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Deadpool 2

Continuação tenta manter a subversão do original enquanto se rende às convenções hollywoodianas

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

Crítica: O Quarto de Jack

Filme de atuação, história adota tom ingênuo com reservas.

Por Pedro Strazza.

Arcos de descoberta do mundo são tão inerentes aos contos infantis quanto a inexperiência é de uma criança. Clássicos ou modernos, existe um elemento de ingenuidade em quase todos os protagonistas de tais histórias que os permite encarar com admiração suas aventuras para fora de seu terreno conhecido, algo que qualquer menino ou menina se conecta instantaneamente por viver situações parecidas todo dia. O fascínio pelo novo, pelo desconhecido, por aquilo que é inédito a seu mundo permite de certa forma o crescimento, e tais contos são o que melhor entendem a dimensão do poder da experiência a ponto de manterem-se como objetos de afeto do indivíduo depois de adulto.

Quem compreende muito bem esta relação específica entre público e obra é O Quarto de Jack, adaptação do livro homônimo de Emma Donoghue que se utiliza da ingenuidade como elemento narrativo vital e motor de sua história. Pois mesmo que parta de uma situação genuinamente terrível e ancorada na dura realidade, o filme de Lenny Abrahamson consegue se estruturar como o típico conto infantil ao colocar seu ponto de vista no indivíduo mais inocente da trama.

Acima de tudo, porém, o pequeno Jack (Jacob Tremblay) é a materialização do ideal dos protagonistas das histórias clássicas para crianças, um menino de cinco anos que nunca antes tinha conhecido e experimentado o mundo por estar literalmente preso entre quatro paredes. Desde seu nascimento, o garoto vive confinado a um galpão junto de sua mãe Joy Newsome (Brie Larson), sequestrada há sete anos por um homem desconhecido apelidado de Velho Nick (Sean Bridgers) e que a estupra toda semana. Para preservar o filho do momento cruel que ambos passam, ela inventa a Jack um universo fantasioso e limitado ao quarto, no qual o espaço fora dali não existe e onde todo objeto presente lá dentro tem uma espécie de identidade. Seu plano funciona, mas quando os dois enfim conseguem ser resgatados do lugar Jack começa a sofrer com as quebras de seus parâmetros originais e com o reajuste aos novos.

Com frequência confundido no roteiro da própria Donoghue por um de revelação para adequar a obra ao tom ingênuo pretendido, esse processo de adaptação do personagem principal é trabalhado por Abrahamson pelos espaços ocupados, a princípio no quarto claustrofóbico que ocupa quase todo o primeiro ato do longa e no fim as ruas e quintais suburbanos, cuja ambientação ao ar livre trazem o respiro visual que o espectador anseia o filme inteiro. Nesse meio do caminho, a fotografia de Danny Cohen se encarrega de dar a progressão necessária para essa libertação sentida por Jack e o público, em espaços cada vez mais amplos e menos ameaçadores - e quando a trama precisa passar por lugares abertos, Cohen e Abrahamson filmam em planos fechados para preservar esse espírito, impossibilitando qualquer alívio acidental.

O que contribui mais em O Quarto de Jack, entretanto, é a dinâmica exercida entre os dois atores principais, que dão a humanidade necessária para o envolvimento do espectador no destinos de seus personagens. E isso se percebe não apenas quando os dois estão juntos, mas também em seus reencontros: no momento posterior ao resgate, em que Jack se desespera dentro de um carro de polícia (mais uma vez, o ambiente fechado) na tentativa de chamar a atenção da mãe, o abraço seguinte dos dois traz uma ternura reconfortante, uma harmonia elemental em meio ao caos estabelecido na cena. E se Larson entrega uma performance calcada no frágil graças à maior liberdade que tem aqui em relação a outros trabalhos, Tremblay surpreende com uma atuação delicada e sem exageros, inesperada à sua pouca idade e capaz de sozinho fornecer todo o viés infantil da história.

Consciente desta última, Abrahamson busca então dar cabo da tarefa de circundar a fábula do pequeno protagonista com a realidade do mundo no qual este se situa, e é aí que as coisas desandam. Os dramas que cercam a vida de Jack nunca escapam do tangencial na narrativa, e seu tratamento no campo do subentendido ressalta tanto a superficialidade dos coadjuvantes em cena - a dificuldade do avô interpretado por William H. Macy em olhar para o neto soa gratuita e não disfarça seu papel no roteiro, por exemplo - mas também acaba por ser insuficiente no desenvolvimento do arco de reintrodução vivido pela própria Joy. Em muitos momentos, é como se o cineasta mais atrapalhasse que auxiliasse a personagem, que sobrevive graças à decisão de Larson em manter o emocional como engrenagem principal de sua atuação.

São erros e acertos muito similares aos de Frank, trabalho anterior do diretor que também se sobressaía na performance do protagonista e equivocava-se nos direcionamentos narrativos. Mas se na história do vocalista com uma grande cabeça feita de papel-machê Abrahamson talvez parecesse receoso de conduzir o filme a favor da atuação de Michael Fassbender, em O Quarto de Jack ele está mais aberto a se aceitar como diretor de atores, deixando que seus dois protagonistas tragam a sustentação requerida pelo filme. Agora só falta a ele conceber o resto com maior riqueza.

Nota: 7/10

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Crítica: A Garota Dinamarquesa

Relato de época sai prejudicado por abordagem conservadora de relações de controle.

Por Pedro Strazza.

"Os homens se sentem envergonhados em se submeter a uma mulher" afirma a protagonista Gerda Wegener (Alicia Vikander) para um cavalheiro enquanto pinta seu retrato, logo no início de A Garota Dinamarquesa. Com uma piteira no canto da boca e olhar decidido, a pintora demonstra neste momento estar em total controle da situação, dominando todos os movimentos do nitidamente intimidado homem à sua frente com comandos rápidos e incisivos. Mesmo seu cãozinho, que encontra-se descansando ao lado do cavalheiro, atende a suas ordens silenciosas com velocidade, em sujeição similar à do homem.

A cena acima tem propósitos cômicos, porém se torna em um pontapé comparativo inusitado para toda a história ao qual o filme dirigido por Tom Hooper se propõe a ser. Baseado no livro homônimo de David Ebershoff e dedicado a narrar a sequência de acontecimentos que levou o marido de Gerda e também pintor Einar (Eddie Redmayne) a ser um dos primeiros indivíduos a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo e assumir em definitivo sua real identidade, Lili Elbe, o cineasta inglês e a roteirista Lucinda Coxon mostram-se mais interessados no impacto desta drástica mudança na vida da pintora que seu cônjugue, em como ela lida com a troca de gênero do amado esposo ao qual nutria um casamento feliz. A jornada de metamorfose de Einar para Lili ainda é central aos fatos e ele decerto tem o protagonismo, mas a narrativa concentra-se em Gerda e suas emoções.

A grande razão para esta abordagem surge de uma concepção simples e ligada ao controle que a protagonista exibe ao pintar o retrato. Gerda de início é mostrada como o indivíduo dominante na relação, seja nos diálogos sobre seu relacionamento (seu relato em uma festa da maneira como o casal se conheceu é bastante revelador neste ponto) ou na submissão nada disfarçada do marido para ela, mesmo que Einar seja entre os dois o pintor melhor pago naquele momento. Na totalidade de seu primeiro ato, parece faltar a A Garota Dinamarquesa apenas a menção ao velho ditado conservador "Por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher", realizando na tela toda a dimensão de poder existente da frase.

Este parâmetro, porém, começa a ser desmembrado por Hooper a partir do surgimento de Lili, que não só altera a dinâmica dos dois mas também questiona o papel da mulher em tal relação. Pois apesar de ascender profissionalmente quase que em simultâneo à queda da persona Einar, Gerda perde o rumo conforme o marido se transforma diante de seus olhos e assume seu eu verdadeiro, como se seu norte se desfizesse e a deixasse desencontrada na escuridão de uma densa mata. Não há mais em suas mãos alguém que ela possa apoiar e buscar conforto nos momentos mais difíceis, e Vikander incorpora isso na personagem com a sutileza necessária.

O problema desta elaboração estabelecida pelo longa é que ela esbarra em dois obstáculos. O primeiro, claro, é o machismo inerente à sua base de sustentação, que presume a mulher como mera pessoa de bastidores para o marido. Hooper ainda tenta disfarçar isso ao abrir espaço na trama para a vida profissional da protagonista e seu contraste com a do marido, em trajetória oposta à dela, mas fracassa porque no fim Gerda termina o filme já com um novo homem (o negociante de arte vivido por Matthias Schoenaerts) para dar suporte ao invés de realizada no mundo das artes.

O segundo, e mais grave, é que nessa relação de dominância a obra acaba por fazer da transsexualidade um mero canal para essa, negando sua existência como óbvio terceiro elemento na história. Einar se torna Lili menos por ela ser sua real identidade e mais porque esta o possibilita de retomar o "controle" da situação. O hospital onde ela realiza a cirurgia, inclusive, traz uma materialização curiosa desta fórmula equivocada, onde o homem precisa se tornar mulher para ganhar alguma atenção do próximo.

A abordagem é das mais conservadoras, mas não impede que o filme encontre uma ou duas boas ideias para retratar a metamorfose de Lili, a bem da verdade o atributo mais chamativo da produção. Os esforços de Redmayne para passar esta mudança ao espectador da maneira mais sutil e ao mesmo tempo escancarada (a cena na casa de strip é o melhor exemplo dessa metodologia), o ótimo trabalho de figurino de Paco Delgado em exibir a instabilidade emocional passada pela transsexual por suas roupas e o uso dos quadros de paisagem pintados por Einar para no plano elaborar sua sensação de isolamento do mundo funcionam em seus intentos, mas não escondem os problemáticos tratamentos da produção a temas tão importantes e atuais.

Nota: 4/10

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Primeiras Impressões: Vinyl

Primeiro capítulo não arrisca, mas tem contexto social promissor.

Por Pedro Strazza.

Existe um tanto de garantido na maneira como Vinyl, a nova série produzida por Martin Scorsese, estabelece no piloto a sua narrativa e trama. O primeiro ocorre pelo próprio modus operandi do cineasta, que assume a direção do episódio de quase duas horas de duração e impõe seu estilo conhecido e bastante celebrado; a segunda, por outro lado, se dá pelo próprio contexto da televisão estadunidense e sua atual era de ouro, em voga desde o sucesso de Os Sopranos nos anos noventa.

Porque apesar de se passar no início dos anos setenta e acompanhar uma realidade agora quase surrealista aos olhos de hoje com a disposição de evidenciar esse lado da época, o seriado criado por Scorsese, o roteirista Terence Winter, Rick Cohen e o cantor Mick Jagger não hesita em seguir as convenções para contar a história do rico empresário musical Richie Finestra (Bobby Cannavale), sejam estas de estilo ou roteiro. Não é muito difícil vir à cabeça memórias de outros seriados - para mim especificamente Mad Men - em meio à sucessão de cenas dominadas pelas drogas pesadas e a música, que encontram-se também interessadas em trazer ícones da cultura rock'n roll de maneira implícita (a configuração das cabeças de cervo na parede da sala de reunião, que remetem de imediato à capa de Queen II) ou explícita (as imagens do desastre do LZ 129 Hindenburg intercalado com a capa do primeiro disco do Led Zeppelin). Se tudo isso ocorre por medo de arriscar o sucesso de uma grande produção gerada pelos nomes envolvidos ou apenas por pura ingenuidade, é uma pergunta que o primeiro episódio não responde.

O que Vinyl está mais a fim aqui, na verdade, é de compor sob o viés da insanidade o contexto social e musical ao qual sua história se insere, algo que Scorsese provou inúmeras vezes em sua filmografia. E os anos setenta não poderiam ser mais férteis para tal objetivo, sendo uma década marcada pelo conflito em constante ebulição e transformação em todos os campos possíveis de análise. O piloto se concentra, claro, na música, mas no subtexto da comparação dos lugares visitados pelo protagonista com seus flashbacks - centrados no começo de sua carreira no ramo e de sua amizade com o cantor negro Lester Grimes (Ato Essandoh) - já se percebe um fundo político aliado ao tema, da ascensão marginal do hip-hop como manifestação da discriminação racial e a tensão crescente derivada do processo.

E se há uma coisa que o diretor sabe fazer é atiçar a raiva a ponto de implosão, e pelo piloto Cannavale demonstra bastante habilidade em executar essa fúria pelo overacting.

A grande questão é: pode a vibe efervescente da série funcionar repetindo estruturas e noções conhecidas do público? Temos mais uma vez o protagonista de moral duvidosa e dotado de dilema de identidade, a coadjuvante feminina em ascensão profissional (Juno Temple, ótima) e os escritórios organizados (ainda que sob domínio da cocaína) derivados da TV, combinado à estética cômica e acelerada do cinema de Scorsese. Se Vinyl quer buscar seu lugar ao Sol, ela terá que buscar maneiras de se diferenciar do resto.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Crítica: Deadpool

Mercenário tagarela entrega o que os fãs esperam e se intimida de ir além.

Por Pedro Strazza.

Produto dos atribulados anos 90, Deadpool é um personagem que, seguindo a lógica superficial de sua época, sempre viveu de uma subversão imediata, do impulso de levar a narrativa dos quadrinhos ao limite sem contudo dar real cabo disso. As constantes quebras da quarta parede, o excesso de violência em suas histórias e o humor mais "sujo" permitem que o mercenário saia das convenções estabelecidas e as critique com desdém, mas seus roteiristas e desenhistas nunca foram capazes de levar esse jogo a algo além da própria piada de ter um herói consciente de sua existência como protagonista de uma história em quadrinhos.

A lógica rasa do personagem, tendente ao desgaste e à arrogância, é repetida quase como um mantra em seu debute solo nos cinemas, que também se aproveita do caráter marginal de sua produção - foram mais de dez anos até ela se tornar realidade, e ainda com um orçamento relativamente baixo - para se estabelecer como comédia de escárnio do subgênero de super-heróis. O curioso é que, para um filme dedicado a fazer piada do grupo ao qual pertence, Deadpool parece confortável demais em realizar a história de sempre e tímido em problematizá-la pelo humor de fato.

Claro que o roteiro escrito pela dupla Rheet Reese e Paul Wernick está disposto a fazer piada com tudo e todos, incluindo aí tiradas com a confusa linha temporal dos X-Men nos cinemas, Hugh Jackman, a carreira do ator protagonista Ryan Reynolds e a sexualidade de Batman e Robin. E pelo menos a princípio, o longa dá sinais de que irá pra cima daquilo que considera óbvio e mundano, seja nos créditos iniciais repletos de clichês do subgênero (destas, me diverte em particular a irônica "Roteiristas: Os verdadeiros heróis aqui") ou na simultaneidade narrativa dos dois primeiros atos. É inegável no filme essa sede anarquizante de atirar para todo lado, similar à de seu herói em matar e rir de qualquer um em seu caminho.

Este sentimento de caos, porém, nunca abandona o valor imediato das cenas que reproduz, estando muitas vezes preso à violência e ao sexo explícitos delas. A bem da verdade, Deadpool só se permite à subversão de fato nestes momentos, porque no resto sua maior propensão é a de repetir a fórmula do justiceiro em chave egoísta: ainda há uma mocinha a ser salva, ainda há um vilão malvado a ser derrotado, ainda há a recusa em se admitir um herói; o que falta mesmo é um dia a ser salvo, único ponto diferente de qualquer outra produção do tipo.

Isso não seria tão grave se o longa se utilizasse disso como base para o seu humor demente e escrachado atacar sem restrições o cenário cultural que vive o cinema estadunidense, repleto de adaptações de quadrinhos como o próprio Deadpool. O filme, porém, acaba por optar pelas saídas mais fáceis, fazendo graça com temas e produções malhadas pelo público em busca da aceitação rápida deste, e hesita em disparar contra coisas que ou tenham um mínimo de amor entre seus fãs ou não tenham a relevância necessária para eles. O exemplo maior de ambos é Rob Liefeld, um dos criadores do personagem e eterno quadrinista odiado pelas massas, que não somente não é mirado pelo roteiro como também rende duas referências rápidas na narrativa.

O que funciona no longa então, se até a ação é filmada pelo diretor Tim Miller com desinteresse? A resposta talvez seja a comédia mais física, cujo apelo universal, bastante dependente da performance do ator e entregue por Reynolds - aqui redimido de seus erros passados - com timing cômico eficiente é capaz de proporcionar os momentos mais divertidos de Deadpool.  E se considerar o humor da produção, típico do garotão dos anos 90 com saudades dos 80 e contente em emitir piadas textuais sem qualquer inspiração sobre pinto e masturbação, o riso proporcionado por cenas como a do protagonista quebrando as mãos e os pés em combate ou de uma mão decepada com o dedo do meio levantado termina por ser a melhor opção mesmo.

Nota: 5/10

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Crítica: Brooklin

Saoirse Ronan conduz com os olhos filme de época doce e ciente da própria ingenuidade.

Por Pedro Strazza.

Pelo menos como roteirista, a carreira de Nick Hornby parece fadada a abordar continuamente a temática de relações sob ótica doméstica. O escritor, famoso por livros como Alta Fidelidade, busca no cinema tirar do ato de independência familiar a base para suas histórias, que protagonizadas por jovens mulheres tende a repetir o arco de amadurecimento sob disfarce. No caso de Brooklin, sua terceira incursão no ofício, esta fachada é o drama do imigrante.

Adaptação do livro homônimo de Colm Tóibin, o filme segue Eilis (Saoirse Ronan), jovem irlandesa que no início dos anos 50 sai do pequeno vilarejo onde vive com a mãe e a irmã para desbravar sozinha o novo continente. Alocada na pensão de uma simpática senhora (Julie Walters) na região operária do Brooklin, Nova York, a moça de início sofre com a mudança e a solidão, mas aos poucos começa a se acostumar à nova rotina e criar laços com a cidade.

A princípio, essa dinâmica do roteiro de Hornby sugere estar seguindo os passos da desenvolvida no Era Uma Vez em Nova York de James Gray, em uma versão mais light onde tudo é favorável à protagonista e o "novo mundo" não é tão terrível quanto dá a entender. Conforme os cenários deixam de possuir qualquer importância na narrativa e a fotografia de Yves Bélanger demonstra maior fascínio em decifrar o que se passa nos belos olhos verdes de Ronan, porém, o longa dirigido por John Crowley abandona maiores pretensões para se dedicar ao lado mais sentimental e elementar da história que é o romance nutrido entre Eilis e o garoto italiano Tony (Emory Cohen).

Soa como uma decisão bastante idiota, mas no fundo é esta desambição que dá a Brooklin seus melhores momentos. Ao reconhecer a falta de recurso do texto para abordar um tema mais difícil e adotar o lado mais ingênuo deste como ator principal da trama, o filme ganha espaço para trabalhar o crescimento de sua personagem sem aspiração ao grandioso, descolando-a da realidade proposta e tornando sua história universal e de fácil acesso.

Cabe então a Crowley a tarefa de desarmar o espectador e fazê-lo consciente desta proposta, e a sua principal arma para tal é Saoirse Ronan. A atriz, que já provou em outros trabalhos ser ótima na performance facial (principalmente sob a tutela de Joe Wright, com quem realizou Desejo e Reparação e Hanna), sabe interiorizar os sentimentos vividos por Eilis e ao mesmo tempo exprimi-los de maneira controlada, em uma atuação que envolve o espectador nos altos e baixos da personagem.

É nos olhos, entretanto, que a atuação de Ronan ganha força, pois com a ajuda de Bélanger (disposto a destacá-los quando possível) a atriz parece por eles absorver os fatos que protagoniza ou testemunha com delicadeza impressionante, e sem grande alarde torna isso numa rima narrativa delicada. Mesmo que envolta na entrada na vida adulta, Eilis vê o mundo novo - ou o velho, mais tarde - com o encanto de uma garotinha, e o longa sabe passar isso sem parecer piegas.

O grande erro de Brooklin, na verdade, é tentar retomar o estado original das coisas a partir do terceiro ato, forçando um dilema de verdadeiro lar na protagonista por meio de um triângulo amoroso que nunca se concretiza na figura do personagem de Domhnall Gleeson. A inclusão de um conflito artificial, culpa do material original e (muito provavelmente) da inabilidade de Hornby em conseguir realizar isso com uma mínima naturalidade, não priva o longa desses momentos, tão deliciosos na ingenuidade compreendida e bem executada.

Nota: 6/10

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Crítica: Tirando o Atraso

Comédia tem ambições subversivas, mas se contenta com o mainstream.

Por Pedro Strazza.

Na época do lançamento de A Primeira Noite de um Homem, a imprensa estadunidense demonstrou bastante interesse sobre qual teria sido o destino dos protagonistas Ben e Elaine após fugirem juntos do casamento imposto a ela pela família em um ônibus interestadual, cena clássica que marca tanto o fim da história quanto o ápice da mensagem de rebeldia concebida pelo longa e direcionada à juventude do país dos anos 60, lembrada pelo ápice da luta dos direitos civis para os negros e a Guerra do Vietnã. A resposta, dada pelo já falecido diretor Mike Nichols, foi simples e tenebrosa: depois do fim do filme, os dois, símbolos da transgressão contra a monotonia da vida adulta e o futuro representado por seus ascendentes, se transformam nos próprios pais.

Se Nichols estava certo ou errado não cabe aqui o julgamento, mas para o diretor Dan Mazer e o roteirista John Phillips essa reversão parece ter acontecido com a geração seguinte. Pois apesar de seguirem caminhos muito diferentes ao trilhado pela comédia de 67, a dupla trabalha Tirando o Atraso na base da comparação, do reflexo de A Primeira Noite de um Homem no mundo contemporâneo. E isso fica implícito desde a campanha de divulgação (que incluiu uma paródia do icônico poster da produção estrelada por Dustin Hoffman, Anne Bancroft e Katharine Ross) até o final do longa, que reproduz o confronto no casamento em estrutura de cena, colocando Zac Efron em uma bancada similar ocupada por Hoffman há quase 50 anos. 

Mesmo a trama dá a entender que busca se estabelecer como uma espécie de continuação espiritual do filme. Ao invés do recém graduado e incerto sobre o futuro Ben Braddock, temos o ex-militar da Guerra do Vietnã e incerto sobre o futuro Dick Kelly (Robert De Niro), que acaba de ficar viúvo e convence o neto Jason (Efron) a levá-lo de carro até Boca Raton, na Flórida, onde supostamente ele a falecida mulher peregrinavam todo ano. Esta homenagem, porém, logo se revela uma farsa, e Dick muda o destino da viagem para Daytona Beach, lugar conhecido por ser uma das praias a receber o famoso spring break das faculdades estadunidenses, como forma tanto de seguir sua vida quanto de tentar fazer o neto almofadinha e conformado repensar a vida e sua cerimônia de casamento com Meredith (Julianne Hough).

Assim, Tirando o Atraso transforma o que era antes um conflito individual em um cuja dinâmica se faz entre gerações. Fruto de uma época conhecida pela subversão, Dick não apenas encontra-se inconformado com o futuro reservado a ele - ilustrado na cena em que visita um companheiro de guerra e o encontra em um retiro para idosos - como também com o de seu herdeiro, confortável na vida segura oferecida pelo emprego na firma do pai e no abandono dos sonhos de sua juventude. Embora seja abordado de maneira leviana pelo roteiro de Phillips, essa noção de legado, comum na comédia estadunidense, guia a narrativa do longa com algum interesse, capaz de dar a liga satisfatória aos esquetes concebidos.

Isso porque o filme, embora tenha e use todas as peças a seu favor para um objetivo tão difícil (a tentativa  de comparação com um clássico nunca gera bons resultados), parece satisfeito demais em trabalhar com os cacoetes da comédia americana de hoje. Mazer tem em mãos o elenco certo nas melhores posições - De Niro mostra disposição em realizar o idoso boca suja, Efron continua a aperfeiçoar seu papel de garotão agora em chave coxinha e Aubrey Plaza faz o que sabe fazer de melhor - mas prefere realizar o costumeiro humor apoiado no texto e na situação incomum proposta, aqui o de "baby boomer vai a O evento millennnial americano". O resultado, claro, sempre se prova eficaz com o grande público mesmo nos momentos fracos, porém não esconde a saída fácil tomada pela produção.

A grande verdade é que, no final, Tirando o Atraso será lembrado mais como a comédia que colocou De Niro em cenas consideradas "constrangedoras" para sua idade que como uma aspirante a tentar quebrar os mesmos valores de 1967, aqui refeitos para os dias de hoje. O anacronismo do longa é óbvio (o mundo contemporâneo possui um panorama completamente diferente dos anos 60), mas só pela intenção original e a consequente repercussão do filme Mazer e Phillips chamam a atenção para o tema inesperado e até relevante que é essa tentativa de retorno à moral de tempos passados.

Nota: 4/10

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Crítica: O Regresso

Iñárritu e DiCaprio buscam o destaque em egotrip disfarçada de busca existencialista.

Por Pedro Strazza.

Ainda que muito provavelmente tenha sido feito sem qualquer tipo de planejamento, parece ter se tornado uma constante na filmografia de Alejandro González Iñárritu o elemento do reconhecimento. Seja nos múltiplos protagonistas de Babel que eram incapazes de enxergar o sofrimento do outro ou no anseio dos atores egoístas de Birdman pela salva de palmas, os filmes do cineasta mexicano mostram uma necessidade incomum em evidenciar esse ato de distinção do indivíduo em relação à sociedade, primeiro em um aspecto mais social e, depois, em movimentos de pura egolatria. É algo bastante palpável na trajetória de seus trabalhos indicados ao Oscar de Melhor Filme, que encontra agora um angustiante novo capítulo na sua obra mais bem recebida pelo público e crítica estadunidense até o momento, O Regresso.

Esta importância desmedida de Iñárritu em satisfazer a si mesmo, que já se manifestava em Birdman com certo incômodo, acontece aqui com doses cavalares. Adaptação do livro de mesmo nome de Michael Punke (que por sua vez é inspirado em fatos), o longa, que conta a história de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), experiente caçador de peles que durante uma expedição em 1823 foi atacado por um urso e deixado para morrer pelos colegas, surge como uma espécie de oportunidade única para o diretor demonstrar suas técnicas "únicas" em uma obra cuja ambientação e estrutura remetem diretamente ao faroeste, um dos gêneros mais fundamentais na gênese do cinema estadunidense.

Mas como bem diz o próprio em entrevistas, o gênero para ele soa como algo irrelevante, que o atrapalha em seus objetivos de conceber suas produções cinematográficas únicas, e a partir daí as coisas começam a desandar. Porque ao recusar se enveredar pelo gênero no intuito de abordar com exclusividade os "profundos" temas universais, o diretor logo se vê na constante tarefa de negar ao filme quaisquer reflexos criados pela própria história.

É algo que se percebe, num primeiro momento, na construção narrativa do ataque indígena ao acampamento do Capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson), o primeiro gatilho da trama. Concebido como um dos vários e característicos planos-sequência de Iñárritu, essa cena de início parece ser puxada pela ação, o caos gerado pelo elemento surpresa do conflito, que pega os caçadores desprevenidos e os deixa desesperados por suas vidas. Mas assim que Henry anuncia a retirada da tropa e a consequente fuga pelo barco, a tônica da cena muda por completo: acompanhado pela trilha sonora climática de Alva Noto e Ryûichi Sakamoto, a câmera passa a focar no sofrimento daqueles que estão prestes a morrer, com um olhar reflexivo e dito superior, desinteressado da situação da qual tomava antes como principal.

Esta desnecessária luta interior entre gênero e mensagem, travada com tanta ferocidade e dominada pelo último em O Regresso, também serve de fachada para o descontrole egocêntrico que acontece no longa. A conexão do homem com a natureza ao seu redor, temática central e única da obra, é martelada à exaustão pelo diretor e seu parceiro no roteiro Mark L. Smith, que com situações de renascimento (o interior do cavalo, a cabana improvisada, a cova) e planos que miram o céu e a copa das árvores (em algum tipo de reflexão que nunca se concretiza) são incapazes de levar o assunto para algum lugar além da admiração imediata com a estética - e isso acontece também no fatídico ataque do urso, também filmado num plano-sequência cujo maior anseio é muito mais "o início do ciclo ao qual o protagonista se submete" e menos da construção dessa cena para a história.

E é de apuros estéticos com inclinação ao existencial que o filme sobrevive, mesmo que para isso tenha de sacrificar toda a sua estrutura e se entregar ao egotrip dos envolvidos. O curioso, entretanto, é que tais arroubos nunca conseguem escapar de fato do gênero ao qual estão submetidos e a tanto renegam por estarem realizando uma obra "de arte": Se por um lado a fotografia de Emmanuel Lubezki se dedica com paixão furiosa em aproveitar as paisagens naturais da Columbia Britânica para criar lindos e opressivos cenários, marcados pela plasticidade e o encanto com a luz natural dos ambientes, ela não escapa também da ligação inerente de tais locações com o faroeste, manifestados em momentos como o encontro de Glass com uma manada de bisões. Essa cena de imediato remete a Rastros de Ódio, célebre trabalho de John Ford também dotado de tal conexão entre ser humano e natureza (menos as pretensões ególatras) e junto dos trabalhos de Terrence Malick um exemplo dos filmes ao qual a trama de vingança parece se utilizar nos piores momentos narrativos.

O ápice de todo esse exercício auto-indulgente encontra-se, claro, na figura do ator protagonista, que tem para si a tarefa de carregar esse peso nada agradável. Para DiCaprio, entretanto, é um peso que logo se traduz em arma na sua já mitológica procura pelo Oscar: com um personagem que exige muito do corporal, pouco do diálogo e é auxiliado por coadjuvantes contentes em exercer seu papel secundário (Gleeson e principalmente Tom Hardy, únicos com bom senso neste mar tão individualista do filme), ele logo abandona qualquer aspecto de composição de atuação voltado ao personagem e a direciona para suas motivações pessoais, em uma performance que pouco faz pela história e se arrasta, a passos lentos e cuspindo sangue e saliva, em busca do clamor concedido pelas premiações.

É essa dedicação, essa entrega voltada para a congratulação posterior, pelo qual O Regresso acaba por se aproximar ainda mais da realidade vivida em Birdman. A diferença é que, se no filme de bastidores o egocentrismo inerente da história era tratado com um quê de ironia, um humor capaz de reconhecer mesmo de leve o ridículo das motivações de todos os seus personagens, aqui é como se estes mesmos personagens estivessem por trás e na frente das câmeras, comandando todos os esforços do filme para atender suas próprias ambições e entregar uma "fundamental" experiência transcendental.

Nesse processo, o público acaba por se tornar o mesmo que no filme anterior de Iñárritu assistia a peça de estreia do ator Riggan Thomson como diretor, inocente sobre o que acontece por trás dos panos. E tudo isso fica claro quando, no fim, o protagonista olha para a câmera e encara seu espectador em um misto de angústia e indecisão: o que se vê ali na tela não são os olhos de Hugh Glass em um dilema existencial após o fim de uma jornada de sofrimento e luto, mas sim os de DiCaprio, clamando desesperado pelo reconhecimento que há tanto tempo anseia. Se as palmas devem ou não acontecer, é algo que cabe ao espectador decidir.

Nota: 3/10

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crítica: Trumbo - Lista Negra

Comédia baseada em fatos e contestadora do passado soa hesitante em se assumir como gênero, mas se segura no elenco.

Por Pedro Strazza.

A princípio, o paralelo mais natural de ser traçado a Trumbo - Lista Negra é com seu contemporâneo A Grande Aposta. Além de serem dois filmes baseados em livros, comandados por diretores muito mais conhecidos por comédias - Jay Roach ficou famoso por Austin Powers e Entrando Numa Fria, enquanto Adam McKay se fez com O Âncora - e que trazem um grande elenco branco de protagonista, ambos os projetos também se assemelham na maneira que se usam do humor para tratar de momentos inegavelmente bizarros da História da sociedade estadunidense. É como se a comédia fosse a melhor maneira encontrada pelos dois cineastas para retratar tais situações, cujo ridículo parece não ser percebido pelos indivíduos inseridos nestas.

Mas enquanto Mckay enxerga os alicerces da crise de 2008 quase como um documentarista da National Geographic, Roach segue pelo caminho da caricatura em sua abordagem da luta do roteirista Dalton Trumbo contra a Lista Negra de Hollywood. Da postura corporal cínica e bigode ridículo de falso, usados por Bryan Cranston para interpretar o vencedor de 2 Oscar condenado pelo governo por sua afiliação ao partido comunista, aos retratos escrachados de celebridades da época como John Wayne e Kirk Douglas, o longa não disfarça o escárnio com a paranoia gerada pela Guerra Fria e o macartismo, hoje algo absurdo mas na época tão levado a sério por diversos integrantes da alta sociedade hollywoodiana.

E tal qual um verdadeiro teatro de bonecos (que é inclusive mencionado em um dos vários diálogos repletos de punchlines do roteiro de Bruce Cook), não demora para o humor tomar conta da narrativa e da época em que se passa a história. Isso se torna um fenômeno curioso: a gravidade das ações tomadas, o peso das prisões e o horror do ostracismo proporcionado pela indústria àqueles que se recusam a se submeter à ordem é tratada no filme com um certo quê de ironia, incapaz de levar a delicada situação a sério e a encarando mais como uma perturbação de um sistema antes correto - bem resumido na cena no qual um furioso Frank King, interpretado exagerado e com precisão por John Goodman, confronta um dos censores com um taco de beisebol após este tentar intimidá-lo, num destes típicos quebra-tudo da comédia  tradicional.

Se por um lado esse exagero torna-se no melhor aliado do diretor para conduzir sua história, por outro ele também priva Trumbo de momentos dramáticos maiores, algo necessário dado a gravidade dos eventos ilustrados. É uma contradição crucial e o longa a ignora, prosseguindo com dramas familiares e éticos que lentamente empacam a trama ou a tornam episódica de forma involuntária, como na crise do pai-e-filha entre Dalton e Niki (Elle Fanning) ou os conflitos do protagonista com aqueles que o traíram. Tal qual McKay, Roach parece hesitante em realizar de fato uma comédia em cima dos fatos, mas aqui ele busca trazer maior peso ao terceiro ato como forma de compensar seus "equívocos" na interpretação dos eventos.

A sorte do longa é que, se a direção demonstra timidez na hora de se assumir plenamente no humor, seu elenco entende e incorpora o escracho sem nenhum arrependimento. Mesmo os atores e atrizes mais conhecidos pelos papéis "sérios" como Helen Mirren, Diane Lane e Adewale Akinnuoye-Agbaje se divertem na composição caricata de seus personagens, e se unem aos comediantes Louis C.K. e Michael Stuhlbarg tanto nos momentos mais leves como nos graves. Uma química invejável, capaz de segurar as pontas inclusive nos pontos baixos da obra.

A maior força de Trumbo, porém, é Cranston. Sua atuação teatral do roteirista workaholic nunca sai do tom, seja como personagem essencialmente cômico - quando é hostilizado por um desconhecido sendo encharcado por um copo de refrigerante ou quando beija um periquito pousado em seu ombro num close que não esconde de ninguém a maquiagem falsa - ou exigido de drama (a já mencionada relação com a filha mais velha, em ótima dinâmica com Fanning), que apesar de ser escancarada no overacting prova ser tão cuidadosa de composição quanto seus trabalhos mais delicados. Por ser protagonista ou pela qualidade de sua performance, ele termina por ser a melhor representação do teor estabelecido pelo filme, em sua silhueta marcada pelos ombros levantados e as pernas duras uma verdadeira afronta ao sistema e seu ridículo modo de operação.

Nota: 7/10