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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Crítica: Carnaval de Meus Demônios

HQ evidencia crescimento e sobriedade de seu autor.

Por Pedro Strazza.

Enquanto segundo trabalho autoral, é curioso perceber como Carnaval de Meus Demônios parece ser tudo menos um quadrinho feito por alguém em começo de carreira. Com pouco mais de 22 anos, Guilherme Petreca demonstra aqui ter tanto domínio invejável dos aspectos mais básicos da arte sequencial quanto sobriedade narrativa incomum à idade, capaz de manter sob controle o lado emocional de um quadrinho que, como bem indica o título, se pauta justamente nesse âmbito.

Ambientado em um mundo de sonho feito sem diálogos e de pouco personagens, a obra se constrói em uma narrativa horizontal simples, que guia o olho da esquerda para a direita para contar a história de um garotinho e seu balão. O traço do quadrinista, porém, busca não dinamizar o movimento de leitura e sim de retardá-lo aos poucos: Petreca ocupa as páginas de sua HQ em um notável arco crescente de ilustração, preenchendo com figuras que atendem às demandas e caprichos propostos pela trama.

Por outro lado, é interessante o equilíbrio do autor ao jogo de simbolismos apresentado. Embora fiquem escancarados de imediato as alegorias ao fim da infância e o advento da maturidade, desenvolvidas nas relações criadas entre o protagonista, o líder ameaçador de uma verdadeira horda de criaturas assustadoras e uma terceira personagem, o livro evita fazer da maior presença do lado oníricos um motivo para pesar na narrativa as escolhas de sua simbologia. A bem da verdade, ele se usa disso para alimentar a estética de seu pesadelo, ainda que ao longo da história Petreca acabe por não se utilizar tanto do luz e sombra em suas ilustrações.

O mais inesperado, entretanto, é que a obra não chegue a soar tão pessoal como pareça soar a princípio. Os esforços inconscientes do autor em tornar sua história uma extensão de suas emoções - caminho natural da grande maioria dos artistas em começo de carreira - dissipam pela universalidade do tema, reforçados pela ausência total de texto na narrativa. É como se a HQ fosse de autoria de alguém experiente, com anos de carreira que permitissem a ele silenciosamente se abrir e se conectar com o leitor.

Daí talvez que venha esse caráter inesperado e quase paradoxal de Carnaval de Meus Demônios. Mesmo que seja o segundo quadrinho de seu autor, a obra possui elementos extremamente naturais de artistas experientes, seja no clima de terror pouco imediatista ou mesmo no olhar adulto que se dá a uma história de pinceladas juvenis. Seja o que for, é evidente que Petreca demonstra aqui estar acima de outros tantos quadrinistas de sua idade.

Nota: 8/10

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Crítica: Saga (Volume 2)

O gato e rato de Vaughan e Staples segue em sua primorosa trama disfarçada de simplicidade.

Por Marina Ammar.

Deixando o leitor na curiosidade no fim de seu primeiro volume, Saga inicia a continuação de sua história por uma retrospectiva da infância de Marko, mostrando um pouco sobre sua criação e a relação com seus pais – que, paralela a outras, criará nesse volume um tema de laços familiares.

Seja com Marko e seus pais, Marko e Alana (com ou sem a pequena Hazel), na relação entre O Querer e a menina que resgata, ou mesmo do escritor contando do filho que perdeu no conflito entre Aterro e Grinalda, o segundo volume desacelera – sem perder a urgência – sua questão “Papa-Léguas” para desenvolver a apresentação ao lado humanizado do conflito, fornecendo receios, medos e ansiedades igualmente à protagonistas e antagonistas, criando assim um equilíbrio excelente entre as forças envolvidas onde nenhum lado jamais será o humilhado Coiote.

Ambos os lados sofrem, erram, e também avançam, mantendo a perseguição com interessante com exímia habilidade do roteiro de Brian K. Vaughan, que em união com a arte de Fiona Staples, que cria força em seus momentos de expressão, tanto facial quanto corporal, gera mais aberturas para a relação entre leitor e personagens, expandindo a experiência de se imergir da urgência da fuga do casal, mas também na urgência em pegá-los de cada um de seus perseguidores.

E essa é a melhor parte. Apesar de apresentados como os protagonistas, e de serem um símbolo devido à sua condição matrimonial e a existência de Hazel, Marko e Alana não são heróis. O argumento é reforçado no arco que apresenta os dois, contando como se conheceram, e mais tarde, sobre a concepção de Hazel, expondo ainda mais a condição de casal jovem, inexperiente e impulsivo, que apesar de não estarem errados, tampouco são os donos de todas as verdades que afetaram e afetarão no decorrer da história.

Com isso, e a humanização ainda maior dos perseguidores e de suas causas individuais, Saga 2 elimina de sua narrativa a condição preto e branca de herói e vilão: existem perseguidores e perseguidos, e cada um deles defende os próprios princípios, as vidas que amam, e as próprias, permitindo que o leitor torça para quem desejar, enquanto Vaughan procura, por meio de argumentos inteligentes e aguçados, defender Marko e Alana como aqueles que merecem torcida.

Mantendo, portanto, sua capacidade de disfarçar tramas complexas em acontecimentos simples e bem posicionados, o volume 2 de Saga avança ainda mais fundo em sua perseguição e nas consequências desta, desenvolvendo ainda mais o mundo ao redor, apresentando novos personagens, – Gwendolyn, a ex-noiva de Marko, e o escritor do adorado livro na estilística “Romeu e Julieta” disfarçado de literatura “de banca” de Alana, D. Oswald Heist, são surpreendentes tanto em design quanto na participação que tem e prometem ter na trama – novas criaturas, e novo maquinário, sem nunca expor de forma tediosa e escancarada.

Cada novo elemento segue ao longo da linha narrativa principal, e seu momento de entrada definitivo é sempre suave. Nada necessita explicação além daquilo que é fornecido, ou que virá a ser, e assim como flui a caçada atrás de Marko e Alana, flui a criação do universo do quadrinho que continua a executar de forma exímia sua proposta, e nos convence ainda mais que será capaz de se tornar um novo e memorável épico da Era Contemporânea.

Nota: 9/10

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Crítica: Star Wars - O Despertar da Força

Sétimo episódio retoma valores da aventura escapista com nova roupagem, mas sofre de presunção.

Por Pedro Strazza.

Filmes de escapismo são famosos por conseguirem uma aproximação muito maior com o espectador que de costume. Em voga na indústria desde o fim dos anos 70 com Star Wars, esse tipo de obra é capaz de propiciar a quem quer que o assista um espaço aonde possa fugir de sua realidade por alguns instantes, por meio de histórias que ofereçam lugares e personagens facilmente ocupáveis pela imaginação do público. A tendência em tais produções, claro, é a do envelhecimento, já que sua concepção na maioria das vezes é fruto da confluência dos eventos em torno de sua época, mas é interessante perceber como estas conseguem se manter sólidas com o tempo.

É justamente deste caráter paradoxal que a indústria cinematográfica se aproveitou para manter esses filmes - tornados franquias de imenso valor com o passar dos anos - ainda vivos em termos financeiros, e que a partir de 2015 buscam agora reintroduzi-los às novas gerações por meio de reboots mal disfarçados de continuações. Os resultados variam, muito por causa de uma questão que ao longo do ano se mostrou a chave para o sucesso ou o fracasso de tais reinícios: a adequação aos novos tempos.

Quem parece ter entendido muito bem esse fundamento é Star Wars. Em seu segundo recomeço nos cinemas em quase quarenta anos de história e pela primeira vez fora das mãos do criador George Lucas, a série de fantasia espacial refaz em O Despertar da Força as estruturas que a tornaram célebre em 1977, mas toma o cuidado de transpor estas para o novo milênio.

Isto é algo que se percebe tanto na superfície quanto nas camadas mais profundas do filme dirigido por J.J. Abrams. O roteiro escrito por Lawrence Kasdan, Michael Arndt e o diretor não apenas se preocupam em atender clamores dos novos tempos como a ascensão de protagonistas femininas mais relevantes ou da diversificação étnica de seu elenco, mas também de aproveitá-las de maneira inteligente para a história a ser contada. Este processo de modelação, tão relevante ao futuro do cinema de massas, se torna claro como água nas duas situações de princesa presa no castelo que o filme elabora, espertos em alterar o status quo sem fazer muito alarde em cima deste e, ao mesmo tempo, fazer avançar a trama de maneira orgânica.

Por outro lado, o longa também é inteligente em não querer fazer dessa adaptação um processo de negação ao legado. Ainda que com o passar do filme isso torne alguns momentos e situações previsíveis, a repetição de arcos de Uma Nova Esperança ajuda a tornar O Despertar da Força uma experiência nostálgica impressionante, muito porque tais arcos são reconhecíveis por qualquer pessoa nos dias de hoje. Um atributo exclusivo de Star Wars, diga-se de passagem: o épico espacial de Lucas é famoso por possuir esta mistura tão funcional de vários elementos de inúmeras culturas.

Nesse meio tempo, Abrams é sagaz em resgatar elementos que consagraram a trilogia original e sua fórmula escapista. Os tons dramáticos da história (que volta a assumir aqui aspectos de tragédia grega) são muito bem combinados com o humor característico da franquia em personagens como BB-8 e os stormtroopers, que voltam aqui a terem essa faceta de simultânea ameaça e comicidade. O retorno aos efeitos práticos, enquanto isso, confere aos cenários e às criaturas um realismo e peso extremamente necessário à produção, reforçando o teor sedutor da fantasia que atrai o espectador para fora da realidade.

Tudo isso para reintroduzir Star Wars, que ganha novos protagonistas à altura de seu legado. Com o elenco da primeira trilogia dando suporte, Rey (Daisy Ridley), Finn (John Boyega) e Poe Dameron (Oscar Isaac) provam suas funcionalidades ao conseguirem carregar sozinhos o primeiro ato da obra, e não são diminuídos quando figuras emblemáticas como Han Solo (Harrison Ford), Leia Organa (Carrie Fisher) e Chewbacca (Peter Mayhew) surgem para acompanhá-los.

A grande promessa desta trilogia anunciada e que ganha uma introdução excepcional neste sétimo episódio, porém, é Kylo Ren (Adam Driver), o grande antagonista deste primeiro capítulo. Trabalhado por Driver com sua figura magra, esquisita e forte, o vilão tem desenvolvido em O Despertar da Força uma persona complexa, digna de personagens dos dramas shakespearianos que Star Wars sempre bebeu da fonte. Sua figura fascinante, que mistura a postura de uma criança mimada com a de um jovem sedento por poder e de um homem plenamente confiante de suas decisões rende cenas brilhantes, auxiliados por um roteiro que sabe aplicá-lo bem aos acontecimentos.

Mas se Abrams e sua produção são eficientes nesse esforço de adaptação e reintrodução, falta perspicácia em outras questões importantes de roteiro. O uso dos coadjuvantes, por exemplo: Se nas figuras centrais existe uma narrativa que os encaixe e os apresente muito bem, muito dos personagens secundários não conseguem arranjar qualquer espaço para se destacar. Não à toa, elementos como a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), General Hux (Domhnall Gleeson) e o personagem de Max von Sydow acabam deslocados ou até encostados como R2-D2, quase a materialização desse problema inerente no filme.

Em parte, essa problemática surge da própria dificuldade de Abrams de às vezes se segurar no longa. Embora seus característicos flares (aqueles flashes que surgem quando a luz entra direto pela extremidade da lente da câmera) estejam bastante controlados, o diretor muitas vezes tem pressa de apresentar fatos importantes da história ou de estabelecer o seu tabuleiro lúdico. São atos de presunção que atrapalham o desenvolvimento, impedindo que o espectador entenda de fato o que está acontecendo no universo naquele momento.

No fundo, a grande força de O Despertar da Força é a de conseguir reapresentar uma franquia consagrada ao público em uma época completamente diferente à qual foi concebida. O esforço de repaginar e ao mesmo tempo retomar os valores da aventura despretensiosa, que vão de encontro às tentativas de Lucas de imbuir os episódios II e III de um significado político temporal, é capaz de agradar todos os públicos que a série hoje busca agradar sem tornar a série redundante. Combinando-se o passado com o futuro, encontra-se um presente que, senão catártico agora, é bastante promissor no momento.

Nota: 8/10

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Crítica: Louco - Fuga

O que é loucura?

Por Marina Ammar.



Apesar do início do personagem Licurgo Orival Umbelino Cafiaspirino de Oliveira (mais conhecido como Louco) ter sido marcado nos quadrinhos por uma loucura que era realmente um estado de vesânia, com o tempo o Louco ganhou uma pegada diferente: Quase sempre atormentando Cebolinha, o querido garoto que fala "elado" no quarteto fantástico de Maurício de Sousa, o Louco protagonizava aventuras quase surrealistas, com muito nonsense, sempre cheias de imaginação e extremamente divertidas.

E é justamente essa vertente a escolhida por Rogério Coelho ao desenvolver o seu Louco em Fuga, criando uma linha sutil entre loucura e imaginação.

Deixando a narrativa fluir com a maneira como a personagem enxerga sua aventura, Coelho conduz o leitor por páginas que parecem infinitas em sua sequencialidade e movimento, com uma diagramação dinâmica e tridimensional que lembra o trabalho de J. H. Williams III em diversas páginas e permite que a mente e o olhar se misturem durante a leitura, auxiliando na experiência de, junto de Louco, “viajar de história em história”. 

A narrativa em linguagem, porém, é fraca. Não de forma catastrófica, ou tosca, mas deixando a desejar. Iniciada no momento em que Louco foge dos nomeados Guardiões do Silênciode formas, atmosfera levemente sombria e riqueza em detalhes que lembra o trabalho de Dave McKean, principalmente no interior de seu palácio – a história mostra uma ave dourada a quem Licurgo chama de “amigo”, e enquanto ele escapa, a ave permanece prisioneira dos Guardiões, e Louco promete voltar para busca-la. E dito isso, atravessa para a história seguinte em busca de refúgio, caindo no conhecido Bairro do Limoeiro, e se disfarça de mágico, onde, em uma apresentação, conhece o quarteto do Limoeiro. 

Intercalando a interação de Louco com Mônica e seus amigos, a própria história, e lembranças de sua infância e o primeiro encontro com a ave dourada, Coelho traça a trajetória do personagem e nos conta como a ave surgiu: criado por um misterioso escritor, o pássaro dourado protagonizava uma história onde ele era a inspiração, e levava aos outros, com seu canto, o dom e a vontade para imaginar, criar, e por consequência, ser. 

O escritor, porém, decidiu que apenas a ave não bastava, e criou para sua história os antagonistas, os Guardiões, que, dedicados a silenciar o canto da criação, foram aprisionando todos aqueles que ousavam imaginar, até que por fim aprisionaram a ave (silenciando a história inteira), que é mais tarde resgatada pelo pequeno Louco – fato de que ficamos sabendo em sua recapitulação às memórias de infância, com folhagem lúdica e detalhada e tonalidades ouro e sépia que trazem as matizes e encaixes sobrepostos do trabalho de Klimt à mente. 

Após resgatada, a ave leva o pequeno Licurgo para o local sem nome onde todas as histórias são criadas, e onde ele descobre que pode estar na história que quiser com um único passo. 

Apesar do trabalho primoroso na apresentação artística de sua narrativa, a alta sutileza de Coelho em sua ode à imaginação muitas vezes leva as frases ao cliché, que ainda que bem utilizado, não surpreende, e pode arrastar a leitura por ser utilizado no ponto clímax, onde, cercado pelos Guardiões, Louco descobre que existem vilões para “fazer com que o herói fique mais forte!”, e unido ao canto incessante de seu companheiro dourado ainda aprisionado, deixa elevar sua esperança na própria capacidade, e na capacidade da história, e observa, não surpreso, a queda explosiva dos Guardiões. 

Esse trecho, de outros, deixa a desejar que a escolha de Coelho para a apresentação dos pensamentos e narrativa de Louco muitas vezes fosse outra na linguagem, que se apresenta vaga em certos, e em outros, apenas um pouco confusa – o Louco, como personagem, continua de fala rápida e divertida, mas seus pensamentos, apesar de soltos, são bem organizados, e levemente formais. 

Ainda assim, a questão pouco atrapalha. No quadro geral, a narrativa flui em sincronia com as imagens, e a obra de Rogério Coelho lembra, em meio a homenagens à outras Graphic MSP, que o maior poder de nossa mente é a capacidade de criar e viajar, que o antagonista de qualquer história está lá para que acha um motivo pela busca da melhora, e canta ao leitor para que não confunda mera loucura com a capacidade de imaginar, que se lembre do poder contagiante da mesma, e que se mantenha, como nossos adorados personagens, sempre com um pé em infinitas histórias.

Nota: 7/10

sábado, 28 de novembro de 2015

Crítica: A Visita

M. Night Shyamalan e found footage encontram a redenção em filme de gênero.

Por Pedro Strazza.

Embora seja um subgênero relativamente novo - sua descoberta aconteceu nos anos 90 com A Bruxa de Blair e está em moda desde o fim dos anos 2000 e o advento da franquia Atividade Paranormal - o terror de filmagens encontradas encontrou com velocidade uma estrutura geral que guiasse com satisfação a maioria de seus exemplares. O acréscimo lento de informações, a caracterização jovem das vítimas, o advento do suspense somente no terceiro ato, a câmera na mão e tantos outros elementos criados por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez em 1999 parecem ter sido transformadas em diretrizes para o found footage dos dias de hoje, o que contribui para o inevitável esgotamento de tais obras na forma.

Com o manual tão bem estabelecido e decorado pelo público, chega a ser surpreendente então que um filme que se disponha a executar à risca tais regras como A Visita consiga trazer frescor a este. Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, cineasta de metodologia rígida, e produzido pela mesma Blumhouse Productions responsável pela retomada do subgênero, o longa se diferencia de tantos outros colegas por encarar o found footage menos como um registro de uma situação aterradora e mais como um jogo de percepções.

Percebe-se isso logo na chegada à estação de trem na Pensilvânia dos irmãos Becca (Olivia DeJonge) e Tyler (Ed Oxenbould), que vão pra lá no intuito de conhecer e visitar os avós (interpretados por Deanna Dunagan e Peter McRobbie) e dar algum espaço para sua mãe (Kathryn Hahn) se divertir. De posse de duas câmeras potentes e a ideia de filmar um documentário para reunir a família há tanto tempo quebrada, as crianças captam tudo com preocupação estética evidente, de forma tanto a atender as exigências do filme que querem fazer de início como, mais tarde, para evidenciar sua suspeita com a fazenda e seus parentes.

Essa progressão do mistério em questão e de quê de João e Maria, no entanto, não é lidada na evolução comum do filmagens encontradas, que em teoria prezaria pelas evidências visuais em prol do terror imediato. Cada ato suspeito é trabalhado por Shyamalan em tom de dúvida, seja no deboche escancarado dos irmãos com o horror e o documentário pelas piadas autorreferentes ou na própria falta de confiança que o espectador cria com os protagonistas na narrativa e sua paranoia crescente, lidada por sua mãe como algo infantil. Aliado ao conflito geracional estabelecido nas bordas, a sugestão, aqui, é a principal ferramenta da produção para tensionar o espectador sem que este o perceba.

Nesse momento é que se vê o quão bom fica a mistura do found footage com a narrativa de Shyamalan. Pois embora ambas sejam rígidas em essência, as duas estruturas encontram na pouca informação e no terceiro ato o ponto de catarse para suas histórias, e juntas trabalham para que tais características sejam executadas como se deve. Assim, enquanto a lógica do diretor é capaz de anular o eventual aborrecimento do subgênero com seus clichês e dá fluidez à trama em suas passagens mais lentas (a exemplo da cena de pega-pega nas fundações da casa), os convencionalismos do cineasta indiano - como a necessidade da reviravolta e do viés de relações humanas em suas obras - são melhor aproveitados aos propósitos do subgênero, que ganha estofo no conteúdo e potência em seus objetivos imediatos.

Tudo isso a serviço, claro, do terror, que em A Visita encontra delicioso ápice em todo o seu terceiro ato pelo peso da virada no roteiro e a proximidade naturalmente proporcionada pela visão em primeira pessoa do espectador. Apesar de desconstruir na risada o horror documental, o filme no fundo entende que sua maior força encontra-se no suspense e na reconstrução deste, atendendo tais medidas sem qualquer vergonha.

E se o viés João e Maria desempenha sua tarefa com considerável soberba, o horror acontece com naturalidade.

Nota: 10/10

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Crítica: Chico - Artista Brasileiro

Chico Buarque ganha filme de muitas reverências e pouca substância.

Por Pedro Strazza.

Existe em Chico - Artista Brasileiro uma certa regularidade no uso de cenas que mostrem o músico e escritor Chico Buarque sentado diante de seu computador, pensativo sobre a obra que está compondo ou escrevendo. Esse tipo de cena, frequentemente utilizado como forma de mostrar sem muito alarde o "gênio em ação", serve aqui para destacar o caráter de ídolo que o artista assume no filme e em sua vida nos dias de hoje, fruto de uma extensa carreira de grandes frutos nos mais diversos campos.

Mostrar Chico tantas vezes em tal posição, entretanto, serve também para ilustrar o tipo de figura que o diretor Miguel Faria Jr. busca fazer de seu retratado. Combinando em uma montagem dinâmica e eficaz imagens de época, entrevistas com o protagonista e números musicais realizados pelos mais variados convidados, o filme quer glorificar o ídolo construído em cima do artista sem levar em conta o homem por trás de todo o processo.

Esta é uma atitude nobre se considerarmos o objeto em análise, mas que prova ser pouco eficaz como documentário. Pois enquanto o longa realiza esse ato de reverência máxima ele também procura fazer pouco de episódios que poriam em perspectiva a humanidade por vezes falha do personagem: sublimam-se casos como a polêmica vitória da canção Sábia no III Festival Internacional da Canção e os motivos que ocasionariam o divórcio com a atriz Marieta Severo (pouco mencionada mesmo tendo sido casada com Chico por quase 40 anos, vale acrescentar), e abre-se espaço para momentos do cantor com a família e sua busca por um suposto irmão alemão, que encontra seu fim ao primeiro sinal de conflito com a figura do músico.

Enquanto isso, Faria Jr. faz a festa com a imagem de Chico. As entrevistas, que dão conta de retratar sua genialidade como compositor, dramaturgo e militante contra a ditadura, procuram tirar do filho do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda um herói nacional, um símbolo representado na máxima do subtítulo Artista Brasileiro. E quando o entrevistado tem problemas, eles são "demônios internos" - que, claro, não são explorados ou sequer questionados pelo diretor.

Em determinada altura, Chico admite para a câmera a necessidade de criar uma máscara e ser outra pessoa na hora de entrar no palco e encarar o público de seus shows. É uma atitude que acaba por resumir sem querer o filme e seu engrandecido personagem, junto dos belos espetáculos musicais que reforçam o teor peculiar de "especial de fim de ano Roberto Carlos" da obra. Quem sai ganhando no fim é o próprio Chico Buarque, agora protagonista de um espetáculo dedicado a si mesmo.

Nota: 4/10

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Review: Jessica Jones - 1° Temporada

Heroína conversa sobre abuso nas relações com interesse, mas sofre pela interiorização.

Por Pedro Strazza

Não é preciso muito tempo para perceber a propensão de Jessica Jones ao noir. Das ruas mal-iluminadas à maior presença dos metais na trilha sonora, a série estabelece essa ambientação no mesmo passo que introduz o perfil de sua protagonista, cuja primeira participação na obra consiste de arremessar um de seus clientes pelo vidro da porta de seu escritório/apartamento.

É nesse ritmo que os treze episódios da primeira temporada do seriado comandado por Melissa Rosenberg deixam claro ao espectador que a história a ser contada será direta e sem maiores delongas. Embora nunca a chegue a pedir de fato por tal urgência narrativa, a vida de detetive particular da superpoderosa do título interpretada por Krysten Ritter e sua trama de vingança contra o maléfico manipulador de mentes Kilgrave (David Tennant) se desenrola com velocidade, apostando no valor imediato das situações que apresenta. Acima de tudo, Jessica Jones trabalha na reviravolta, no uso quase constante do abalo inicial.

Só isso pode explicar o uso de ganchos ao final dos episódios e de viradas na trama, que se acumulam desordenadamente ao longo de quase 13 horas. Se no início essas ferramentas criam uma sensação de imprevisibilidade aos eventos mostrados, com o tempo elas acabam por tornar a série cansativa, como se o roteiro desenvolvido por Rosenberg e sua equipe de roteiristas dependesse destas para manter o espectador atento à história.

Essa necessidade de ser impactante de cinco em cinco minutos faz sérios danos à estrutura do seriado, mas não o suficiente para prejudicar a sua temática. Pois enquanto série que se dispõe a analisar as repercussões dos relacionamentos abusivos na sociedade Jessica Jones funciona muito bem: seja nos núcleos coadjuvantes ou na própria dinâmica exercida entre a protagonista, Kilgrave e eventualmente Luke Cage (Mike Colter), o seriado é eficaz em evidenciar o processo de isolamento social que tais relações criam, dando destaque claro às vítimas mais comuns (a mulher, sempre tida como inferior no cruel sistema patriarcal) sem contudo expor estas como únicas a receber tal tratamento, graças ao processo de divórcio da advogada Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), aqui retratada de forma quase tão vilanesca quanto o principal antagonista. O ápice vem no clímax do 12° episódio, em que o diretor Bill Giehart eleva a presença do púrpura de Kilgrave na paleta de cores e demonstra no jogo visual a insegurança máxima provinda do abuso.

(Ainda sobre a personagem de Moss, é interessante e positivo perceber como sua personagem é a primeira homossexual nas séries da Netflix a não ter essa sua característica um ponto essencial de seu perfil. O fato dela ser lésbica, assim como nos papéis de Susie Abromeit e Robin Weigert, em nenhum momento é tratada com a mesma importância que sua falta de escrúpulos no trabalho, por exemplo.)

Dito isso, é sintomático na série tratar esse problema como algo particular dos indivíduos afetados e, principalmente, de Jessica. Clichê danoso do cinema, esse processo de interiorização comum às personagens femininas vai de encontro à definição de heroísmo da personagem, impedindo-a de se tornar um bastião contra tais estupros. É algo que também repercute nas conexões com universo Marvel que o seriado ora ou outra se vê obrigado a fazer (e que soam artificiais por essência) e na ação, filmada como obrigação e no fundo desnecessária à obra.

Por outro lado, Rosenberg mostra visível dificuldade em alinhar os núcleos coadjuvantes na narrativa quando estes não estão em consonância com a trama principal. É visível na série que personagens como Malcolm (Eka Darville), Trish (Rachael Taylor) e Hogarth se tornam um aborrecimento nos momentos em que não são necessários e precisam trabalhar sozinhos, mesmo seus arcos tendo alguma importância na cadeia dos eventos.

Ancorada também por uma ótima atuação de Tennant, capaz de absorver a personalidade atormentada e vilanesca de seu Kilgrave com toques de humor refinados, Jessica Jones acaba por sofrer do mal do imediatismo e da falta de atenção. Embora crie situações que no calor do momento sejam eficazes, no longo prazo elas não são capazes de dar uma unidade à série e sua temática. É como se Rosenberg e os roteiristas se contentassem com o impacto da cena, incapazes de amarrá-los em uma linha de desenvolvimento única. Resta o choque, puro e simples.

Nota: 5/10

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Crítica: Jogos Vorazes - A Esperança - O Final

Em seu desfecho, série retoma valores originais e paga o preço.

Por Pedro Strazza.

Demorou quatro filmes, mas enfim o teen drama chega à série Jogos Vorazes. Mantido sob controle e acumulado em silêncio durante os três primeiros capítulos, esse elemento quase essencial para qualquer franquia que se preze jovem toma o palco de A Esperança - O Final para si, tornando-se o ator principal da obra mesmo que esta não o queira, a todo custo a disfarçando embaixo de uma história de vingança com viés político.
Os esforços da produção, entretanto, não são suficientes para ocultar do espectador essa sua identidade, que estando livre para agir não hesita em tomar o controle dos eventos mostrados e os usar a seu bel prazer. Presente desde o início, o destino do triângulo amoroso formado pela protagonista Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e seus pretendentes Gale (Liam Hemsworth) e Peeta (Josh Hutcherson) é o grande tema deste quarto e último capítulo, e se instala com conforto nos mais diferentes momentos do desfecho da saga que sempre o rechaçou.
Mas a maior presença e importância das relações juvenis na trama não é o problema principal do longa dirigido por Francis Lawrence, e sim a dificuldade em oferecer algo que se adeque a estas condições. O tabuleiro político e o jogo de sobrevivência, nos outros filmes tão importantes para a condução da história, entram em curto-circuito aqui por não se adequarem às regras da temática maior, sendo simplificadas ao máximo - na política é o desfecho inadequadamente otimista, no lúdico o pouco aproveitamento de seus poucos momentos de destaque, como bem indica a sequência nos túneis em que retoma-se a confusão visual do primeiro capítulo para (tentar) ilustrar ao espectador o que está acontecendo.
Isso tudo, claro, é feito em prol do romance, cujo protagonismo é encarado pelo longa como uma tarefa indesejável. E a repulsa não é feita à toa: tendo se destacado de tantas outras franquias juvenis por justamente ter posto os dilemas da adolescência em segundo plano, Jogos Vorazes criou ao longo de sua quadrilogia uma reputação invejável de ser a marca mais politizada dentro deste universo de adaptações literárias voltadas ao público jovem. Voltar a esse estado primordial e torná-lo protagonista dos atos, ainda que seja inevitável para a trama (vale lembrar, o triângulo é um dos motores do roteiro desde o filme de 2012), é um simbólico gesto de morte à série, que tão logo descobre essa condição já faz de tudo para suplantá-la por meio do grito, do aumento da conotação política da história.
Elevar tal carga, porém, não é suficiente, e na realidade cria danos ainda maiores para a produção. Embora busque a todo instante alguma identificação com as obras de George Orwell (antes era com 1984, agora com a Revolução dos Bichos e seus porcos de fácil sedução pelo poder), A Esperança - O Final acaba vítima da relativização, em mortes que não são sentidas e injunções políticas que soam risonhas graças a esses seus objetivos mais superficiais. O encerramento idílico, feito para agradar os maiores fãs de Katniss com um fim agridoce, ressalta sem querer o contraste, em um escapismo ao mesmo tempo natural e artificial com a situação gerada.
Os erros, entretanto, não são culpa apenas de fatores internos. A decisão de extender a transposição do último livro a duas partes, realizada por motivos puramente comerciais, torna os equívocos cometidos muito mais transparentes graças ao inevitável arrasto narrativo, cuja demora para dar cabo dos poucos fatos em mãos diluem seu impacto original.
Mas é essa necessidade de querer se levar a sério, de ser "filme de gente grande", que faz Jogos Vorazes encontrar sua perdição. Ao abandonar o evento de matança do título e o consequente lado lúdico de sua história para dar prioridade total à sua significação política (feito ao final de Em Chamas, ainda o melhor momento da série nos cinemas), a saga de Katniss deveria também ter deixado de lado suas obrigações imediatas com o público jovem, o que para esta é uma impossibilidade óbvia do princípio. No fundo, A Esperança - O Final foi uma vítima das circunstâncias, das contradições geradas pela própria franquia e seus voos de Ícaro.

Nota: 4/10