidade visível e dolorida através de gestos simples como o tremular das mãos ou a dureza com a qual lida com o andador. Nelson, entretanto, é soberbo ao ser capaz de dar a seu papel um humor sincero, capaz de fazer o espectador rir mesmo nos momentos mais difíceis da trama.

Suave em sua história pesada e belo em sua abordagem sobre temas universais como a velhice e a morte, A Despedida é um filme de personagens profundos e bem interpretados, dirigidos por um Marcelo Galvão sutil e esperto em evitar o melodramático. A dor do iminente fim, poucas vezes encarada com leveza pelo cinema, ganha uma definição tocante nas mãos de Nelson Xavier e seu diretor.

Crítica parte da cobertura da 38° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2014)