segunda-feira, 21 de abril de 2014

Crítica: O Grande Mestre

Tradição e honra no kung fu

Por Pedro Strazza

Passado na China e Hong Kong das décadas de 30, 40 e 50, O Grande Mestre é uma obra que aborda a tradição. O novo trabalho do diretor Kar Wai Wong usa da vida de Ip Man (Tony Leung) para discutir o porquê da existência e da necessidade de se perpetuar um legado por décadas, centrando a argumentação na comparação da trajetória do próprio mentor de Bruce Lee com a de Gong Er (Ziyi Zhang). Protagonistas da produção, os dois tem perfis e vidas completamente distintas, mas carregam em si um igual respeito ao passado e honra à família, e representam metaforicamente o norte e o sul da China, respectivamente.
Através de uma narrativa extremamente complexa (e confusa em diversos momentos), Wai Wong relaciona na história de seus dois personagens principais o tratamento que ambos dão aos seus estilos de luta e dos outros. Se Ip Man, por um lado, procura ensinar a seus alunos o Wing Chun e admirar em outros mestres suas artes de combate, Gong Er é uma mulher que está sempre atrás da preservação da honra de sua família e sua técnica, cuja existência já perdura por séculos. Para obter isso, ela chega até a ignorar as últimas palavras de seu pai - ''Não procure vingança" - para derrotar o ex-mestre-das-armas da família, Ma San (Jin Zhang), e reobter o domínio de um bem roubado.
Essa questão, por outro lado, cai em pontos delicados: Seria necessário mesmo reconquistar a honra em prol da satisfação histórica ao invés de perpetuar os valores ensinados? A tradição é um bem que independe da honra? Existe um meio de repassar os ensinamentos sem esta última? Procurando responder esses questionamentos, a direção torna uma biografia linear em um extenso panorama social das três décadas abordando, explorando linhas narrativas que nem sempre serão encerradas - O caso máximo disso é a trajetória de Razor (Chang Chen), cuja participação no roteiro é incompreensível se pensarmos no filme por uma visão biográfica.
Para captar esses acontecimentos e ideias, Wai Wong atinge a excelência técnica em O Grande Mestre. Com uma fotografia estilizada e uma trilha sonora bem trabalhada, o diretor traz na coreografia das lutas um peso consistente, criando em cada soco e chute todo o seu impacto - O combate inicial entre Ip Man e dezenas de lutadores constitui um começo poderoso à narrativa. Essa tendência também se repercute nos diálogos, conduzidos por uma câmera que procura focar o tempo todo na reação de seus personagens em relação ao que ouvem.
É pintando com exagero que O Grande Mestre portanto faz sua análise da importância da tradição no seu país de origem e como isso afeta os indivíduos que mais se esforçam para manter os valores originais de seu povo. Completamente antagônicos em essência, Ip Man e Gong Er são o reflexo da continuidade e do fim dos mais inúmeros valores que já existiram e coexistiram no planeta, numa espécie de vencedor e derrotado da História - que, como no kung fu (a grande metáfora da produção), são representados pelo vertical e horizontal, respectivamente.

Nota: 9/10

0 comentários :

Postar um comentário