quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Crítica: Creed - Nascido Para Lutar

Continuação e reboot, filme desafia a concepção de passado como homenagem ou fantasma.

Por Pedro Strazza.

Pode parecer dispensável, mas é importante tratar de contexto quando se fala do primeiro Rocky. Lançado em 1976, poucos anos depois do caso Watergate e da consequente renúncia do presidente Nixon, o filme vencedor do Oscar de Melhor Filme aproveitava (como tantos outros na época) do clima de desconfiança instaurado na sociedade após tal episódio para situar uma história de reconexões, protagonizada por um pugilista solitário e de ascendência europeia cuja missão era a de reunir as pessoas em torno de algo guiado puramente pelo emocional, o esporte. A cena final do longa, que traz Rocky e Adrian procurando um ao outro em meio ao caos do fim da luta, praticamente legitima esse processo da forma mais romântica possível, com um beijo que apesar de piegas se faz como solução ideal para essa crise.

Como na estrutura, o que Creed - Nascido Para Lutar aproveita desse raciocínio do original é a carcaça, mas no bom sentido. Conscientes do desafio que estabelecem a si mesmos, o diretor Ryan Coogler e seu parceiro no roteiro Aaron Covington aproveitam a noção de fundo histórico do original para mais uma vez costurarem os ânimos derrotados dos EUA em cima de um pugilista, só que tomando o cuidado de não transformar essa inclinação de respeito em reverencialismo descarado. Ao invés disso, o que se vê no longa é um esforço de estabelecer novos conceitos em cima de narrativas antigas.

É algo bastante natural, se considerarmos que o protagonista da vez é filho do antagonista do original. Além dessa troca de papéis - que também ocorre com o herói de antepassados europeus, agora um nêmesis estrangeiro - o filme também inverte a ascensão de riqueza de seu personagem principal. Para se tornar um grande lutador como seu falecido pai, Adonis Creed (Michael B. Jordan) deve abandonar o conforto da mansão da família em Hollywood para treinar com o aposentado Rocky Balboa (Sylvester Stallone) nas ruas frias de uma Filadélfia em recuperação dos efeitos da crise econômica.

Dessa forma, Coogler e a diretora de fotografia Maryse Alberti tem a oportunidade de mais uma vez filmar esses ambientes da mesma maneira deteriorada, com o diferencial desses espaços sugerirem um passado menos glorioso, em seus pôsteres acumulados e paredes descascadas. As locações também surgem como boa opção para a obra se estabelecer como um filme de empreendedorismo: ainda que faça o caminho idêntico de reunião com a sociedade que o cerca, Adonis também representa de certa maneira o futuro dos EUA, que com um legado tão pesado a carregar deve batalhar para honrá-lo e trazer novas glórias a este.

Porque no fundo Creed ainda é um filme de legado, seja como reboot disfarçado de continuação ou na relação que seu protagonista nutre com o pai ao qual nunca chegou a conhecer, mas ele continua a optar pelo novo sempre que possível, mesmo que para isso tenha de usar de elementos do passado. Se a trilha sonora de Ludwig Goransson aproveita de elementos das músicas de Bill Conti e as combina com elementos modernos (as batidas estridentes, sua rima aqui), Alberti investe nos longos planos para aumentar a euforia em cima de um Adonis emasculado nos momentos propícios, e Coogler se comprova como mestre na hora de juntar os dois e entregar a catarse pedida nas lutas.

Mas o elemento mais preso ao passado e que contribui para dar ao filme esse ar de nostalgia, claro, é o Rocky de Stallone. Sua função, porém, não é idêntica à vista em Rocky Balboa, no qual o antigo era visto com tristeza; mesmo que continue a ser figura trágica do sexto capítulo da franquia (ele é o único que não se foi), o personagem assume tanto o papel de mentor ao protagonista como serve de contraste - cômico ou dramático, graças a Stallone - com Creed, em uma maneira simples de botar em perspectiva as dificuldades de Adonis com as suas em 1976. É como se Coogler quisesse destacar na narrativa essa noção de que os EUA sempre se recuperam e dão a volta por cima dos piores momentos, sejam estes políticos ou econômicos.

É talvez nessa questão de comparação do antigo com o atual que Creed acabe por funcionar tão bem, e não apenas nas relações de pai e filho criadas na narrativa. Ao optar por refazer o arco de superação com pegada no legado, Coogler consegue tornar sua história mais legível para os fãs mais velhos e os que estão chegando agora, tirando o longa da mesmice ideológica de que o passado vem para nos assombrar. O fantasma de Apollo e Adrian, afinal, nunca aparecem para dificultar o caminho de Adonis ou de Rocky; eles são os motores ideais para que estes continuem a viver.

Nota: 8/10

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