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sábado, 29 de outubro de 2016

Crítica: O Nascimento de uma Nação

Violência histórica busca contornos de épico negro em filme de pouca catarse.

Por Pedro Strazza.

Está claro desde os primeiros momentos os objetivos de Nate Parker com O Nascimento de uma Nação, filme que retrata a violenta rebelião de escravos ocorrida no estado americano da Virginia em 1831. Não somente porque o título remete ao longa homônimo de D.W. Griffith - fundamental à História do cinema dos EUA mesmo dotado de um racismo protuberante -, a produção já em suas primeiras cenas evidencia as suas aspirações aos épicos mais tradicionais, que busca incorporar à cultura negra estadunidense que ali encontra-se em plena formação.

A referência imediata de Parker aqui curiosamente é com o Êxodo, trama religiosa clássica que prevê irmãos sociais entrando em pé de guerra. Essa dinâmica se forma entre o protagonista e líder da rebelião Nat Turner (Parker) - que tem seu quê de Moisés, com a cultura africana que herda da família e sua figura de escolhido apresentado no início - e seu dono, o jovem fazendeiro Samuel Turner (Armie Hammer), cujas distintas e rápidas ascensões à liderança e suas maneiras de lidar com isso dominam os primeiros dois terços da trama. Para o último, a responsabilidade vem pela necessidade de assumir desde cedo as terras da família por causa da morte súbita do pai, tendo de lidar com todas as pressões da sociedade escravocrata ao qual adentra para manter o nome familiar intacto; para Nat, ela surge pelo papel de pregador dos negros que ganha após ter suas habilidades de leitura descobertas pela mãe de Samuel, Elizabeth (Penelope Ann Miller), e na sua posição de hipocrisia ao ter de suavizar o sofrimento dos escravos aos quais prega.

Enquanto situado nesse molde, O Nascimento de uma Nação funciona para deixar à mostra a tragédia dos tempos de escravidão, um trauma que até os dias de hoje está presente nas relações dos Estados Unidos e do mundo. Precisando se desenvolver em um mundo de injustiças, as lutas próprias de Samuel e principalmente Nat para se manterem íntegros sofre golpes constantes pelos eventos atrozes aos quais são forçados a testemunhar e até realizar, maus tratos a seres humanos cuja única culpa que carregam é a cor de sua pele. E em seu afã de fazer um filme que trate da "real" História dos Estados Unidos, Parker não hesita em retratar a violência, não desviando a câmera nas cenas viscerais do roteiro que ele mesmo escreve.

O diretor, porém, tem dois problemas bastante danosos nessa narrativa. A primeira, mais sutil, é sua dificuldade de relacionar as dores de seu protagonista com a luta social que aos poucos se manifesta: Enquanto o arco percorrido por Nat na trama sugere uma complexidade emocional e raiva interior, os escravos que o cercam parecem existir apenas para aumentar sua fúria contra os brancos escravocratas. Embora o longa trabalhe com coadjuvantes recorrentes, todos os traumas aos quais o personagem é obrigado a testemunhar enquanto padre soam como fruto de um momento imediato, de uma violência que começa e se encerra ali. Quando ele enfim se revolta e lidera a rebelião, a obra mais soa como uma história de vingança que o épico de enfrentamento racial e do "nós contra eles" propriamente dito. O "lute por nós" dito pela esposa Cherry (Aja Naomi King) não poderia representar melhor este processo.

O segundo elemento dissonante - e o mais problemático - é o instante em que o filme tem de deixar de lado o retrato para realizar o ato de violência. Quando é para colocar a mão em armas e proporcionar à obra o veio pulsante da revolta, enfim tornando claro a origem dos conflitos que ele busca tanto mostrar e assumindo o viés de Spartacus da trama (a espada na parede é a referência mais direta possível, nesse sentido), Parker recua. A rebelião de 48 horas no longa parece durar cinco minutos, e a fúria se traduz em cenas que não querem sair do protocolo.

Isso ocorre talvez porque o cineasta queira apenas evidenciar as origens ao invés de partir para a ação ou porque ele no fim se dê melhor com o drama maniqueísta (vale dizer, Jackie Earle Haley ainda sabe como trabalhar papéis detestáveis), mas a verdade é que essa hesitação no clímax priva O Nascimento de uma Nação de uma sensação de catarse primordial. Sem isso, o filme torna-se numa obra de justiça histórica um tanto quanto complacente, incapaz de assumir a raiva que carrega para conceber uma revolta de momento, sem forças para ir além da situação retratada. Uma pena, pois os EUA de hoje precisa mais do que nunca de obras de reflexão histórica sobre o racismo.

Nota: 6/10

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Crítica: Paterson

Elegia aos hábitos do dia-a-dia.

Por Pedro Strazza.

Como todo filme sobre poesia que se preze, Paterson deixa mais claro sua proposta em uma de suas cenas finais. Nela (e sem entrar em muitos detalhes sobre os eventos da trama), após experimentar um momento trágico, o protagonista vivido por Adam Driver vai passear sozinho para clarear as idéias, e depois de muito procurar encontra um lugar para descanso em um banco de frente para a cachoeira que é cartão postal da cidade onde mora. Na composição de um dos planos da cena que ocorre a seguir, vemos o personagem de costas olhando para esse monumento da natureza, que no alto tem uma bandeira dos EUA hasteada e tremulando.

A maneira como o símbolo estadunidense máximo é inserido - de um modo quase no estilo de um confessionário, como se Driver estivesse lamentando suas dores não ditas para a bandeira – revela o quão ligado o longa do diretor Jim Jarmusch está ao cenário do país, o que ajuda a entender a estrutura até então enigmática. Esse mistério surge, porém, não por causa de uma complexidade maior da trama, mas sim pelo que é a aparente vida trivial do protagonista.

Escrito por Jarmusch, o filme acompanha durante uma semana o cotidiano de Paterson (Driver), um motorista de ônibus da cidade de Paterson que tem uma rotina das mais repetitivas: Ele acorda ao lado da esposa Laura (Golshifteh Farahani) às seis e pouco da manhã, toma sucrilhos em um copo de leite, caminha em direção ao trabalho, escreve suas poesias em um caderno secreto antes de começar o dia, dirige o ônibus, entrega o ônibus ao parceiro (que vive a reclamar dos problemas financeiros de casa), volta caminhando para casa, conversa com a mulher, janta, leva o cachorro para seu passeio noturno e termina a noite no bar local. Sua ordem estabelecida, porém, começa aos poucos a ser desfeita nos sete dias que se seguem.

Essa interrupção na rotina é somente um dos muitos traços que Paterson tem em comum com Amantes Eternos, longa anterior do diretor que apesar de tratar de vampiros imortais também tinha na repetição algo a ser enfrentado e a arte como meio de escape à dura realidade do país nos tempos posteriores à crise de 2008. O que há de diferente entre os dois trabalhos é a maneira como essa fuga atua nos personagens: Se os apreciadores de sangue humano de Tilda Swinton e Tom Hiddleston apreciavam a música e a literatura para evitar considerar sobre os rumos históricos, o motorista de ônibus de Driver escreve sua poesia baseando-se no olhar, tirando belas palavras da banalidade de seu pequeno mundo de forma a disfarçar um tempo nublado que se forma no horizonte.

Isso ocorre porque Jarmusch aqui realiza uma espécie de elegia a uma vida mais simples, calcada num american way que presume acima de tudo o bem estar familiar de casa e busca a beleza nas pequenas coisas. Não à toa, existe no longa uma presença constante de duplos que se complementam ou são iguais, dos dois pares de gêmeos presentes na história aos casais que entram em choque para depois se refazerem, passando pelo divertido encontro de Paterson com uma garotinha que também escreve poesia. Mesmo o relacionamento do protagonista com a esposa passa por esse processo, com o deleite do motorista com o ordinário contrapondo a necessidade de Laura em se expressar ou de fazer algo diferente todo dia.

A vida da cidade pacata torna-se então num oásis dentro do caos que se instala nos EUA do pós-crise, cuja inevitabilidade aos poucos se instala. Nesse sentido, as interrupções nos hábitos do protagonista servem para denotar a precariedade do sistema ao qual ele e os outros estão inseridos, formando uma alegoria para as mudanças estruturais do país de tempos recentes. Dos movimentos mais estrondosos (o ônibus quebrado, a grande tragédia mencionada no início do texto) aos mais discretos (o atraso para a caminhada, quando Paterson desperta do sono e não vê a mulher na cama), o filme desfaz o espaço na realidade encontrado pelo personagem principal para suportar o cotidiano.

Tal desfazimento, porém, não impede Paterson de ser um filme inesperadamente otimista. Não apenas pela maneira como retrata a cidade – bem distante da decrepitude da Detroit de Amantes e próxima de um sonho com toques realistas -, Jarmusch faz do longa uma mensagem de esperança para essas mudanças que chegaram, no fim preservando a funcionalidade da rotina e fazendo do futuro uma página em branco que nas palavras do estrangeiro que conversa com Paterson no momento da cachoeira tem “mais potencial que as escritas”. Mesmo ingênua, esta é uma forma agradável de pensar os próximos caminhos e enxergar a arte como canal deste processo.

Nota: 7/10

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Crítica: Martírio

Documentário alcança o ponto de encontro entre cinema e causa social.

Por Pedro Strazza.

Em seu grande hall de injustiças históricas feitas a minorias, o Brasil talvez tenha na figura do índio seu integrante mais antigo. Desde a descoberta do país pelos portugueses, as populações indígenas passam por uma trajetória de extermínio e deslocamento, tendo as cada vez mais reduzidas tribos expulsas de seus territórios para viver em locais nada propícios a tal fim. Tudo em nome de um suposto progresso nacional, que faz questão de deteriorar a imagem do índio e transformá-lo em um mero invasor de terras e incômodo aos grandes e nobres proprietários de terra.

É da necessidade de recontar a História e realizar o retrato contemporâneo desse povo que parte Martírio, novo filme do documentarista e antropólogo Vincent Carelli. Acompanhando o sofrimento passado por índios guarani-kaiowá para recuperar suas terras no Mato Grosso do Sul enquanto simultaneamente refaz o percurso do índio no processo histórico brasileiro, o longa tem como propósito central a ressignificação dessa população dentro do imaginário e da sociedade brasileira.

Carelli tem perfeita compreensão do tema que discute. Documentando a luta dos guarani-kaiowá desde 1988, o cineasta concebe uma narrativa fluida e bastante didática, que dê conta de traçar um panorama dessa população sem perder de vista o lado emocional. É um estudo antropológico desprovido de elitismos, que dá ao espectador o caminho para se envolver com a situação mesmo que não se tenha no filme personagens que sirvam de presença constante em suas quase três horas de duração a não ser a própria equipe de produção.

O panorama, claro, é complexo. Cinema puro de causa social, Martírio tem no quadro histórico uma potência para escancarar os diferentes níveis e processos de marginalização aos quais o índio foi submetido, desde a escravização até as formas de "acolhimento" que o Estado da ditadura e dos governos atuais deram a essas tribos. Os fatos guiam a história sem nunca exatamente assumir um papel de autoridade - como algo dogmático e informativo em seu viés mais burocrático -, mas de forma a proporcionar no público o sentimento de tragédia que domina esse trajeto.

O longa, porém, é esperto de envolver neste relato o lado pessoal, e é aí que a obra alcança seus objetivos. As memórias e experiências de Carelli - que narra o filme - na documentação da luta são um fio condutor ideal para o diretor envolver o público, e como contador de histórias ele tem perfeita noção de como surpreender seu espectador. A produção mantém um ritmo impecável nesse sentido, provocando choques e reviravoltas a todo instante.

Essa combinação de narrativas faz de Martírio um filme envolvente e decididamente de impacto, mas o que Carelli realiza nos últimos minutos potencializa a obra no campo do limite da arte e realidade que no fim é vital ao documentário. Ao conferir aos índios poder sobre a imagem, como um verdadeiro Prometeu a dar o fogo aos homens, Carelli chega enfim ao ponto de intersecção entre retrator e retratado, tornando o cinema social em algo capaz de auxiliar na luta. O controle sobre a História, agora, muda de mãos.

Nota: 9/10

Crítica: Ma' Rosa

Brillante Mendoza escapa do senso comum, mas não chega a reinventar subgênero como gostaria.

Por Pedro Strazza.

Filmes que tratam da temática dos marginalizados, especialmente aqueles ambientados na favela, tem a tendência natural de assumir a causa social como norte, seja pela militância ou por sua faceta mais perversa. É um viés inevitável de qualquer produção do tipo, mas hora ou outra aparece alguma produção disposta a desafiar estes conceitos. Ma' Rosa, novo trabalho do diretor Brillante Mendoza, é um desses filmes.

Escrito por Troy Espiritu, o longa acompanha Rosa (Jaclyn Jose) e Nestor (Julio Diaz), casal que junto dos três filhos toca uma lojinha na região periférica de Manila e, para ajudar a pagar as contas, usa o local como ponto de venda de drogas pesadas. Certa noite, porém, os dois são presos em flagrante pela polícia, que mantendo-os presos na central pedem por um caríssimo suborno para liberá-los. Os filhos, então, passam a correr atrás de recursos que libertem seus pais.

Permeado por personagens tipo conhecidos do subgênero (o traficante, o policial corrupto, o ladrão, o prostituto, etc), a história é desenvolvida por Mendoza como um filme lúdico e que privilegia os espaços como seu campo de atuação. Sinal mais claro disso está na delegacia e na sala onde grande parte da trama se passa, local que o diretor filipino desenvolve uma dinâmica pautada por planos longos e dominado por constantes aproximações de câmera nos elementos que lhe importam no momento. É uma maneira inusitada de criar uma maior tensão nas cenas, que pelas shaky cams fazem o conhecido retrato da sujeira institucional na polícia sem necessariamente criar algum julgamento sobre tal.

Essa medida tira Ma'Rosa do campo do óbvio, mas também não faz muito na hora de dar sustentação a ele. Ao deixar de lado a crítica social, o longa parece ser incapaz de substituir a temática por outra de igual valor, o que por consequência a esvazia de significado. Mendoza até ensaia nos últimos momentos uma união familiar em meio à crise, mas seu filme não escapa de se situar sobre um senso comunitário arredio que domina os personagens e os diversos mundos que habitam mesmo estando em um mesmo ambiente.

Se isso chega a funcionar alguma vez, é porque a dinâmica espacial do diretor é muito bem resolvida, como nas duas cenas que envolvem um personagem fazendo a travessia do fundo até a fachada da delegacia e (principalmente) na situação claustrofóbica que se concebe no palco central da delegacia. O clichê da câmera tremida permanece aqui como um elemento importante para situar o espectador no cenário do marginalizado, mas ganha retoques de um primeiro ato de truque de mágica, disfarçando um experimento de subgênero inesperado de obra que segue todos os moldes deste. Uma pena, então, que a parte final dessa mágica seja um tanto quanto decepcionante.

Nota: 5/10

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Crítica: O Apartamento

Asghar Farhadi repete dramas e renega o que há mais de interessante na narrativa.

Por Pedro Strazza.


É comum no cinema que diretores aproveitem a abertura de seus filmes para transmitir uma espécie de anunciação ao espectador, um gesto inicial que diga a este qual é o seu objetivo com a obra em mãos. No caso de O Apartamento, o iraniano Asghar Farhadi inicia o longa com duas cenas: na primeira, que acompanha os créditos iniciais, um pequeno palco vai sendo iluminado por uma equipe; a segunda, filmada em um plano sequência, acompanha o desespero de moradores de um prédio que no meio da noite são obrigados a saírem de seus apartamentos porque o edifício está quase desabando por causa da construção vizinha.

São dois momentos distintos cuja relação entre si ajuda a delimitar a temática do filme, mas que também provocam posteriormente um sentimento de frustração. Se Farhadi a princípio parece ensaiar um filme de espaços e encenação (e portanto um trabalho mais metalinguístico dentro de seu cinema de dramas contidos) ao apresentar o cenário de uma peça sendo iluminado, essa proposta aos poucos se dissipa e dá lugar a um longa de maiores raízes com a cultura de seu país. Nesse ponto, a sequência do desespero dos moradores dá maiores pistas ao espectador sobre o conteúdo da produção, principalmente quando termina seu longo plano enfocando a escavadeira que do lado de fora é responsável pelos abalos interiores na estrutura do prédio.

São esses mesmos abalos que se sucedem na vida do casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) após serem obrigados a saírem de seu lar no antigo edifício, indo viver em um pequeno flat enquanto não encontram lugar melhor para ficar. Certa noite, o apartamento é invadido e Rana é encontrada desacordada e com machucados no rosto pelos vizinhos, que assumem que o responsável por tais atos tenham algo a ver com a antiga moradora, considerada por todos como promíscua. Extremamente incomodado com o mistério do invasor e da antiga inquilina, Emad parte então em busca de respostas.

O roteiro de Farhadi trabalha aqui com noções de público e privado dentro de um contexto de drama de relações, aproveitando-se disso para problematizar a contenção cultural característica do Irã. Esse viés do roteiro fica evidente nas situações que demonstram o trauma do casal em se tornar o centro das atenções por causa da invasão domiciliar, seja no colégio onde Emad leciona literatura para um grupo de garotos ou na peça em que eles atuam. Escancarar a vida pessoal do próximo, aqui, é um ato de impacto, capaz de destruir uma pessoa pela mera revelação de um fato de sua vida.

O que o diretor talvez não perceba, porém, é o quanto de sua estrutura acaba pro se tornar em gordura por causa dessa decisão, limitando a obra a ser pautada apenas sobre tais situações. O ambiente do teatro é o que melhor escancara essa problemática, ao fornecer ao longa uma dinâmica de espaços (com os dois apartamentos e mesmo a sala de aula) que nunca chega a ser explorada pelo roteiro, mas não é o único. Farhadi enfoca tanto a questão da importância do privado em suas relações que depois mostra dificuldades em estabelecer a delicada situação entre os dois protagonistas, somente insinuada em momentos pontuais.

Essa dificuldade aos poucos se acumula na narrativa e é a grande responsável por tornar arrastado o clímax do filme, justo o momento em que os longas de Farhadi explodem para revelar a precariedade das relações entre seus personagens. Já a verdadeira presepada que se sucede no fim de O Apartamento vem para revelar a precariedade de sua própria estrutura, que de tão comprometida com seu fim acaba por relegar o resto ao fundo de cena.

Nota: 4/10

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ESPECIAL: 40° Mostra de São Paulo

Entre os dias 20 de outubro e 2 de novembro é realizado na capital paulista a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, tradicional festival de cinema que este ano traz 322 filmes a salas espalhadas pela cidade.

Além do foco polonês, a edição deste ano faz uma homenagem ao cineasta italiano Marco Bellocchio - autor do pôster da 40° Mostra - e conta com retrospectivas de diretores consagrados, como Andrzej Wajda, Jim Jarmusch e Willian Friedkin.

A 40° Mostra de São Paulo terá cobertura do O Nerd Contra Ataca, cujas críticas e especiais você confere na lista abaixo. Bons filmes!

Outras coberturas da Mostra

domingo, 23 de outubro de 2016

Crítica: Invasão Zumbi

Combinação de adrenalina e George A. Romero, terror é cartunesco e claustrofóbico em seus melhores momentos.

Por Pedro Strazza.

Chega a ser um pouco transparente demais as influências que o sul-coreano Yeon Sang-ho teve ao conceber Invasão Zumbi, terror que estreou no Festival de Cannes e que vem ganhando atenção especial do público desde então. Cineasta emerso da animação, o diretor e roteirista adota como norte para o longa principalmente o ritmo frenético, ponto característico de sua área de experiência, e o flerte constante com a obra de George A. Romero, pai do gênero ao qual ele agora busca se encaixar.

São duas máximas que logo se convertem em convenções no longa, que segue um grupo de passageiros de um trem em busca de uma escapatória do apocalipse zumbi que acaba de estourar. Para isso, eles precisam chegar à estação da cidade de Busan, local onde em teoria há uma das últimas zonas de segurança contra a infecção de causas desconhecidas. O caminho até lá, porém, não será dos mais fáceis, e é nesse cenário que Sang-ho aproveita para trabalhar seus sets de ação desesperadores e da mais pura pretensão lúdica.

Nesse sentido, Invasão Zumbi é ao mesmo tempo um filme bastante honesto e recompensador no que faz. Com personagens estereotipados e uma alegoria social adequada à realidade coreana em mãos, a produção sabe se valer do ambiente claustrofóbico do trem onde a maioria da história se passa para imprimir tensão, ainda mais com uma dinâmica tão corrida e dotada de uma fisicalidade rara ao gênero hoje - os personagens não exatamente possuem muitos recursos além dos próprios punhos para se defender dos zumbis atléticos que os perseguem. O uso disso para criar imagens que remetem à questão do crescimento desenfreado da população no país ajuda a tornar tudo isso ainda mais único, diferenciando a obras de tantas outras no tema.

Mas em meio a essa habilidade em lidar com uma narrativa mais dinâmica o diretor talvez acabe por se apoiar demais nos próprios referenciais, o que não só leva o longa ao campo do óbvio como também o transforma num trem sem freio e desgovernado. Prova disso é o terceiro ato do filme, que longe das situações contidas oferecidas anteriormente usa demais dos clichês para resolver os arcos dos personagens em caráter quase sequencial, envolvendo questões de sacrifício e sobrevivência que parecem funcionar apenas no sentido de retardar o "frenetismo" da produção. Nesse momento, Sang-ho confunde o flerte com cópia, e assume um conjunto de resoluções que já foi levado à exaustão no cinema de Romero.

No fim, o que faz de Invasão Zumbi um trabalho tão divertido é essa mistura de uma ação mais cartunesca e típica da produção sul-coreana - os zumbis quase dançam break dance em suas poses e tremeliques - com a alegoria social típica do gênero, que preza por uma mensagem forte sem perder de vista o entretenimento. O exercício de conciliação dessas duas partes parece ser suficiente a Sang-ho, que no resto não pode fazer muito mais além de injetar adrenalina.

Nota: 6/10

Crítica: A Criada

Diretor de Oldboy faz mais uma obra de perversidade, agora de significações mais complexas.

Por Pedro Strazza.

De início, A Criada é um filme que ensaia combinar temas complexos. O novo trabalho de Park Chan-wook situa-se, afinal, na Coréia dos tempos de ocupação japonesa, um cenário histórico por si só de amplas possibilidades, e sua trama de romance entre duas mulheres tende a ocupar esse espaço político de rivalidade com naturalidade. Mas como qualquer obra de Chan-wook que se preze, essa estrutura esconde algo que vai muito além das aparências.

Baseado no livro homônimo de Sarah Waters, o longa acompanha a história de Sook-Hee (Tae Ri Kim), uma experiente e pobre vigarista coreana que é enviada por seu superior (Ha Jung-woo) para ser criada de Lady Hideko (Kim Min-hee), herdeira de uma grande riqueza. O plano é simples: criando intimidade com sua senhora, ela facilitaria os planos do golpista - disfarçado sob o nome de Conde Fujiwara - de dar o golpe do baú na mulher, casando-se com ela para depois trancá-la no hospício e ficar com o dinheiro. Sook-he, porém, começa a se apaixonar por Hideko, simpatizando com sua tristeza por estar isolada da sociedade pelo tio (Jo Jin-woong), que também planeja se casar com ela por motivos financeiros.

A partir deste ponto não vale a pena entrar em maiores detalhes da trama, até porque o filme se faz bastante em cima das sucessivas reviravoltas que produz. O que pode ser dito é que Chan-wook realiza aqui mais uma obra de intenções lúdicas, que se estrutura em cima de uma dinâmica repleta de perversidades sexuais e constantemente brinca com flashbacks e noções de duplos - no primeiro ato isso fica menos evidente, mas está presente no viés de O Príncipe e o Mendigo lésbico da amizade entre Sook-Hee e Hideko - para desestabilizar o público.

O ambiente é bastante propício ao diretor, cujo cinema já é conhecido por obras que tem no choque seu principal chamariz, mas A Criada acaba por sofrer abalos justo nisso que é seu ponto mais forte. Preocupado em traduzir para a tela a sua complexa rede de intrigas e traições, o longa não dá conta de manter em foco as temáticas manifestadas nas relações de dominação (seja sexual ou política) dos personagens, o que esvazia a trama de um impacto simbólico e a torna refém de suas viradas. A preocupação em não deixar ponto sem nó é tão grande que no fim ele se dedica somente a isso.

Não que A Criada se faça como um filme efetivamente vazio, de puro ludismo disfarçado de falsos significados; Chan-wook sabe manter o básico da coerência das questões propostas, até porque elas estão inseridas em seu jogo de perversidades e potencializam sua proposta - a relação das duas protagonistas, por exemplo, não deixa de emular a situação política da época nos momentos mais, vamos dizer, intensos. A dúvida é se a produção tem consciência do desenvolvimento natural dessa mecânica no roteiro (e portanto se deixar guiar por ela como forma de aumentar o impacto) ou se ela a possui como mero acessório de luxo.

Nota: 7/10