quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Crítica: Cães de Guerra

 Em filme atípico, Todd Phillips recorre a Scarface e Scorsese para retrabalhar  suas relações de bromance.

Por Pedro Strazza.

Ainda que existam cineastas dispostos a dizer (e, por consequência, buscar provar) o contrário, o cinema vive de uma eterna emulação do que veio antes. Propor novos formatos e estilos passa inevitavelmente por uma recombinação de elementos presentes em obras anteriores, que sendo contemporâneas ou antigas não deixam de ser recicladas para uma progressão natural da maneira como se enxerga a sétima arte. Como essa influência se dá, porém, é uma questão à parte: há quem a renegue e procure um perfil autoral, mas também existem aqueles dispostos a deixar claro sua influência.

Para Cães de Guerra, fica óbvio do momento em que o personagem de Miles Teller começa a narrar a história que o filme dirigido por Todd Phillips decidiu-se pelo segundo caminho. Seguindo a tendência de longas estadunidenses que tem nas obras de Martin Scorsese seu norte (Trapaça, Joy - O Nome do Sucesso, Golpe Duplo, até mesmo A Grande Aposta), a produção reconta na telona a ascensão e queda de David Packouz (Teller) e Efraim Diveroli (Jonah Hill), jovens de ascendência judia que fizeram sua fortuna por meio de contratos armamentícios  com o governo dos Estados Unidos. No processo, a produção abraça não apenas a estrutura consagrada do cineasta responsável por Cassino e Os Bons Companheiros, mas também de uma geração inteira de filmes de gângster dos anos 80 e 90 cujo maior força vinha do excesso.

Essa necessidade está presente visualmente do começo ao fim da história, seja pelas referências diretas a Scarface (o pôster no primeiro escritório, a parede da sala de Efraim com a mesma imagem afetada de parreiras da de Tony Montana) ou na atuação do elenco, que parece se satisfazer ao repetir trejeitos dos personagens desses filmes tanto admirado por eles - e Hill é o que está mais à vontade em sua reinterpretação de arquétipo de Robert De Niro, talvez porque seja o único dos atores a ter trabalhado de fato com Scorsese. Enquanto isso, Phillips faz o possível (em seus próprios limites) para repetir essa estética, investindo em situações de seu cenário global que remetam de imediato a seu objeto de admiração. Dentro dessa tentativa, a disposição das salas de Packouz e Diveroli é o seu melhor momento, enquanto o uso estético do dinheiro (no corpo, na maleta) são os piores.

A aplicação não deixa de ser atípica na carreira do diretor, que sempre optou pelas comédias mais seguras de humor físico e escatológico, mas ela também não escapa dos moldes de sua carreira. Pois por mais que Cães de Guerra seja um exercício de emulação, no fundo ele também repete as mesmas relações de amizade masculina (e dos testes de limite aos quais esta se submetem) dos outros longas de Phillips, sob um aspecto menos risonho e de maiores ambições dramáticas. Ao se ancorar nessas grandes narrativas feitas em cima do mundo do crime, o que o cineasta procura de fato é agregar às suas eternas crises do bromance o vazio existencial da busca pelo american way, implícito nos grandes espaços dos enormes apartamentos e no inevitável sentimento de culpa gerado em Packouz pelo senso imoral adquirido para chegar ao sucesso financeiro.

O que Phillips e seus co-roteiristas Stephen Chin e Jason Smilovic talvez não percebam, entretanto, é que existe uma reciprocidade em meio a todo esse processo, e ao qual eles obviamente não respeitam. Se o molde do gênero pode ser ideal a eles para potencializar sua comédia de bromance, o contrário não acontece: a relação de amizade entre Packouz e Diveroli é transformada e tornada crise pelo crime, mas nunca chega a ser consumida dentro desse mundo e parece retornar a uma realidade mais simples para ser encerrada de fato, acreditando piamente na veracidade dessa possibilidade. O longa até ensaia a condenação física das histórias de máfia pelas traições e a ação da polícia no terceiro ato, porém mostra-se mais contente em dar paz ao personagem de Teller pela paz com a mulher (Ana de Armas) e o filho.

A decisão pelo conforto é inconsistente, e o até então bem sucedido casamento do modelo clássico das obras de Phillips com a estrutura do gênero acaba rachado em dois. Nesse sentido, se a experimentação atípica promovida pelo diretor em Cães de Guerra não deixa de ser curiosa em sua carreira, ela também não se prova sustentável e termina enterrada pela falta de conciliação. A bem da verdade, o "Sem mais perguntas" dito no fim pelo mafioso interpretado por Bradley Cooper - ator cuja interpretação meio contida, meio canastrã melhor representa a produção nessa ânsia de querer se assemelhar ao objeto de influência - também é a melhor resposta que o longa consegue dar ao problema que tem em mãos.

Nota: 5/10

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