Sétimo episódio retoma valores da aventura escapista com nova roupagem, mas sofre de presunção.
Por Pedro Strazza.
Filmes de escapismo são famosos por conseguirem uma aproximação muito maior com o espectador que de costume. Em voga na indústria desde o fim dos anos 70 com Star Wars, esse tipo de obra é capaz de propiciar a quem quer que o assista um espaço aonde possa fugir de sua realidade por alguns instantes, por meio de histórias que ofereçam lugares e personagens facilmente ocupáveis pela imaginação do público. A tendência em tais produções, claro, é a do envelhecimento, já que sua concepção na maioria das vezes é fruto da confluência dos eventos em torno de sua época, mas é interessante perceber como estas conseguem se manter sólidas com o tempo.
É justamente deste caráter paradoxal que a indústria cinematográfica se aproveitou para manter esses filmes - tornados franquias de imenso valor com o passar dos anos - ainda vivos em termos financeiros, e que a partir de 2015 buscam agora reintroduzi-los às novas gerações por meio de reboots mal disfarçados de continuações. Os resultados variam, muito por causa de uma questão que ao longo do ano se mostrou a chave para o sucesso ou o fracasso de tais reinícios: a adequação aos novos tempos.
Quem parece ter entendido muito bem esse fundamento é Star Wars. Em seu segundo recomeço nos cinemas em quase quarenta anos de história e pela primeira vez fora das mãos do criador George Lucas, a série de fantasia espacial refaz em O Despertar da Força as estruturas que a tornaram célebre em 1977, mas toma o cuidado de transpor estas para o novo milênio.
Isto é algo que se percebe tanto na superfície quanto nas camadas mais profundas do filme dirigido por J.J. Abrams. O roteiro escrito por Lawrence Kasdan, Michael Arndt e o diretor não apenas se preocupam em atender clamores dos novos tempos como a ascensão de protagonistas femininas mais relevantes ou da diversificação étnica de seu elenco, mas também de aproveitá-las de maneira inteligente para a história a ser contada. Este processo de modelação, tão relevante ao futuro do cinema de massas, se torna claro como água nas duas situações de princesa presa no castelo que o filme elabora, espertos em alterar o status quo sem fazer muito alarde em cima deste e, ao mesmo tempo, fazer avançar a trama de maneira orgânica.
Por outro lado, o longa também é inteligente em não querer fazer dessa adaptação um processo de negação ao legado. Ainda que com o passar do filme isso torne alguns momentos e situações previsíveis, a repetição de arcos de Uma Nova Esperança ajuda a tornar O Despertar da Força uma experiência nostálgica impressionante, muito porque tais arcos são reconhecíveis por qualquer pessoa nos dias de hoje. Um atributo exclusivo de Star Wars, diga-se de passagem: o épico espacial de Lucas é famoso por possuir esta mistura tão funcional de vários elementos de inúmeras culturas.
Nesse meio tempo, Abrams é sagaz em resgatar elementos que consagraram a trilogia original e sua fórmula escapista. Os tons dramáticos da história (que volta a assumir aqui aspectos de tragédia grega) são muito bem combinados com o humor característico da franquia em personagens como BB-8 e os stormtroopers, que voltam aqui a terem essa faceta de simultânea ameaça e comicidade. O retorno aos efeitos práticos, enquanto isso, confere aos cenários e às criaturas um realismo e peso extremamente necessário à produção, reforçando o teor sedutor da fantasia que atrai o espectador para fora da realidade.
Tudo isso para reintroduzir Star Wars, que ganha novos protagonistas à altura de seu legado. Com o elenco da primeira trilogia dando suporte, Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe Dameron (Oscar Isaac) provam suas funcionalidades ao conseguirem carregar sozinhos o primeiro ato da obra, e não são diminuídos quando figuras emblemáticas como Han Solo (Harrison Ford), Leia Organa (Carrie Fisher) e Chewbacca (Peter Mayhew) surgem para acompanhá-los.
A grande promessa desta trilogia anunciada e que ganha uma introdução excepcional neste sétimo episódio, porém, é Kylo Ren (Adam Driver), o grande antagonista deste primeiro capítulo. Trabalhado por Driver com sua figura magra, esquisita e forte, o vilão tem desenvolvido em O Despertar da Força uma persona complexa, digna de personagens dos dramas shakespearianos que Star Wars sempre bebeu da fonte. Sua figura fascinante, que mistura a postura de uma criança mimada com a de um jovem sedento por poder e de um homem plenamente confiante de suas decisões rende cenas brilhantes, auxiliados por um roteiro que sabe aplicá-lo bem aos acontecimentos.
Mas se Abrams e sua produção são eficientes nesse esforço de adaptação e reintrodução, falta perspicácia em outras questões importantes de roteiro. O uso dos coadjuvantes, por exemplo: Se nas figuras centrais existe uma narrativa que os encaixe e os apresente muito bem, muito dos personagens secundários não conseguem arranjar qualquer espaço para se destacar. Não à toa, elementos como a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), General Hux (Domhnall Gleeson) e o personagem de Max von Sydow acabam deslocados ou até encostados como R2-D2, quase a materialização desse problema inerente no filme.
Em parte, essa problemática surge da própria dificuldade de Abrams de às vezes se segurar no longa. Embora seus característicos flares (aqueles flashes que surgem quando a luz entra direto pela extremidade da lente da câmera) estejam bastante controlados, o diretor muitas vezes tem pressa de apresentar fatos importantes da história ou de estabelecer o seu tabuleiro lúdico. São atos de presunção que atrapalham o desenvolvimento, impedindo que o espectador entenda de fato o que está acontecendo no universo naquele momento.
No fundo, a grande força de O Despertar da Força é a de conseguir reapresentar uma franquia consagrada ao público em uma época completamente diferente à qual foi concebida. O esforço de repaginar e ao mesmo tempo retomar os valores da aventura despretensiosa, que vão de encontro às tentativas de Lucas de imbuir os episódios II e III de um significado político temporal, é capaz de agradar todos os públicos que a série hoje busca agradar sem tornar a série redundante. Combinando-se o passado com o futuro, encontra-se um presente que, senão catártico agora, é bastante promissor no momento.
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