sábado, 6 de maio de 2017

Crítica: Melhores Amigos

Pelo silêncio, novo trabalho de Ira Sachs trabalha mudanças nos laços comunitários em tempos de recessão.

Por Pedro Strazza.

É curioso como Melhores Amigos encontra algumas semelhanças com o trabalho anterior de seu diretor, O Amor é Estranho, que vão além da mera presença de Alfred Molina no elenco de ambas as produções. Tal qual seu antecessor, o novo longa de Ira Sachs carrega uma análise um tanto quanto inesperada de relações familiares, feita sob o teste das limitações financeiras impostas aos Estados Unidos no cenário pós-crise e que preza acima de tudo pela veracidade de tais conexões frente ao avanço do tempo.

A diferença fundamental vem da natureza deste conflito. Se no longa protagonizado por Molina e John Lithgow eram turbulências silenciosas passadas pelos dois com o restante da família depois do primeiro ser dispensado de seu emprego e eles não conseguirem mais bancar o apartamento onde moram, aqui é a morte do pai de Brian (Greg Kinnear) que o faz entrar em rota de choque com a locatária do espaço localizado no andar térreo do apartamento do falecido, a senhora Leonor (Paulina García), que se recusa a pagar o novo valor do aluguel proposto por eles. A situação delicada atinge em cheio os filhos de Brian e Audrey, Jake (Theo Taplitz) e Tony (Michael Barbieri), que recém-amigos e passando pelos percalços naturais do fim do colégio querem que o problema se resolva bem para os dois lados.

Ainda que a trama seja tratada como uma típica dramédia, intercalando-se entre o cotidiano leve dos garotos com as indisposições de Brian e sua mulher Kathy (Jennifer Ehle) com Leonor, é visível em Melhores Amigos o tom crescente de melancolia que se instaura na narrativa elaborada por Sachs, muito porque o roteiro escrito por ele e o brasileiro Mauricio Zacharias (em sua terceira colaboração com o diretor) torna mais e mais evidente o peso que o aperto financeiro gera nos personagens. Se o longa começa com típicos acenos ao drama de luto, se aproveitando do fato do falecimento do avô de Jake ser o gatilho para a história - a cena na qual Brian chora ao descer para buscar qualquer coisa para o velório e a câmera esconde seu rosto no momento do desmonte, por exemplo -, esta tendência logo se dissipa em prol dos problemas gerados pela falta de dinheiro, uma ausência muito mais imediata a todos os envolvidos.

O aperto nas despesas, porém, é só o meio condutor para o filme se debruçar sobre a questão comunitária, que em caráter silencioso se faz como maior temática da história. Se em O Amor é Estranho o tema dos laços de amizade na comunidade eram restritos a um efeito colateral (com o casal gay precisando dos amigos e familiares para sobreviver em tempos difíceis), em Melhores Amigos a sua durabilidade é posta à prova frente às mudanças geradas pela passagem da posse do espaço alugado por Leonor e o filho, com Brian dividido entre sustentar a própria família e o custo alto de despejar uma pessoa que era tida em alta conta por seu pai. O viés da modernização do bairro do Brooklyn, local onde a trama se passa, surge quase despercebida no filme, como uma desculpa criada pela irmã de Brian, Audrey (Talia Balsam), para justificar o fim da relação com a locatária; o que interessa mesmo a Sachs é este ritual quase cerimonial vivido pelo protagonista, tendo que assumir o posto de patriarca e os dilemas a serem resolvidos por ele - uma das cenas mais fortes do embate entre ele e Leonor, não por acaso, acontece quando ela questiona sua masculinidade pela decepção do pai por ele forçar a esposa ser a responsável pelas contas de sua família.

É um cinema que em alguns momentos lembra os trabalhos de Yasujirô Ozu - principalmente quando as crianças resolvem fazer uma greve de silêncio parecida com a feita pelas protagonistas de Bom Dia -, uma influência que se faz notar melhor na forma como Sachs trabalha a trama sob um viés intimista, filmado em grande parte do tempo entre quatro paredes, disposto a enxergar o que está em jogo para cada um dos envolvidos e o sofrimento silencioso derivado disso. E ter Ozu como referência talvez seja o maior acerto do diretor aqui, ainda mais quando ele decide enfocar as consequências finais do conflito nos caminhos tomados na amizade dos meninos e no espaço criado entre eles. Às vezes, tudo que é necessário para refletir os danos está na distância entre duas pessoas no hall de um museu.

Nota: 8/10

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