domingo, 3 de abril de 2016

Crítica: Para Minha Amada Morta

Aly Muritiba se diverte na construção do próprio suspense.

Por Pedro Strazza.

São duas as comparações mais imediatas e que saltam aos olhos do espectador ao longo da sucessão de eventos de Para Minha Amada Morta. A primeira, muito devido à proximidade temporal e a alguma semelhança de rumo, é O Lobo Atrás da Porta de Fernando Coimbra, que assim como o filme de Aly Muritiba é um suspense construído em cima de um protagonista obcecado pela família de outro em um cenário suburbano - lá a amante interpretada por Leandra Leal, aqui o viúvo Fernando de Fernando Alves Pinto.

A segunda comparação, muito provavelmente mais vital e interessante de se perceber no longa, é com o Cabo do Medo de Martin Scorsese, que também traz os mesmos elementos das outras duas obras citadas acima mas que acaba melhor alinhada com o trabalho de Muritiba no direcionamento de suas respectivas temáticas. Porque apesar do ex-presidiário interpretado por Robert De Niro no filme de 1991 trazer uma identificação muito mais maniqueísta que a proposta para Fernando em Para Minha Amada Morta, os dois personagens partem de uma situação quase idêntica: a vingança, a frustração de terem sua vida destruída por um desconhecido incapaz de perceber o estrago realizado. Para Cady, esse ódio era gerado pelos "erros" de seu advogado de defesa; no caso de Fernando, o problema é mais embaixo.

Na verdade, o drama vivido pelo protagonista do roteiro de Muritiba é de natureza íntima. Ainda de luto pela esposa (do qual nunca vemos o rosto direito), Fernando vive os dias amargurado, cuidando dos pertences da falecida - que vão dos vestidos espalhados pela cama às diversas fotos nos cômodos da casa - com o mesmo carinho que trata o filho do casal. Esse altar criado por Fernando para a mulher, porém, entra em crise quando ele descobre em um conjunto de fitas VHS uma que a documenta traindo-o com um ex-presidiário chamado Salvador (Lourinelson Vladmir), defendido por ela no tribunal anos antes. Tomado pela raiva, ele decide então procurar o sujeito para se vingar, alocando-se no barracão alugado por Salvador e sua família - formado pela cônjuge Raquel (Mayana Neiva), a filha mais velha Estela (Giuly Biancato) e uma novinha - para trazer sobre o núcleo do amante o mesmo caos proporcionado em sua vida.

Mas que caos é esse exatamente? Muritiba é esperto em estabelecer no primeiro ato tanto essa idolatria do protagonista com a mulher como a assombração que toma conta desta imagem construída por ele a partir da descoberta da traição, seja pelo reflexo da TV que exibe o ato sexual documentado na fita no olho de Fernando ou mesmo na disposição soturna e vazia de sua moradia. Na transição para o conflito central da obra, entretanto, o filme não consegue direcionar tão bem esse sentimento vivido pelo personagem para sua tentativa de destruir a unidade familiar de Salvador, optando por um drama que ou não se concretiza em caráter efetivo na narrativa ou não é capaz de se fazer pleno como condutor do suspense.

A sorte de Para Minha Amada Morta, entretanto, é que quando o diretor busca na narrativa esse suspense ele o alcança, e, muito mais importante, se diverte exercendo-o. De coisas simples como uma criança manuseando uma arma ou as brincadeiras de perspectiva presentes mais para o fim do longa, Muritiba não esconde do espectador seu contento em executar tais dispositivos elementares de tensão, e emprega planos longos e fundos desfocados de forma progressiva e bastante orgânica na narrativa. Clímax da história, o plano-sequência que começa no telhado do barracão e termina na cozinha com o confronto de Salvador e Fernando dá cabo de tudo isso consciente da função que desempenha, trazendo peso pelos movimentos de cena e câmera mais sutis.

É esse lado assumido do gênero que proporciona a Para Minha Amada Morta alguns de seus melhores momentos, em meio ao drama de passado arruinado no qual se situa. Mesmo que no fim não se resolva como suspense disposto a evidenciar e arruinar a decadente instituição do casamento, o filme de Muritiba pelo menos não hesita em entregar a atmosfera de segundas intenções que circunda sua história. Fernando definitivamente não é Max Cady, mas como as insinuações com a adolescente Estela bem provam, ele adora se comportar como tal.

Nota: 7/10

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