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sábado, 26 de janeiro de 2019

Crítica: Creed II

Adonis mais uma vez relembra o legado de Rocky e constrói o seu próprio.

Por Alexandre Dias.

Da leva de franquias gigantes restauradas nos últimos anos, Creed é a que mais sabe se aproveitar dos elementos clássicos dos seus antecedentes. A nostalgia, os personagens originais e novos e a modernização dos pontos técnicos são fatores que, apesar de bem sucedidos no geral em marcas como Star Wars e Jurassic Park, não foram tão bem esquematizados como nos derivados de Rocky Balboa.

Em 2015, Ryan Coogler conseguiu imprimir uma identidade urbana e visual muito contundente na primeira jornada do filho de Apollo Creed. A junção com o carisma habitual de Sylvester Stallone na pele do Garanhão Italiano terminou por garantir o retorno desse universo cinematográfico ao mercado, com uma sequência já esperada sendo confirmada pouco tempo depois.

Não era muito difícil de imaginar a volta de Dolph Lundgreen como Ivan Drago. A questão era fazer um confronto plausível entre o seu pupilo, o próprio filho, contra Adonis (Michael B. Jordan) sem parecer piegas. De fato, é isso que Creed II faz. Uma grande costura. Porém, a ligação entre os eventos premeditados não é fútil e o diretor Steven Caple Jr. promove, por meio do roteiro de Stallone e Juel Taylor, um filme saudosista e que olha para frente.

O longa é previsível, mas tira proveito disso. Há situações que replicam sem rodeios os acontecimentos passados, principalmente de Rocky 3 e Rocky 4. E o mais impressionante é que o efeito impactante delas ainda está lá, justamente pelo timing preciso de Caple. Ele sabe, por exemplo, em que momento utilizar o tema clássico e um rap motivacional. São pequenos ajustes de tom como esse que “modernizaram” a breguice da franquia, aceitável para a época, ao mesmo tempo em que há a manutenção de sua essência.

A trajetória de Balboa tornou-se cada vez mais pipoca ao longo de sua vida. Desafios maiores e até habilidades quase que especiais – o treinamento dele na Rússia e o resultado físico em comparação ao primeiro filme já falam por si só – atribuíram uma faceta divertida ao lutador e não eliminaram o grande trunfo dele, que é a superação e força de vontade. Na jornada de Adonis isso permanece. Ele está mais musculoso nesta sequência e enfrenta um adversário mais poderoso, que, inclusive, tem um treinamento cômico e empolgante simultaneamente. 

As próprias lutas merecem ser evidenciadas. Coogler já havia caracterizado as batalhas com maestria, por meio da movimentação de câmera ímpar. Caple consegue replicar a atualização que o diretor de Pantera Negra fez nos combates, contudo dá a sua cara, deixando-as mais cruas. A pancadaria é surreal de certa forma, porque todos apanham muito mais do que poderiam, mas não há a impressão que estamos vendo algo programado e distante. Todas as vezes que os oponentes sobem no ringue há tensão e euforia.

Os personagens também são muito bem trabalhados e se desenvolvem na medida certa. Michael B. Jordan firma o seu guerreiro impulsivo e em constante amadurecimento, muito por causa de Bianca. O roteiro é sagaz em colocar o alter ego de Tessa Thompson (ótima, por sinal) como parte essencial do crescimento de Adonis, porém com pontos pessoais igualmente importantes e que sustentam o papel – um dos números musicais da atriz é simplesmente espetacular. 

O maior ídolo da Filadélfia é outro que é bem utilizado. Seu desafio principal nesse longa é a relação com o filho, algo bem puxado dos anos 80. O que realmente o coloca em uma posição confortável é a interação com o filho do Doutrinador e Bianca, que o permitem deslanchar frases de efeito e emocionantes. A grande surpresa é a dupla Drago, que ressurge em um contexto bem clichê e segue assim durante toda a produção, até comprovar a sua verdadeira profundidade no terceiro ato. Viktor (Florian Munteanu) mal fala e é um dos melhores personagens do projeto.

Por que Adonis Creed está lutando? É a pergunta que ele se faz o filme inteiro e que é respondida sem ser respondida. Isso é Creed II. Uma obra que existe para deleitar completamente os fãs de Rocky Balboa, mas que entende esse fato, não se deixando, portanto, a cair em armadilhas batidas. E é por não subestimar o espectador que alcança um patamar significativo na história do Garanhão Italiano e também cria a sua própria.

Nota: 8/10

sábado, 19 de janeiro de 2019

Livrai-nos do mal

Ou como Colette e A Esposa são em essência o mesmo filme.

Por Pedro Strazza.

Só pode ser uma coincidência irônica do destino que A Esposa e Colette tenham sido produzidos e lançados para a mesma temporada de premiações. Para quem assistiu os dois filmes - o que é uma probabilidade, dado que o primeiro foi lançado nos cinemas praticamente um mês depois do segundo - a sensação de déjà vu é clara mesmo que envolta em uma neblina de sentimentos conflitantes, já que ambas as obras em teoria compartilham apenas uma ou duas características imediatas.

Dado, é válido notar a princípio que ambas surgem de premissas diferentes em contextos diferentes. Enquanto A Esposa é baseado em um livro de ficção ambientado nos tempos atuais, Colette é uma cinebiografia da escritora francesa homônima que viveu entre o fim do século XIX e o começo do XX. Mesmo em suas formatações as duas obras não se assemelham: o primeiro, dirigido pelo sueco Björn Runge e estrelado pelos veteranos Glenn Close e Jonathan Pryce, conduz sua narrativa aproveitando o máximo das predisposições teatrais de seu elenco; o segundo, de autoria de Wash Westmoreland e encabeçado por Keira Knightley, segue o padrão convencional do gênero com alguns poucos twists para manter a história em rotação diferente de outras tantas biografias da telona, sem tirar o espectador do terreno conhecido no meio do caminho.

Ao mesmo tempo, porém, os dois filmes não deixam de possuir os pontos de contato superficiais citados acima, especialmente na questão da relação dos casais principais. Isso porque a grande reviravolta de A Esposa é o ponto de partida de Colette: o marido que toma a autoria (e por consequência, a fama) da esposa. No primeiro, isso é um segredo a ser desvendado pelo espectador, conforme vai ficando clara na condução da história que a relação entre os personagens de Close e Pryce são assombradas de alguma forma por erros do passado - que serão devidamente ilustrados em flashbacks nada discretos. Já o segundo usa isso como base para explorar o relacionamento "atípico" de Colette com o primeiro marido Henry Gauthier-Villars (Dominic West), cujo casamento emulou de certa forma os livros picantes escritos por ela e publicados no nome dele.

Mas se esta coincidência de roteiros de início é, bem, uma mera coincidência, a maneira como tanto Runge quanto Westmoreland lidam com o desenrolar deste fato acaba por converter ambos os projetos a um assustador mesmo ponto de encontro.

O mais bizarro, porém, é como os dois longas cometem os mesmos erros na hora de lidar com uma relação mais ou menos similar. Tanto A Esposa quanto (e em especial) Colette faltam em maleabilidade e, talvez, maldade na hora de lidar com relacionamentos que aos olhos de hoje são vistos - de forma correta, vale acrescentar - como tóxicos. Tanto Runge quanto Westmoreland adotam posturas conservadoras e de julgamento perante a relação de seus respectivos casais, jogando o marido na posição de grande vilão a ser derrubado e privilegiando o drama da esposa que se vê intimada a se submeter a tamanho vil esquema.

É uma narrativa correta e que certamente há de agradar o olhar do público de hoje - que, pelo menos espero, já aprendeu a identificar estas dinâmicas e adotar a devida postura crítica a elas. Ao mesmo tempo, esta decisão pelo julgamento contemporâneo do passado não deixa de carregar um olhar anacrônico de relações: aos olhos do público e do cineasta, é fácil olhar para eventos do passado dos personagens e julgá-los como certos ou errados de sua posição no presente, diagnosticando os momentos - seja em flashback, seja no presente narrativo mesmo - que levaram estes relacionamentos a uma posição tão maléfica.

O mais difícil (e, portanto, mais interessante) nestas horas seria abraçar esta aparente toxicidade declarada pelos olhos de hoje para entender seus mecanismos, algo que nem é tão inédito assim. Só no ano passado, por exemplo, tivemos na mesma época de Oscar o Trama Fantasma de Paul Thomas Anderson que tinha numa toxicidade de relações o seu mote de existência, mas que ao invés de dar o passo para trás e criar uma esfera de julgamento sobre cada um dos personagens fazia este mergulho; havia a constatação de que tanto o marido quanto a esposa tinham suas próprias motivações perturbadoras para viver aquele amor vil, o que só potencializava o drama em torno dos personagens.

É inevitável, então, que ambos os filmes terminem num mesmo poço, mergulhados em problemas parecidos. Enquanto o esposo há de pagar por seus pecados, de um jeito ou de outro sendo despido do amor de sua vida sem perceber a própria tragédia, a mulher liberta-se na confissão ao público - ou, pelo menos, na promessa de que a verdade há de ser revelada, como é o caso de A Esposa.

Não deixa de ser um bom espaço às atrizes envolvidas, que cada uma a seu jeito são obrigadas a carregar estas sinas das produções nas costas. No caso de Close, talvez tenha chamado a atenção dos votantes do Oscar o fato da atriz praticamente ter que fabricar o próprio drama no longa, já que toda a dramaturgia que move sua personagem mora na sua versão mais jovem - que claramente não consegue dar voz à tragédia, vide o caráter funcional que os relances do passado assumem na narrativa.

Em outros tempos (e caso Colette não fosse baseado em fatos, é bom lembrar), seria bem capaz de haver um mote religioso embutido nesta confissão, com direito a "livrai-nos do mal", bíblia e até padre no meio. Uma pena, dada a dedicação dos respectivos elencos protagonistas e dado que o pérfido sempre rende filmes no mínimo curiosos de serem vistos.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Vecchiali, cinema e divagações

Ou também "acertando as contas com o passado".

Por Pedro Strazza.

2019 é um ano relativamente importante para O Nerd Contra-Ataca: no próximo dia 14 de dezembro, este blog completa nada menos que dez anos de vida.

Dez anos.

É uma data que certamente exige algum tipo de comemoração, embora por aqui o que aconteça no fundo vá passar mais por fins de demarcação. Os trabalhos devem continuar ativos por aqui no atual esquema das coisas - difuso, irregular, porém presente - mas até chegarmos ao fatídico aniversário devo (e quero) fazer maiores experimentações com este blog, algo que talvez tenha começado agora com esta escrita em primeira pessoa tão atípica e improvisada.

Antes de tratarmos do futuro, entretanto, é preciso acertar contas com o passado - ou, no caso, o meu passado. Faz pouco mais de um ano que, durante a 41° Mostra de Cinema de São Paulo, eu tive a oportunidade de entrevistar o Paul Vecchiali, grande diretor francês que na época estava sendo homenageado pelo evento com uma retrospectiva de sua carreira e o prêmio Leon Cakoff. Admito que para mim foi um momento de grande felicidade profissional, pois na época já era fã de seu cinema e estar frente a frente com um cineasta do qual se admira é sem dúvida daqueles momentos inenarráveis da vida.

O problema é que, bem, o material nunca foi publicado por erros meus. A matéria deveria ter saído no B9 durante a época do festival, mas como estava em meio às turbulências do fim de ano e do fim de ciclo universitário eu só consegui ter tempo de aprontar a transcrição da entrevista quase uma semana depois do fim da Mostra - e como não havia sinal (ou houve também, dado que ele permanece inédito) de que o filme que Vecchiali lançava no evento ia chegar ao circuito, acabei me vendo obrigado a arquivar a conversa.

Desde então este material me atormenta, pedindo para sair em algum lugar, em algum momento. Por isso, resolvi aproveitar o novo começo de ciclo do calendário para libertá-lo de minhas correntes de insegurança - até porque o material é bom demais para permanecer escondido.

Antes de ler a entrevista, querido leitor, acho válido atentar e reforçar algumas questões de contexto: esta entrevista foi feita poucos dias depois (senão no dia seguinte, com o perdão da ausência de memória) de Vecchiali ter feito a estreia global de seu então novo trabalho, Os Sete Desertores, durante a 41° Mostra de São Paulo em 2017 - muito antes de seu Trem das Vidas e a Viagem de Anjélique ter sido lançado na 42° edição do mesmo evento. Como o começo da conversa deixa claro, por conta da correria do festival acabei não conseguindo ver o filme na época (e nem até agora, diga-se de passagem), o que abriu margem para que eu pudesse focar em algumas questões específicas da carreira e do cinema do diretor.

Vale também avisar que, por conta de uma barreira de língua (Vecchiali só fala francês), toda a discussão foi intermediada com uma ajuda divina de uma tradutora, que fez o melhor para transmitir da forma mais fidedigna possível o raciocínio do entrevistado.

Posto tudo isso, gostaria de comentar que Vecchiali é uma pessoa extremamente fascinante de se conversar. Do alto de seus então 87 anos, ele mantém um apuro estético sobre sua pessoa que era muito evidente em seu echarpe de seda que usava ao mesmo tempo que preserva uma postura muito simpática com todos - algo que imagino, se deva em parte à maior atenção que recebe dos entusiastas cinéfilos de São Paulo, que na época compareceram em massa à sua retrospectiva.

O resto, bom, está na entrevista abaixo, que passa por todo tipo de tema e reflete muito da figura do entrevistado - além das aparentes inabilidades do entrevistador, se vale o exercício de auto-julgamento.

Feliz ano-novo a todos.

Queria começar dizendo que não consegui ver seu novo filme ['Os Sete Desertores'], infelizmente.

Ele é muito bom [risos], mas a cópia não é boa. É um arquivo comprimido que mandaram, é um som estéreo e não 5.1 e a imagem está mexida. Mas a cópia que chegou é em DCP, então as próximas projeções são boas.

Aproveitando o gancho, o filme está tendo sua première internacional na Mostra. Você decidiu lança-lo aqui por algum motivo especial ou foi por janela de oportunidade?

Não, na verdade ocorreu porque o filme tinha acabado de ser finalizado e o Rafael do Audiovisual do Consulado disse que ele tinha que ser colocado na Mostra. Esse filme também está em competição no festival de Gijón, na Espanha. Eles protestaram um pouco, eles queriam ter a estreia internacional lá, mas eles acabaram aceitando e disseram que ia ser uma ‘estreia europeia’. Mas a estreia internacional será aqui [risos]. O primeiro público que verá o meu filme são os brasileiros.

É uma honra, devo dizer.

Para mim também. [risos]

Você já sabia desde a infância que queria trabalhar com cinema, mas você chegou a atuar como crítico pela Cahiers du Cinema. O que levou você a trilhar este caminho?

Eu fiz tudo ao contrário. Minha mãe queria que eu estudasse, fizesse faculdade, e eu fiz a Escola de Engenheiros de Paris, também conhecida como a Politécnica de Paris, que é muito famosa. Depois eu fui para a Argélia pra fazer a guerra – o que explica o filme Os Sete Desertores, em que um dos personagens me representa. Fazendo um parênteses rápido, eu tenho uma relação de amizade com o Godard e sou anarquista, e o Godard me perguntou na época "Você é anarquista, porque você foi pra guerra na Argélia?". Eu respondi que eu não queria ser responsável pelos atos daquele que ia me substituir, e você vai escutar isso no filme se você for assistir.

Voltando da Argélia, eu vi o ‘Acossado’, de Godard, e o ‘Lola, A Flor Proibida’, de Jacques Demy, e eu pensei na época "Se eles podem fazer isso, eu também posso". Eu fiz um longa-metragem e um curta, depois eu me tornei primeiro-assistente dos diretores e aí sim eu entrei na crítica.

Mas o que te levou à entrar na crítica?

Eu assinava a Cahiers du Cinema e não estava de acordo com tudo que a revista dizia. Um dia eu enviei uma carta muito agressiva, e me responderam dizendo que ela não poderia ser publicada. Mas eles acharam que eu tinha razão, então me colocaram para escrever na Cahiers. Eles substituíram Eric Rohmer por Jacques Rivette como editor-chefe da revista, o Rivette leu minha carta e me pediu pra escrever sobre um filme de Sam Peckinpah, ‘Pistoleiros do Entardecer’. Depois disso eu escrevi algumas críticas pra eles, incluindo uma sobre Robert Bresson que ele me agradeceu muito. 

Um dia o Jacques Rivette não quis um artigo que escrevi e o texto apareceu na íntegra na revista assinado por outra pessoa, e foi aí que eu me despedi de lá. Daí eu fui escrever para outra revista chamada Imagem e Som, e lá eu tenho cerca de 200 críticas escritas. Isso tudo acontecia quando eu já era diretor.

Você se manteve bastante ocupado, devo dizer.

Eu posso trabalhar a vida inteira. O cinema é minha vida.

Um de seus trabalhos mais conhecidos é o 'Once More', que foi um dos primeiros filmes a lidar com o tema da AIDS, um assunto que não era muito fácil de se abordar naquele momento. Como você chegou ao tema?

Sim, sim, não era fácil. Eu não tenho medo da dificuldade, quando eu tenho vontade de fazer algo eu faço. Eu fazia uma série policial blockbuster muito violenta de sete episódios de uma hora, e na época eu escutei Charles Pasqua [Ministro do Interior entre 1986 e 1988, durante o governo de Jacques Chirac] dizer publicamente que a AIDS era um castigo divino para os homossexuais. Eu fiquei furioso. Teria agido da mesma forma se essa frase tivesse sido dita sobre os judeus ou os negros. Fiquei com tanta raiva que acabei escrevendo o roteiro do filme em dois dias, no fim de semana porque estava trabalhando, filmando a série. Depois disso não mudei uma palavra do roteiro.

Devo admitir, pra mim isso é algum tipo de recorde de velocidade de escrita [risos].

[risos] Houve vezes em que escrevi mais rápido. ‘Rose la Rose, fille publique’ foi escrito em uma manhã, eu sonhei com o filme durante a noite e quando acordei resolvi colocar no papel. Já ‘En Haut des Marches’ eu demorei cerca de quatro anos para terminar. Não é algo sistemático, tem coisas que vem mais rápido e outras não.

Desviando da minha pergunta por um momento, quando você está concebendo seus filmes você pensa primeiro numa narrativa, em um tema ou em uma história? Seus filmes são tão diferentes entre si, isso me deixa curioso.

Depende do filme. Eu não posso fazer duas vezes o mesmo filme. Uma vez uma distribuidora, depois de eu ter feito ‘Rose la Rose’, me propôs um contrato com muito dinheiro pra fazer mais um filme sobre uma prostituta, e eu neguei dizendo que já tinha feito um. Os meus dois últimos filmes, ‘Os Sete Desertores’ e um que ainda não foi lançado e que se chama ‘Trem das Vidas’, eu fiz ao mesmo tempo e são completamente diferentes, não tem nada a ver um com o outro.

Funciona para você fazer dois filmes diferentes ao mesmo tempo, sob esta perspectiva?

Essa foi uma decisão do produtor e não do realizador, mas eu que sou o produtor, então... [risos]. Ele me disse ‘Faça um filme todo passado em cenários exteriores, no caso Os Sete Desertores, e outro todo passado no interior, que é o Trem de Vida’. Eu sou louco de fazer tudo ao mesmo tempo, mas funciona: se chove enquanto filmo no exterior, vou pra dentro e filmo o interior. São os mesmos atores e os mesmos técnicos, mas acho que isso é óbvio [risos].

Voltando ao Once More, como foi a recepção do público na época?

O filme na época saiu primeiro na competição do Festival de Veneza e ele recebeu o prêmio da crítica e do público. Eu tenho uma história interessante sobre esse momento: Eu estava em um restaurante e acabei ficando posicionado de costas para Sergio Leone, que era o presidente do júri daquele ano e não me conhecia na época. Sem saber que eu estava atrás dele, ele disse [sobre o ‘Once More’] "Este filme é uma obra-prima, mas eu não posso permitir que ele ganhe o prêmio".

Ele disse mais alguma coisa depois disso?

Não. Eu desprezo ele, e felizmente não gosto dos filmes dele. Essa postura dele estava ligada ao tema da homossexualidade. O meu filme foi o primeiro da competição a passar no festival. No dia seguinte, os jornais italianos registravam catorze críticas, todas registrando cinco estrelas a ele, era o máximo, e depois eu fui obrigado a escutar isso.

Depois disso o filme estreou na França e foi mal recebido. Ele foi mal recebido pela população feminina e pelos homossexuais.

Você saberia o porquê disso?

Não, mas há dois anos o filme passou de novo no Festival de Cannes, numa sala cheia com mulheres, homossexuais e todo tipo de pessoa, e teve ao final da sessão vinte minutos de ovação. Eu acho que precisava de tempo para que as pessoas entendessem.

Entendo. Consigo imaginar a dificuldade que tenha sido tratar desse tema na época.

É, ainda mais porque foi o primeiro filme a tratar desse assunto. O que as pessoas mais criticavam na época era que eu estava querendo desdramatizar a situação. Tem uma frase da época que diz que havia milhões de vírus na sombra esperando que o da AIDS passasse de moda, e isso aconteceu. Eles achavam que isso era uma ofensa, mas na verdade foi exatamente o que aconteceu.

O filme foi aplaudido em Veneza, teve críticas excelentes, a Cahiers du Cinema elogiou bastante, mas o público teve uma reação bastante reticente, quase agressiva a ele. Agora, quando ele é exibido novamente, as sessões ficam cheias e as pessoas gostam do filme.

Sinal dos tempos. [risos]

[risos] Sim, sim. Mas agora eu não posso esperar 35 anos pelos filmes que eu faço agora [risos].

Aproveitando que você tocou no tema da sua produção recente, ela se diferencia bastante dos filmes anteriores. O que levou a isso?

O que mudou é que, à medida que fui ficando velho, eu quis prestar homenagem aos filmes e cineastas que me fizeram sonhar e que admirava. Há mais citações e referências em meus trabalhos agora, além das técnicas terem se ampliado, mas pra mim a minha narrativa fílmica é a mesma.

Hoje em dia há algum diretor contemporâneo cujo cinema te atraia?

O único cineasta que me interessa hoje é Laurent Achard. O que me desagrada no cinema desses últimos anos é que o texto, os diálogos desapareceram; eles são muito comuns. No cinema americano e no cinema francês há uma maneira de interpretar que se diz natural mas é totalmente artificial. Todos os atores e atrizes hoje atuam quase que mecanicamente, é horrível. Falta conteúdo, eles parecem marionetes.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Melhores do Ano 2018

O melhor, o pior, o fantástico e o impensável de um ano que nos derrubou de assalto.

Por Pedro Strazza.

2018 é sem dúvida um ano que muitos gostariam de esquecer. Em meio ao caos de escândalos, tragédias, crimes horrendos e todo tipo de trauma avassalador, não foram poucos os que sentiram que os últimos 365 dias passaram como a sensação de 1095, tamanha a sensação de arrasto e peso que tendeu a afundar todos em direção aos níveis mais baixos - em todos os sentidos possíveis.

Como toda e qualquer arte, o cinema não deixou de refletir isso, seja no noticiário ou na leva de produções deste e do ano passado que atingiram as telonas do circuito e as telinhas do streaming - que mais que nunca parecem em pé de guerra uma com a outra mesmo não precisando. Além da sensação de temporada de vacas magras (uma que deve ser mais sentida no próximo Oscar, o tal do "pináculo" da indústria hollywoodiana), os filmes mais celebrados no meio este ano abarcaram temas mais difíceis quando não densos (para não dizer pesados), desde conflitos claros com visões de mundo padronizadas e ultrapassadas à depressão que foi repetida como tema de debate até se exaurir no humor das redes sociais. 2018 foi acima de tudo um ano para se lidar com traumas pelas vias mais excruciantes ou de resolução agridoce, sendo que esta última infelizmente pouco teve espaço no clima de confrontação.

Esta tendência a abordar o trauma é algo que querendo ou não grande parte das listas de melhores produções do ano segue de forma silenciosa, incluindo esta que você, caro leitor, está lendo neste exato momento.

Em 2018, o Melhores do Ano passou por algumas remodelações estruturais que provavelmente já tenham sido notadas. Vamos a elas:

1) Ao invés de três publicações dedicadas a cada um dos setores originais (Destaques, Piores e Melhores), todas as listas esta edição estão compiladas em uma mesma publicação - no caso, esta que você acessa neste momento;
2) O nome também passou por uma leve mudança: sai o pretensioso (para não dizer babaca) "O Cinema em 2018" e entra o "Melhores do Ano";
3) Junto das três listas originais e o ranking completo, também adicionei uma lista com produções do ano que assisti e ainda são inéditas ao nosso circuito ou acesso, ranqueados em um agrupamento de 20 títulos.

As regras também mudaram um pouco. Além de filmes lançados no circuito comercial de cinema e na Netflix, as listas contam com títulos de 2017 e 2018 lançados no restante do grande ecossistema de streamings que atualmente existe em nosso cenário; é uma forma sincera de tentar abarcar todo o volume de trabalhos que desembarcam em nossas praias digitais e físicas ao longo dos últimos doze meses.

O resto, porém, se mantém inalterado. São 25 filmes destacados no Melhores, 15 no Destaques e 10 no Piores, além do ranking completo e um prêmio hors-concours quando vejo necessidade (o que felizmente aconteceu de novo este ano).

Sobre a lista principal, alguns pontos:

- Foi sem dúvida o ano dos duos de diretores: dos 25 títulos elencados, nada menos que cinco foram comandados por duas pessoas;
- Também foi um ano em que mais filmes de diretoras aparecem na lista, pulando dos três nomes do ano passado para as 6 deste ano;
- Há alguns vários nomes que aparecem pela primeira vez no Melhores (incluindo vários que foram marcados no Destaques de anos anteriores, o que pessoalmente acho fantástico), incluindo um bom número de debutes: são seis projetos comandados por pessoas que estrearam na função de diretor.

Posto tudo isso, vamos às listas. Para começar:

Hors-Concours: La Flor, de Mariano Llinás

La Flor é um filme, vamos colocar assim, atípico. Com inacreditáveis 14 horas de duração e seis longas histórias para se contar à partir da presença de quatro atrizes (Elisa Carricajo, Valeria Correa, Pilar Gamboa e Laura Paredes), o projeto do argentino Mariano Llinás não exatamente se enquadra nos moldes ditos tradicionais de exibição, se adequando a um formato que não só exige que a produção seja dividida em dias mas que também pede que o espectador se submita a uma total imersão para compreender sua extensa narrativa - uma medida que talvez explique o porquê do diretor não querer que o longa seja lançado em versões físicas ou no streaming (onde talvez ganharia ares de minissérie capitular).

O que Llinás propõe dentro deste verdadeiro épico cinematográfico, porém, é algo que atende e supera todas as demandas esperadas por qualquer um que decida parar a vida para assistir o filme. Com tramas que vão do terror B à grande saga de espionagem, passando por histórias metalinguísticas e uma pequena homenagem ao Um Dia no Campo de Jean Renoir, La Flor é um gigantesco e fascinante estudo sobre a figura da mulher dentro do cinema que parece ir além da mera atestação dos jogos de poder intrínsecos na imagem, disposto a consertar e remendar relações para reconfigurar os signos que o público normalmente associa ao feminino dentro do audiovisual. Tudo isso dentro de uma estrutura que por incrível que pareça não exaure: a narrativa de Llinás realmente mostra precisar de cada um dos minutos usados para fazer valer os esforços de sua ambiciosa análise.

E é exatamente por esta complexidade temática e estrutural - além, óbvio, do fato da escala impedir qualquer possibilidade de lançamento nos cinemas fora dos festivais - que La Flor merece tamanha honraria do hors concours.

Sem mais delongas, vamos aos Melhores do Ano:

25) A Noite do Jogo, de John Francis Daley e Jonathan Goldstein

Francis Daley e Goldstein vem fazendo um caminho muito bonito dentro do circuito de produções  menores de estúdio. Depois de comandarem um ótimo (mas tristemente ignorado) semi-reboot de Férias Frustradas e servirem de coautores no debute da versão Marvel Studios do Homem-Aranha, a dupla de roteirista e diretores ganharam em 2018 uma oportunidade fora do mercado de marcas cinematográficas com A Noite do Jogo, uma comédia que parte como espécie de paródia do Vidas em Jogo de David Fincher para se tornar mais um olhar apurado (e bastante engraçado) sobre as novas dinâmicas de relacionamento do século XXI. É um jogo de piadas e esquetes de comédia que prefere ganhar distância do improviso para trabalhar a temática dos adultos com síndrome de Peter Pan dentro de uma narrativa muito controlada e que aproveita o melhor da proposta lúdica e de cada um de seus atores no processo - em especial Rachel McAdams, que entrega aqui uma das grandes cenas do ano ao cantar Third Eye Blind em uma arma carregada. Com os dois diretores contratados pela Warner para comandar o filme solo do Flash, fica apenas o desejo de que ambos voltem a dirigir mais projetos do gênero no futuro.

24) Ponto Cego, de Carlos López Estrada

Um dos filmes mais interessantes da seleção do Festival de Sundance deste ano, Ponto Cego joga com provocações mordazes mesmo quando elas são expostas sob um prisma mais didático em alguns vários momentos. Dentro de uma dinâmica narrativa que soa como o encontro bizarro dos cinemas de Spike Lee e Kevin Smith, o longa de Carlos López Estrada trafega entre os temas da gentrificação e do racismo na cidade de Oakland pela compreensão da existência dos dois temas como problemas independentes e ao mesmo tempo profundamente conectados, algo que é muito bem transposto no trabalho dos protagonistas Daveed Riggs e Rafael Casal e no uso do roteiro escrito pelos dois para traçar um caminho ilustrativo dentro dos conflitos sociais que habitam (e dominam) a cidade. Ainda que o filme pareça muitas vezes estar mais interessado em um impacto imediato que num prolongamento do debate sobre suas questões, a urgência com o qual se desenvolve seus conflitos gera no mínimo um exercício narrativo muito forte.

23) Buscando..., de Aneesh Chaganty

2018 foi o ano em que o terror ambientado no meio digital ganhou força e até nome (o tal do "desktop horror"), mas é curioso que tenha sido justo um suspense extremamente bem comportado quem tenha promovido um olhar diferente dentro do gênero. Ainda que procedural em todos os seus movimentos e distante de quaisquer movimentos ousados que já não tenham sido testados antes na forma (o que inclui o Amizade Desfeita que é ainda o grande exemplar desta leva), o Buscando... de Aneesh Chaganty encanta por se aproveitar de uma estrutura contemporânea para trabalhar temas igualmente modernos, usando da procura desesperada de um pai pela filha desaparecida como base para a discussão dos novos gaps geracionais que se multiplicam no século XXI. Ajuda muito no processo que o filme conte com uma performance sólida de John Cho, que dá vazão a estas aflições do contraste entre as gerações X e Z na mesma intensidade em que segura a narrativa quando ela mais periga diluir-se.

22) Jogador N° 1, de Steven Spielberg

Alicerce fundamental da atual Hollywood e quase uma figura messiânica para a atual geração de cineastas que trabalham no circuito de estúdios, Steven Spielberg este ano teve a oportunidade de confrontar o próprio legado com Jogador N° 1. Antecipada por alguns como o novo "Santo Graal" da cultura pop, a adaptação do livro de Ernest Cline acabou pegando de surpresa (e portanto dividindo) a maioria ao mostrar que seu diretor estava menos interessado em celebrar a atual pluralidade de franquias e marcas do imaginário hollywoodiano que no exercício de enquadrar-se na imagem do misterioso bilionário falecido que é o centro de toda a narrativa da aventura passada no mundo fantástico de realidade virtual. Mas por ser uma produção de Spielberg estas duas partes não deixam de coexistir dentro da narrativa, que acalenta quem espera o máximo de cultura nostálgica com uma gigantesca montanha-russa de ação em CGI sem perder de vista este olhar semi-revisionista do cineasta, um que pelo menos ajuda o próprio em sua busca pela ressignificação de certos elementos da verdadeira indústria que fundou.

21) Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa

São poucos os filmes que sabem lidar tão bem com uma posição de importância histórica auto-instituída quanto este documentário em forma de colagem sobre as pornochanchadas dos anos 70. O recorte e o olhar de Fernanda Pessoa sobre uma produção considerada por muitos como irrelevante no processo histórico brasileiro serve à diretora como ponto de partida para evidenciar uma visão de Brasil despida de pudor, que dá conta de mostrar todo o mar de contradições que impera no país dentro de um jogo de humor baixo que queria acima de tudo agradar com a exibição do sexo feminino. E dado o atual estado de abandono da História do cinema nacional, esta é uma investigação que só ganha no resgate do passado. 

20) Verão, de Kirill Serebrennikov

"Isto nunca aconteceu" é uma fala que se repete constantemente no musical russo de Kirill Serebrennikov sobre o cenário musical russo dos anos 80, quase como um mantra a definir o sentimento de revolução suprimida daqueles anos em que a censura instituída pela União Soviética impedia qualquer avanço de revolta da parte dos artistas. Dentro disto, o longa é sagaz ao conceber uma narrativa relativamente leve e que passeie entre arroubos de criatividade visual e um drama romântico mais tradicional, uma mistura que confere à história o tom de lamento necessário sem mantê-lo refém de um peso histórico que de tempos em tempos insiste em se manter preso ao cinema russo como um todo. Se Verão ora ou outra sofre com uma ou outra gordura, seu olhar sob o clima de frustração de uma geração musical inteira de uma nação nunca deixa de soar fora do lugar ou descabido à realidade vivida por aquelas pessoas na época, cuja busca eterna por brechas num sistema autoritário fomentava este tom de atração e repulsa por tudo e todos.

19) Um Pequeno Favor, de Paul Feig

Já há algum tempo numa sequência de comédias que contemplam o universo feminino enquanto tiram sarro do mundo masculino que oprime este último (o que inclui, claro, o fantástico e polêmico remake de Caça-Fantasmas), Paul Feig este ano voltou a trabalhar estes temas à partir de um gênero diferente - o suspense - sem esquecer deste tom paródico. O resultado é este Um Pequeno Favor, espécie de leve homenagem aos suspenses franceses do passado que aposta numa atualização irônica destas histórias e que volta a apostar no trabalho do elenco - em especial Anna Kendrick e Blake Lively - para funcionar. Se o longa em muitos momentos beira ao descartável, suas fundações resistem e fascinam porque a narrativa de seu diretor brinca exatamente com estas noções de seu espectador sobre um gênero menor, não esquecendo no processo de desenvolver uma narrativa maior que abarque as dores disfarçadas de ser mulher em um cotidiano machista.

18) Vingança, de Coralie Fargeat


Falando em revisionismo de gêneros mal falados, Vingança é um que faz deste exercício um mote de existência quase visceral. O terror da francesa Coralie Fargeat retoma as estruturas dos antigos filmes B e C de vingança para reinterpretar (e canibalizar) os signos misóginos deixados por grande parte desta produção, devolvendo na mesma moeda aos abusadores a violência que conferem às vítimas nestas obras. O lado altamente emocional que é imbuído ao projeto, porém, nunca chega a ser um obstáculo para a direção de Fargeat, que é esperta em reutilizar estruturas e se aproveitar de um tom quase lisérgico para pintar este retrato às avessas sem contradições ou deixar que seu discurso impere de forma exaustiva.

17) Roma, de Alfonso Cuarón

Alfonso Cuarón é um diretor que há anos mantém certa distância de sua terra natal, preferindo encontrar conforto em produções de narrativas cada vez mais mirabolantes, dominadas pela técnica e que pregam mensagens "universais" que para alguns podem se passar por auto-ajuda vazias. Com o tão celebrado Roma, porém, o cineasta mexicano enfim se obriga a conflitar a imensa maioria dos pontos característicos de seu cinema, uma medida que explica não só o "calor" das discussões feitas em cima do filme como também a força de seus momentos de maior catarse emocional. Distante ou próximo, vazio ou cheio, o longa sem dúvida carrega grande impacto em seu grande álbum de memórias familiar.

16) Visages, Villages, de Agnès Varda e JR

Muito provavelmente um dos filmes mais puros dos últimos anos, o projeto colaborativo entre a cineasta Agnès Varda e o artista plástico JR serve como um lembrete do quão transformador a arte pode ser ao indivíduo. Cada peça e imagem criadas pela dupla em sua viagem pelo interior da França reiteram esta potência de forma singela, num esforço que serve para valorizar as camadas "menos importantes" da sociedade francesa que no fundo constituem a parte mais fundamental da permanência da identidade nacional. Em tempos sombrios, este registro sem dúvida é um alívio muito bem vindo.

15) Homem-Formiga e a Vespa, de Peyton Reed

Em um ano em que o Marvel Studios arrecadou bilhões de bilheteria com o gigantismo de épicos como Pantera Negra e Vingadores - Guerra Infinita e que o gênero de super-heróis se arrisca mais em mais em produções de escala ambiciosa, o filme de Peyton Reed talvez tenha sido o projeto mais fundamental para a produção do tipo por lembrar do que faz estas obras tão tocantes ao público. Mas não foi só isso que tornou Homem-Formiga e a Vespa um projeto tão acertado: alinhado a uma história de proporções menores e focada em relações familiares, a comédia de tons hawksiano do diretor encontra aqui um ritmo rápido que sabe como organizar o humor de forma a alcançar os momentos mais emocionais com maior potência. É um essencialismo de atos que hoje soa até raro em sua centralidade, muito porque ele reitera a conciliação e o reencontro como forças fundamentais. Mais do que nunca, talvez esteja na hora de se reconsiderar Reed como diretor. 

14) Lady Bird - É Hora de Voar, de Greta Gerwig

Dentre os registros particulares da safra 2017/2018, o Lady Bird de Greta Gerwig é daqueles que se destacou muito por conta do ineditismo do debute de sua diretora, mas ao mesmo tempo as fundações do filme estrelado por Saoirse Ronan e Laurie Metcalf são sólidos o suficiente para mantê-lo vivo na memória. Além de contrapor o cotidiano adocicado de sua protagonista com a crueza do cenário de Sacramento, o longa também dá conta de materializar na tela toda a miríade de sentimentos contraditórios que moram no ato do jovem de sair do ninho para desbravar o mundo, uma proposta que as duas atrizes só aumentam na dinâmica tempestuosa de mãe e filha.

13) A Câmera de Claire, de Hong Sang-soo

Depois de ter abordado as consequências do alarde de seu namoro com a atriz Kim Min-hee na imprensa sul-coreana com imensa acidez e arrependimento em Na Praia à Noite Sozinha e O Dia Depois, o sempre produtivo Hong Sang-soo retornou uma última vez ao tema em A Câmera de Claire para se reconciliar consigo mesmo de vez. Um tanto mais leve que seus "irmãos", o filme que por enquanto encerra esta "trilogia midiática" promove um sentimento de descarrego notável mesmo quando no jogo de comédia típico de Hong, que usa mais uma vez de sua narrativa de planos extensos e regidos por zooms que tiram o melhor de situações de desconforto e acerto de contas emocional.

12) As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas

Depois de se aventurarem em projetos solo nos últimos dois anos, Dutra e Rojas enfim retomaram sua parceria para este As Boas Maneiras, projeto que promove mais um destes intertextos de gêneros que marcam cada vez mais a dupla. Esta característica, afinal, domina as atenções na história de lobisomem que mistura o conto de fadas com o horror dentro da selva urbana de São Paulo, alimentando um olhar apurado sobre a distância e as diferenças das classes sociais brasileiras. Isabel Zuaá e Marjorie Estiano compõem uma das dinâmicas de atuação mais sensíveis deste ano, alimentando um amor que ressalta estas divisões sem maior alarde.

11) Projeto Flórida, de Sean Baker

Depois de surpreender muitos há três anos com Tangerine, Sean Baker ganhou ainda mais admiradores na última temporada do Oscar com este Projeto Flórida que carrega mais uma vez sua habilidade para tratar de populações marginalizadas. A história sobre as comunidades pobres que vivem próximos aos parques de diversão de Orlando encontra leveza em um mundo fadado à tragédia, tomando o ponto de vista de crianças para mostrar como elas sobrevivem neste cenário buscando o mesmo ar adocicado das atrações turísticas em tudo que tocam e passeiam.  

10) A Balada de Buster Scruggs, de Ethan e Joel Coen

Depois de terem feito da Hollywood da era de ouro um palco para novas investigações sobre a fé, os irmãos Coen resolveram retornar ao Velho Oeste uma vez mais para encontrar e redefinir os signos do faroeste no momento anterior ao seu fim. Produzido como série de antologia e lançado como filme, A Balada de Buster Scruggs mostra a dupla de cineastas num momento mais reflexivo mesmo que eles não tenham perdido o faro para o humor, sendo um projeto onde eles confrontam a morte enquanto símbolo dentro das relações de um gênero que já há tempos viu seu auge passar. Com seis capítulos que revisitam arquétipos e tramas tradicionais da produção, o longa reforça a potência do faroeste pelo soerguimento de sua elegia, uma canção de despedida lamuriosa que não deixa de abarcar a falsidade do ato - seja pela fotografia digital ou mesmo as notas cômicas imbuídas em cada uma das histórias. E se todos os contos mantém entre si uma coesão distinta e seguram a barra cada um a seu jeito, o quinto episódio é o que mais marca por escancarar este raciocínio da mitologia que nunca morre mesmo quando abandonada.

9) A Melhor Escolha, de Richard Linklater

Depois de erguer arquétipos à uma merecida posição de consagração com Jovens, Loucos e Mais Rebeldes, Linklater fez com A Melhor Escolha um retorno às referências que carrega em seu cinema. Continuação espiritual de A Última Missão de Hal Ashby, o novo filme do diretor reforça sua posição de cronista fadado a revisitar o passado recente de seu país ao retornar ao clima de conflitos e desesperança dos Estados Unidos nos anos imediatamente posteriores ao 11 de setembro, acompanhando militares veteranos enquanto viajam para enterrar o filho falecido de um deles. O viés geracional que o longa força ao incluir um jovem soldado entre o trio idoso dá um tom ainda mais trágico ao retrato que Linklater busca pintar do militarismo norte-americano da década, que se vê preso a ondas de guerras e convocações eternas. Um dos filmes mais dolorosos do cineasta, sem dúvida.

8) Infiltrado na Klan, de Spike Lee

A luta e a militância sempre foram temas caros a Spike Lee, que desde Faça a Coisa Certa mantém vigente a ideia de que o combate à opressão é vital mesmo quando se dando em frente diferentes. Com Infiltrado na Klan, este último ponto é reforçado continuamente graças à urgência da mensagem, em tempos onde o fascismo anuncia um perigoso retorno às principais instituições sociais - e o diretor sabe muito bem disso. A história do policial negro que virou membro da Ku Klux Klan serve a Lee como ponto de partida ideal para a discussão das diferentes perspectivas e significados dentro do ato natural de lutar pela igualdade, um debate cuja ausência de soluções imediatas e simples serve para o cineasta alimentar sua narrativa de choques e conflitos temáticos que só direcionam o espectador ao cerne da mensagem. Embora o diretor esteja para sempre amaldiçoado pelo brilhantismo da obra-prima que o lançou no mercado, este Infiltrado... felizmente mostra que seu cinema ainda se mantém atual e de grande valor.

7) Sem Rastros, de Debra Granik

Sem Rastros de certa forma é uma continuidade das questões que a diretora Debra Granik já tratava com Inverno da Alma (seu inacreditável trabalho anterior, dado a distância entre os dois trabalhos), filme que também abordava relações de trauma em núcleos familiares quebrados. Desta vez, porém, a cineasta conta com um terreno mais fértil para se aprofundar nos temas, dado que a tragédia em mãos é mais perniciosa e dá maior vazão à dinâmica de atração e repulsa entre sociedade e família que ela bem pretende, sem contar o fato de que o trabalho de Ben Foster e Thomasin McKenzie nutre uma dinâmica de personagens que dá vida às dores nos entornos deste processo. É um filme de muita dor para, paradoxalmente, ser muito curativo.

6) Asako I & II, de Ryûsuke Hamaguchi

Enquanto dramas coming of age e comédias românticas dão cabo de ilustrar seguidas vezes e com o mesmo olhar exaustivo as mesmas aflições e prazeres do primeiro amor, são poucas as obras que se interessam nas relações quase sempre intrínsecas entre a primeira paixão ardente e o relacionamentos estáveis que o seguem após seu fim. Um destes trabalhos que sabe muito bem o que faz é este Asako I & II do japonês Ryûsuke Hamaguchi, cuja história de uma moça que tenta levar a vida depois do fim abrupto de um namoro adolescente passa seguidas vezes por este caráter amaldiçoado deste primeiro momento de abertura para o amor.

5) Nasce Uma Estrela, de Bradley Cooper

Viver em um mundo de imagens. É curioso como o filme de Cooper destoa das outras versões de Nasce Uma Estrela em parte por este rearranjo temático que escapa do comentário ressentido sobre a indústria e enquadra o crescente quadro de depressão do protagonista. Não bastasse o assombro que é a qualidade da dinâmica entre o ator e Lady Gaga para viver o casal de músicos, o longa ainda traz este espelhamento entre o real e o falso que divide sua narrativa em dois momentos apenas para mergulhar o espectador na derrocada de Jackson Maine (uma que desta vez preserva a ascensão de Ally, vale acrescentar) à partir de sua perspectiva. É um ego project que de fato prefere a centralidade sobre a imagem do autor apenas para desconstruir sua visão de mundo e processar suas dores, um procedimento narrativo que rende momento genuínos em sua tristeza e beleza.

4) O Passageiro, de Jaume Collet-Serra

Collet-Serra é hoje um destes grandes diretores que ainda estão para ganhar o merecido reconhecimento, mas enquanto esta consagração moral não chega seu trabalho continua a fascinar dentro de gêneros e tipos de filmes considerados baixos, como este O Passageiro que retoma e reenergiza o tão exaurido suspense do trem. A quarta colaboração do cineasta de origem espanhola com o ator Liam Neeson rendeu em 2018 uma das analogias mais curiosas e intensas sobre a vida no capitalismo selvagem dos Estados Unidos do pós-crise, não só pela profundidade do arranjo temático que ele constrói aqui (a relação do protagonista com seu passado como policial deve render algumas discussões fascinantes sobre o status atual desta instituição social tão problemática) como pela forma como Collet-Serra executa isso dentro de experimentações arrojadas na narrativa, a exemplo do prólogo construído na rotina e o maravilhoso plano-sequência da luta no trem - sem contar a nova tecnologia de foco que o diretor usa e abusa aqui. Um filme tão potente quanto as engrenagens do trem que o impulsionam furioso para frente.

3) Arábia, de João Dumans e Affonso Uchoa

É apenas triste ironia do destino que Arábia seja lançado no começo de um ano marcado pela ascensão do bolsonarismo, pois a sensação de fim de ciclo político sugerida pelo filme de Dumans e Uchoa apenas fica mais nítida dentro do processo histórico do país. Ancorado por uma atuação desde já mitológica de Aristides de Sousa, o longa sobre um trabalhador que reconta sua vida no papel antes da morte é um dos melhores (se não melhor) retratos do clima de desencanto que toma o país nos anos posteriores ao lulismo, uma profunda reflexão sobre os rumos político-sociais que vê na derrocada econômica rumo à crise um fim de uma era de bonança rumo à tempestade. Se há uma cena que há de marcar o cinema brasileiro destes anos 10, esta com certeza é o monólogo final do protagonista Cristiano no longa.

2) Trama Fantasma, de Paul Thomas Anderson

O amor enquanto vício, enquanto jogo de poder. Tudo bem que é o último filme de Daniel Day-Lewis e que sua dinâmica com a performance magnífica de Vicky Krieps compõe uma maiores forças do filme, mas a condução de Paul Thomas Anderson sobre a relação central da história é o que faz Trama Fantasma ser um objeto de tamanho fascínio, magnitude e assombro. O relacionamento dos protagonistas aos poucos se desenrola como um jogo de gato e rato subjetivo que parece não ter (e nunca tem) um fim, como ciclos de dominação que se alternam entre dois jogadores sedentos pela submissão dos outros. É uma dinâmica doentia que sintetiza a alucinação ególatra por trás da ligação entre musa e artista, criação e criador, imagens que apenas servem de representações a um amor tão hostil e tenro em suas próprias maneiras.

Mas o que é o amor comparado a...

1) O Outro Lado do Vento, de Orson Welles

Hollywood, a máquina e o monstro voraz. Faz muito sentido que seja Welles (mesmo do além túmulo) o único capaz de criar uma obra-prima deste nível de acidez, um comentário sobre a indústria que se estende muito além da época em que foi concebido a ponto de se manter atual para o cenário contemporâneo de hoje - troque a Nova Hollywood pelos herdeiros de Spielberg e você provavelmente chegará num mesmo cenário de destruição, caos e loucura materializados pelo diretor. Cineasta condenado a ser amaldiçoado pelo Cidadão Kane que o consagrou, ele redireciona no filme todo seu ressentimento para o cinema estadunidense que o alçou à posição de astro apenas para derrubá-lo sem nunca esquecer o fascínio que alimenta esta criatura de nome definido mas nunca intitulado, num retrato que como bem sugere o título promove um olhar desencontrado mas perspicaz e merecidamente caricato a todas as entranhas de um sistema maléfico.

Mas o fascinante de O Outro Lado do Vento é que ele vai além do mero ódio universalizado, ele também compreende a tragédia anunciada sobre a geração de cineastas da época. Seja a Nova Hollywood ou os diretores internacionais que abarcam nos Estados Unidos em busca de maior reconhecimento (coitados de Antonioni e seu Zabriskie Point), o filme de Welles ironiza e lamenta aqueles que o sucedem na posição de gênio, sabendo que serão esmagados pela máquina sem qualquer traço de piedade e até que a última gota de criatividade se esvaia. Não é à toa que o diretor parece nutrir tanto um desejo de devolver a região aos donos originais; Hollywood, ao seu ver, é uma terra maldita, amaldiçoada por natureza, algo que é sacramentado na última fala do personagem de John Huston que serve a Welles como seu receptáculo final:

"Todas aquelas garotas e garotos... filme-os até a morte."

Destaque, Piores, Inéditos e O Ranking

Destaques do Ano

Os filmes que não chegaram no Melhores do Ano, mas que por motivos particulares merecem algum reconhecimento:
  • Zama
  • Confronto no Pavilhão 99
  • Paddington 2
  • O Amante de Um Dia
  • Hereditário
  • Legítimo Rei
  • Em Chamas
  • Os Estranhos - Caçada Noturna
  • Mais Uma Chance
  • Vingadores - Guerra Infinita
  • Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
  • Aniquilação
  • Museu
  • O Animal Cordial
  • Upgrade

Piores do Ano

As grandes bombas de 2018:
  1. Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
  2. Robin Hood - A Origem
  3. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
  4. Vidas à Deriva
  5. O Insulto
  6. Círculo de Fogo - A Revolta
  7. Venom
  8. Submersão
  9. Happy End
  10. O Diabo e o Padre Amorth

Inéditos

Em 2019, fique de olho nestes filmes:
  1. No Coração da Escuridão, de Paul Schrader
  2. Ash Is Purest White, de Jia Zhangke
  3. A Valsa de Waldheim, de Ruth Beckermann
  4. Support the Girls, de Andrew Bujalski
  5. John McEnroe: In The Realm of Perfection, de Julien Faraut
  6. Homem-Aranha no Aranhaverso, de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman
  7. I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians, de Radu Jude
  8. Trem das Vidas ou A Viagem de Angélique, de Paul Vecchiali
  9. 3 Faces, de Jafar Panahi
  10. Assunto de Família, de Hirokazu Koreeda
  11. O Hotel às Margens do Rio, de Hong Sang-soo
  12. Vidas Duplas, de Olivier Assayas
  13. Uma Terra Imaginada, de Siew Hua Yeo
  14. Temporada, de André Novais Oliveira
  15. Imagem e Palavra, de Jean-Luc Godard
  16. Grass, de Hong Sang-soo
  17. Destination Wedding, de Victor Levin
  18. Vida Selvagem, de Paul Dano
  19. Oitava Série, de Bo Burnham
  20. Guerra Fria, de Pawel Pawlikowski
Pra encerrar, o ranking completo do Melhores do Ano 2018:
  1. O Outro Lado do Vento (10/10)
  2. Trama Fantasma (9/10)
  3. Arábia (8/10)
  4. O Passageiro
  5. Nasce Uma Estrela
  6. Asako I & II
  7. Sem Rastros
  8. Infiltrado na Klan
  9. A Melhor Escolha
  10. A Balada de Buster Scruggs
  11. Projeto Flórida
  12. As Boas Maneiras
  13. A Câmera de Claire
  14. Lady Bird - É Hora de Voar
  15. Homem-Formiga e a Vespa
  16. Visages, Villages
  17. Roma
  18. Vingança
  19. Um Pequeno Favor (7/10)
  20. Verão
  21. Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava
  22. Jogador N° 1
  23. Buscando...
  24. Ponto Cego
  25. A Noite do Jogo
  26. Zama
  27. Confronto no Pavilhão 99
  28. O Dia Depois
  29. Missão: Impossível - Efeito Fallout
  30. The Post - A Guerra Secreta
  31. Paddington 2
  32. O Amante de Um Dia
  33. Upgrade
  34. Me Chame Pelo Seu Nome
  35. Apóstolo
  36. Hereditário
  37. Para Todos os Garotos que Já Amei
  38. Sicário - Dia do Soldado
  39. Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi
  40. A Primeira Noite de Crime
  41. Os Fantasmas de Ismael
  42. Os Incríveis 2
  43. Sem Fôlego
  44. Podres de Ricos
  45. A Festa
  46. Legítimo Rei
  47. Vende-se Esta Casa
  48. Em Chamas (6/10)
  49. Os Estranhos - Caçada Noturna
  50. Mais Uma Chance
  51. Antes que Tudo Desapareça
  52. Vingadores - Guerra Infinita
  53. Pantera Negra
  54. Popstar: Sem Parar, Sem Limites
  55. Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
  56. Aniquilação
  57. Museu
  58. Viva - A Vida é uma Festa
  59. O Animal Cordial
  60. O Plano Imperfeito
  61. Gente de Bem
  62. Halloween
  63. Operação Overlord
  64. Cam
  65. Arranha-Céu
  66. O Retorno de Mary Poppins
  67. A Forma da Água
  68. O Mistério do Relógio na Parede
  69. Oito Mulheres e Um Segredo
  70. Todo o Dinheiro do Mundo
  71. Serei Amado Quando Morrer
  72. 120 Batimentos Por Minuto
  73. O Artista do Desastre
  74. Sombras da Vida
  75. Roman J. Israel
  76. Cartas Para um Ladrão de Livros
  77. 7 Dias em Entebbe
  78. 78/52
  79. Sem Amor
  80. O Processo
  81. 15h17 - Trem Para Paris (5/10)
  82. Não Vai Dar
  83. Café com Canela
  84. Te Peguei!
  85. Medo Profundo
  86. Jumanji - Bem Vindo à Selva
  87. Marshall: Igualdade e Justiça
  88. Desejo de Matar
  89. Você Nunca Esteve Realmente Aqui
  90. Aquaman
  91. Djon África
  92. A Morte de Stálin
  93. Diamantino
  94. Bumblebee
  95. A Noite Devorou o Mundo
  96. Culpa
  97. Um Lugar Silencioso
  98. Estrelas de Cinema Nunca Morrem
  99. O Touro Ferdinando
  100. Distúrbio
  101. Desobediência
  102. Han Solo - Uma História Star Wars
  103. Gnomeu e Julieta - O Segredo do Jardim
  104. Fútil e Inútil
  105. Com Amor, Simon
  106. O Terceiro Assassinato
  107. O Destino de uma Nação
  108. O Segredo da Câmara Escura
  109. Maria Madalena
  110. De Encontro com a Vida
  111. Ella e John
  112. O Primeiro Homem (4/10)
  113. Quando Nos Conhecemos
  114. Meu Ex é Um Espião
  115. No Olho do Furacão
  116. Pequena Grande Vida
  117. Colette
  118. Uma Dobra no Tempo
  119. Tully
  120. Crônicas de Natal
  121. Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível
  122. As Viúvas
  123. Mogli: Entre Dois Mundos
  124. Esplendor
  125. Benzinho
  126. Crimes em Happytime
  127. Baseado em Fatos Reais
  128. Millennium: A Garota na Teia de Aranha
  129. A Freira
  130. Deadpool 2
  131. Cinquenta Tons de Liberdade
  132. Excelentíssimos
  133. Bohemian Rhapsody
  134. O Predador
  135. O Orgulho
  136. Tomb Raider
  137. Paradox
  138. Los Territorios
  139. Jurassic World - Reino Ameaçado
  140. Camocim
  141. Verdade ou Desafio
  142. Eu, Tonya
  143. Baronesa
  144. Perda Total
  145. The Square - A Arte da Discórdia
  146. Três Anúncios Para um Crime
  147. O Sacrifício do Cervo Sagrado
  148. Rampage - Destruição Total (3/10)
  149. Tinta Bruta
  150. Megatubarão
  151. Gringo - Vivo ou Morto
  152. The Cloverfield Paradox
  153. A Aparição
  154. A Grande Jogada
  155. Bird Box
  156. The Outsider
  157. O Diabo e o Padre Amorth
  158. Happy End
  159. Submersão
  160. Venom (2/10)
  161. Círculo de Fogo - A Revolta
  162. O Insulto
  163. Vidas à Deriva
  164. Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald
  165. Robin Hood - A Origem (1/10)
  166. Slender Man - Pesadelo Sem Rosto
Tenham um feliz 2019!

Veja também!

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Crítica: Refém do Jogo

Dave Bautista estrela ação oitentista que deveria ter ficado no passado (ou nem isso).

Por Alexandre Dias.

Sylvester Stallone ainda é ativo no mercado cinematográfico pelo simples fato de saber utilizar o saudosismo ao seu favor. Os trabalhos e atuações do eterno intérprete de Rocky Balboa não tentam impor as suas características orgânicas ao modelo fílmico atual, mas sim relembrá-las. Assim, o astro continua mantendo a sua presença em projetos como algo requerido, enquanto a evolução do cinema de ação oitentista fica a cargo dos novos brutamontes que entenderam como tirar sarro deles mesmos e se divertirem, sendo os principais Vin Diesel, Jason Statham e Dwayne Johnson.

O próprio Velozes e Furiosos, protagonizado pelos três artistas em questão, prova com o seu show de mentiras e bizarrices a existência de uma vertente do blockbuster moderno, focada totalmente no entretenimento. Não é ultrapassado, ainda que ridículo. Refém do Jogo, no entanto, imprime uma aura que já não funciona mais nos dias de hoje. A parte “ruim” da obra que seria perdoada (e até celebrada) em uma época remota, como ocorreu com Sly, Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme, é apenas ruim sem aspas atualmente.

Por falar em Van Damme, há a influência clara de um dos seus filmes no longa do diretor Scott Mann: Morte Súbita, de 1995. A premissa da invasão de um estádio esportivo – antes era hóquei, agora futebol - por “terroristas” permanece. A produção estrelada pelo belga também não era um triunfo da sétima arte, porém foi lançada durante o auge do artista marcial e, mais uma vez, acaba tornando as suas cafonices, vícios e clichês aceitáveis.

Estes pontos são perceptíveis no projeto de Mann principalmente por meio do roteiro de Jonathan Frank, David T. Lynch e Keith Lynch. Há o herói norte-americano atormentado pelo passado que deve voltar à ativa, o vilão russo que ficou louco com os seus ideais, a adolescente rebelde, o amigo árabe do protagonista e dessa forma continua. Sim, os estereótipos são tão batidos quanto parecem, inclusive são explicitados; a “piada” que referencia um possível homem-bomba é o exemplo máximo disso.

O texto monótono e antiquado não ajuda Mann, mas ele, do mesmo jeito, não tem nenhuma marca positiva aparente. Na franquia John Wick, Chad Stahelski e David Leitch, trabalharam com uma trama de vingança e máfias russas. Seria um grande clichê se não fosse o modo preciso de abordar o mundo dos mercenários, além de colocar a ação nas telas com a maestria de um espetáculo de dança. 

O cineasta de Refém do Jogo passa longe de promover a mesma boa identidade estética que a dupla faz. A pancadaria e os tiroteios são genéricos e não exploram bem Dave Bautista, ex-lutador gigantesco – falam o tempo inteiro sobre o seu tamanho - que teria muito a agregar como um brucutu ao estilo The Rock. Aliás, o seu personagem desajeitado quase sempre tem o benefício da sorte, sem precisar necessariamente demonstrar habilidade. Em ambientes fechados o caos é menos aparente, como é o caso da batalha no elevador, porém quando se trata do aproveitamento do espaço vemos a limitação gritante do realizador, a exemplo da medonha cena da perseguição de motos.

Enquanto isso, o bom elenco não tem como exibir o mínimo de talento pelos papéis horrorosos, vide o momento em que Bautista precisa chorar. Há certas carreiras que tem um limite e Dwayne Johnson teve essa compreensão, por isso chegou tão longe. Ele sabe até onde pode ir e que trabalhos estão a sua frente. O intérprete de Drax tem tanto potencial quanto ele e, se aprender com erros como esse, também pode alavancar como um ícone dos blockbusters modernos de ação e aventura. Vale ressaltar que os outros coadjuvantes sofrem igualmente, como o veterano Pierce Brosnan, que mal tem tempo de tela, e Ray Stevenson (o Volstagg, de Thor), ótimo ator sujeito a dar vida a um russo estereotipado. 

As referências são importantes em qualquer projeto cultural. Entretanto, elas são argumentos para a formação de algo novo, que seja uma nova referência no futuro. Obviamente, há um certo idealismo nesta afirmação, mas, de fato, não há como reproduzir só uma referência esperando que haja uma simulação de tudo de bom que ela tem. Refém do Jogo tenta reproduzir uma época, com um material de base superficial. Esperemos pelo terceiro capítulo de John Wick.

Nota: 3/10

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Crítica: Operação Overlord

Terror de ação da Bad Robot flerta com o caricato, mas também o teme.

Por Alexandre Dias.


J.J. Abrams sempre foi uma espécie de elo entre as produções mais independentes e os blockbusters arrasa-quarteirões, principalmente no que se refere ao conteúdo fantástico e aventuresco. A sua produtora, a Bad Robot, é responsável pela franquia Missão: Impossível e ao mesmo tempo lançou a marca Cloverfield que, inclusive, catapultou Matt Reeves - o diretor já contratado para o próximo filme do Batman - a Hollywood. 

Nos casos de projetos com orçamentos reduzidos, especialmente aqueles relacionados ao terror, ação, sci-fi e fantasia, os realizadores em questão têm mais chance de se sobressaírem, pela necessidade de fazer muito com pouco, além da liberdade criativa ser maior, pois há menos pressão de um grande estúdio por trás. Em Operação Overlord esse contexto mesclou-se a um receio de não explosão comercial, sendo essa aspiração de que o longa fosse o próximo Deadpool o seu monstro.

Zumbis nazistas. Isso resume (e não resume) a obra. Com esta premissa é difícil trabalhar uma quebra de expectativa e fazer algo que rompa barreiras, portanto a execução do gore e da parte trash é essencial, ainda que haja um trabalho mais apurado de roteiro do que circunstâncias assim pedem. Dessa forma, a seriedade e a pseudo profundidade da trama são fatores extremamente limitantes, que criam uma burocracia desnecessária a uma história como essa.

Talvez o objetivo fosse a realização de um novo Drink no Inferno, em que o seu início segue a estrutura de um filme clássico de Quentin Tarantino e depois Robert Rodriguez dita a explosão do horror bizarro de vampiros. Se era, não ocorreu como planejado por causa da ausência dessa segunda característica, a do exagero, da galhofa. Pode-se contar nos dedos quantos zumbis aparecem. E até poderíamos entender Operação Overlord mais como uma produção de guerra do que como um terror de ação, se não fosse o fato de que há inúmeros clichês do gênero, como jump scares, e a própria insinuação constante de monstruosidades paranormais.

Mesmo este tom de O Resgate do Soldado Ryan só funciona até certo ponto, mais especificamente no primeiro ato e início do segundo. Os personagens são absolutamente desprovidos de carisma por isso, mas não por falta de potencial. Ford, por exemplo, que é interpretado pelo filho de Kurt Russell, Wyat, é barrado como o líder brucutu – tomara que continue seguindo os passos do pai - pelo moralismo usual do protagonista, Boyce (Jovan Adepo, também bom ator, mas que sofre pelo papel cansativo). Todos os outros sofrem por essas relações previsíveis e automáticas, que, já que não foram incorporadas ao grotesco, deveriam ter sido melhor trabalhadas.

E como os atores, o diretor Julius Avery demonstrou que tem talento, porém não conseguiu exibí-lo com toda a força, muito pelo roteiro mastigado de Billy Ray e Mark L. Smith. A câmera próxima dos personagens, como na ótima cena de abertura, e a disposição da ação em determinados espaços – o tiroteio noturno na floresta - comprovam que o cineasta tem uma visão de ideias, que podem ser colocadas na telona sem milhões de dólares. Apesar disso, ele se perde nos momentos em que precisa mostrar o horror e o caricato.

Aliás, o conceito dos zumbis super poderosos é inteligente e cria uma expectativa não atendida também na ação. Há um embate que acontece em um ponto da trama que gera muita empolgação não devolvida na execução. Na verdade, Operação Overlord é uma grande promessa em falso. É frustrante, porque não tinha motivo de um projeto como esse ter medo do público e da indústria, principalmente depois de dar o primeiro passo em direção à ousadia de um filme de baixo orçamento.

Nota: 4/10