sábado, 8 de fevereiro de 2014

Crítica: Trapaça

David O. Russell mostra seu lado mais "scorsesiano"

Por Pedro Strazza

É bastante curiosa a semelhança que David O. Russell atingiu com os filmes de Martin Scosese em Trapaça, seu mais novo trabalho. Apesar do diretor já ter exibido essa característica em outros filmes, como nos recentes O Lado Bom da Vida e O Vencedor, é só agora que ele incorpora o estilo de filmagem de seu "ídolo" com maior nitidez. E, curiosamente, no ano em que ambos concorrem para o Oscar de Melhor Filme.

Mais interessante, porém, é a estranha afinidade dos dois longas de comédia em relação ao tema - em diferentes épocas - com uma duração aproximadamente igual (entre 2h30 e 3h). Mas enquanto Scorsese explora a vida sem limites dos corretores criminosos da Bolsa de Valores dos tempos atuais com um pique absurdamente acelerado e calibrado em O Lobo de Wall Street, O. Russell adota em Trapaça um ritmo que não chega a ser nem rápido ou devagar, focando novamente no poder de atuação de seu elenco - outro aspecto inspirado nas obras de Martin - para contar a história da Abscam, operação montada pelo FBI para flagrar congressistas aceitando propinas e ficcionalizada aqui pelo roteirista Eric Warren.

E que elenco, diga-se de passagem. Fazendo uma espécie de "reunião" dos atores de seus dois últimos filmes, o diretor realça sua habilidade em extrair de sua equipe as interpretações mais interessantes dos personagens. Seja na preparação cuidadosa de Irving Rosenfeld (Christian Bale) com seu cabelo ou na dança carnal protagonizada por Sydney Prosser (Amy Adams) e Richie DiMaso (Bradley Cooper) em uma discoteca, a câmera sabe e capta o preciso momento em que cada ator e atriz "explode" em sua performance, aumentando ao mesmo tempo a dramaticidade dessas cenas. Não é à toa portanto que esse seja a segunda produção consecutiva de O. Russell que consegue o feito raro de emplacar indicações em todas as categorias de atuação do Oscar

Os destaques ficam, porém, para Christian Bale e Amy Adams, os protagonistas do filme. Se o "Batman de Christopher Nolan" cria em seu Irving uma figura indecisa mas perigosa (além de modificar mais uma vez seu corpo em prol do papel, agora ganhando uma barriga grotesca), Adams traz o perfeito equilíbrio entre loucura, inteligência e sensualidade para Sydney, tornando-a uma pessoa tão ou mais perigosa que seu parceiro de crimes. Cooper e Jennifer Lawrence (que faz a mulher de Irving, Roselyn) também se fazem visíveis em vários momentos, mas acabam sendo ocultados pelo casal acima - principalmente a última, escalada erroneamente pelo diretor para um papel notavelmente adulto demais para os seus jovens 23 anos, fazendo de seu papel então uma espécie de repetição de sua atuação amalucada e premiada em O Lado Bom da Vida.

A "ambientalização" do filme também é outro ponto bastante positivo. Os figurinos feitos por Michael Wilkinson e o design de produção de Judy Becker criam no longa o clima de exagero que O. Russell procura em seus personagens, cujas preocupações com seus visuais são vitais para o sucesso da operação. Ao mesmo tempo, o cuidado com a imagem faz uma espécie de revival do estilo de cinema hollywoodiano nos anos 70, a exemplo da engraçadíssima cena na entrada de um hotel onde um dos holofotes de repente quebra e esfumaça o local, permitindo que diversos personagens façam aparições triunfais com figurinos "majestosos".

Mas se nesses dois aspectos Trapaça se destaca, no resto o longa perde a força. Com vários plot-twists, a trama perde o fôlego em vários momentos, devido principalmente à precária montagem, que corta o desenvolvimento emocional de inúmeras cenas no momento mais errado. Sem isso, as duas horas e meia de duração e reviravoltas (que ao final são solucionadas como um capítulo deturpado de Scooby-Doo) aos poucos tornam-se cansativas e penosas de se aguentar e acompanhar, além de tirar qualquer ritmo possível da produção.

O próprio roteiro também não ajuda, pois há várias cenas que não contribuem em nada para o andamento da história e só arrancam mais algumas risadas de seu público. Estas em sua maioria são protagonizadas por Roselyn, que serve mais como alívio cômico do que uma engrenagem para a trama - apesar de no final sua figura ser fundamental -, como sua dancinha ao som de Live and Let Die ou o beijo que dá em Sydney no banheiro feminino.

Mesmo que acerte mais uma vez na questão de elenco, como filmá-lo e vesti-lo, O. Russell esquece de criar em Trapaça os elementos fundamentais para que o público consiga acompanhar a história, como ritmo ou edição. Nesse quesito, a comparação com a mais recente obra de seu mestre torna-se ainda mais fundamental, e prova que ele ainda precisa aprender muito com os filmes de Scorsese.

Nota: 6/10

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