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Deadpool 2

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Crítica: Belos Sonhos

Trauma da perda da figura materna é ponto de partida para Bellocchio trabalhar relações familiares fundamentais.

Por Pedro Strazza.

Diretor bastante reconhecido pela carga política e de forte crítica religiosa de suas obras, Marco Bellocchio não deixa de ser mais um cineasta italiano a trabalhar a unidade familiar em seus filmes, tema forte e um dos pilares fundamentais do cinema do país desde sempre. A união de seu cinema com a problematização destes valores tradicionais gera sempre resultados fascinantes de serem observados, desde os primeiros trabalhos - De Punhos Cerrados, A China Está Próxima - até mais recentes como o explosivo reconto da história de vida da amante de Benito Mussolini em Vencer. Belos Sonhos de certa forma ainda mantém esta mesclagem de assuntos familiares e políticos na pauta, mas não é nem por um instante o grande foco do diretor aqui.

Adaptação do romance autobiográfico de Massimo Gramellini e escrito por Bellocchio em parceria de Valia Santella e Edoardo Albinati, o filme centra-se na vida de Massimo (Nicolò Cabras quando criança, Dario Dal Pero quando adolescente, Valerio Mastandrea quando adulto), um jornalista esportivo que perdeu a mãe (Barbara Ronchi) de forma misteriosa na infância. Bastante ligado à figura materna, a brusca separação gera um trauma no garoto, que cresce sob sua ausência e o constante atrito com o pai (Guido Caprino). Depois de adulto e realizado na profissão, resta a Massimo confrontar os fatos de sua família e entender o que aconteceu naquela fatídica noite antes de prosseguir com sua vida.

A princípio, Belos Sonhos possui como elemento central de seu drama a mesma disrupção entre mãe e filho de a A Hora da Religião, filme que alimentava o conflito entre os dois membros pelo processo de canonização ao qual a figura materna do protagonista era envolvida após sua morte. A diferença entre as duas obras está no direcionamento: se o longa de 2002 usava desse conflito para tratar de instituições que cercavam seu personagem principal (como a família e, óbvio, a religião católica), Massimo se vê envolvido em questões muito mais íntimas, dramas interiorizados que a partir do falecimento de sua mãe o perturbam mesmo depois de adulto por meio de ataques de pânico e lembranças de Belgrano, criatura de um filme de horror italiano antigo que lhe serve de amigo imaginário.

Nesse sentido estabelecido pela história, Bellocchio a aproveita para conceber uma jornada em torno do crescimento e amadurecimento de seu protagonista com a tão sentida falta da mãe. Por meio de uma narrativa que vai e volta no tempo constantemente, mostrando relances do presente para depois retornar ao passado, o diretor insere uma confluência de elementos simbólicos que juntos permitem ao espectador adentrar e navegar pelo espírito atormentado de Massimo. Esporte, música, figuras de Napoleão, mesmo a imagem assustadora de Belgrano são todas derivações diretas - a dança soa como o maior trauma remanescente da vida do jornalista, com sua reconexão só se dando em um momento de libertação pelo relacionamento com a doutora Elise (Bérénice Bejo) - ou indiretas - Massimo só se apaixona pelo futebol porque o pai o levava aos jogos do Torino para, mesmo que só por um momento, se conectar com ele - da perda na infância.

A morte da mãe, então, torna-se no conduíte máximo da história do garoto, com o mistério por trás de sua ocorrência servindo de enigma à sua existência. O longa, ainda que cadenciado pela investigação dos fatos, aproveita deste ponto central da trama pela separação bruta que a caracteriza e pela observação de Massimo como sobrevivente do fim de sua relação familiar mais vital. A procura por algo que substitua a mãe e suas tentativas de perceber sozinho o que de fato aconteceu (a situação da criança no videogame durante o cerco a Sarajevo é um momento curioso desta linha) são a forma encontrada pelo diretor para materializar essa angústia de lidar com a verdadeira tragédia ao qual se encena, como se o cineasta diagnosticasse como fundamental esta relação maternal na sociedade italiana.

Uma relação que, como qualquer outra no cinema do país, é tempestuosa e bipolar. O próprio Massimo define depois na resposta dada a uma carta escrita para o jornal onde trabalha, mas a cena que mostra a conexão difícil de seu amigo de escola com a própria mãe (Emmanuelle Devos) já antecipa esta dificuldade latente do italiano (e, por consequência, do ser humano) de demonstrar amor pela figura materna mesmo que esta o trate com tanto carinho. Entender as maneiras misteriosas pela qual esta relação se dá é algo que no fundo também rege o cinema de Bellocchio, e em Belos Sonhos sua solução temporária ao desafio imposto talvez esteja melhor traduzido nas reações do protagonista quando na infância brinca de esconde-esconde com a mãe e não consegue a encontrar.

Nota: 8/10

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O Artist's Alley da CCXP 2016 (Parte 3)

Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.

Por Marina Ammar.

As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.

As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.

Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.

Plumba (Volumes 1 e 2), de Thiago Lehmann e Luiza McAllister

De Thiago Lehmann e Luiza McAllister, Plumba conta a história da personagem do título, uma jovem e fofa garota de cabelos rosa que só possuí um objetivo em mente: adquirir “dinheiros” suficientes para comprar o machado Armagedon 3K. Assim, ela parte em uma sucessão de missões, sendo paga pelos habitantes de seu mundo para realizar tarefas que vão desde recolher ovos fantasmas até organizar a mochila de um guerreiro de pouca inteligência. 

Recheado de referências à cultura geek em geral, principalmente videogames, Plumba é uma obra bem-humorada, de expressões e cores comunicativas e divertidas. A arte do casal Lehmann e McAllister pinta um mundo tão plausível em sua fantasia quanto no momento das referências, e não falha em arrancar risadas em qualquer destes aspectos.

Ela falha, porém, na diagramação. A sucessão de cores, quadros e balões se atropela seguidamente por toda a história, atrapalhando algumas vezes não somente o sentido de leitura como a absorção da narrativa, quase transformando o que deveria ser uma aventura contínua em piadas separadas – outro pecado da narrativa, que embora seja decididamente uma comédia, parece não saber onde parar. 

Ainda assim, Plumba permanece forte. Com uma protagonista cativante, mundo colorido e referências certeiras, é uma leitura divertida – e rápida – para qualquer leitor, seja ele fã ou não de games. 

Para conhecer os autores:

Pretérito Mais que Perfeito, de Otoniel Oliveira e grupo do estúdio Iluminuras

Vale começar dizendo que Pretérito Mais que Perfeito não foi feito para ser lido em pausas. O volume é uma atemporal viagem no tempo, orquestrada com maestria e um cuidado que inclui códigos QR no começo de cada capítulo com a trilha sonora do capítulo a ser lido, aprofundando a experiência que merece o tempo que levar para ser lida. 

O protagonista da narrativa de Otoniel Oliveira não é uma pessoa, nem muitas pessoas. É uma praça em Belém e seu banco, que observam, inertes às mutações ao redor de si e nas pessoas, seja por suas questões interpessoais ou em seus pensamentos. Começado em 1869 e terminado em 2032, Pretérito nos leva através de narrativas intimistas que contam a história do mundo se transformando ao redor. Os capítulos não levam mais do que quatro páginas em seu máximo – e isso basta. “Quando mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas”, o volume começa.

Narrado com estilos artísticos inspirados pelos quadrinhos e arte das décadas protagonizadas, Pretérito serve ao leitor como uma máquina do tempo da literatura, uma viagem breve e transformadora que, apesar de focada em um pequeno banco de Belém, poderia nos contar de qualquer lugar do mundo. É uma narrativa sobre a reação humana à própria história – e se pensada apenas como uma homenagem à Belém ela é uma obra tão bonita quanto.
De arte tão maravilhosa quanto a viagem oferecida, a obra de Oliveira é uma delicada ode ao Brasil em que vivemos, à unidade das pessoas e a dicotomia de seus ideais e, principalmente, à repetição da história em si mesma. 

Para conhecer os autores:

Quando a Noite Fecha os Olhos, de André Diniz e Mario Cau

Camilo não consegue ver o Sol. Durante todo o volume, com maestria em equilibrar o roteiro - que sugere que é sempre dia - e a arte - que desenha o céu noturno como único de Camilo - o leitor é obrigado a viver na realidade do protagonista, que já não consegue ver a alegria ao seu redor por não ter sobrado nenhuma dentro de si. 

Tudo no mundo, ao sair, irrita. Camilo está interessado no próprio silêncio, que no entanto é povoado de vozes de seu inconsciente, assombrando-o eternamente em relação ao passado e da aceitação de quem é. 

Em uma de suas saídas, ele encontra Daniel, um ex de dois anos atrás, agora com outro homem e uma criança adotada, feliz. Chove apenas no mundo de Camilo, seus sentimentos sempre ilustrados por uma meteorologia interna. Pouco depois de retornar à casa, ele recebe um telefonema: morreu um tipo querido. 

Camilo vence a vontade de não comparecer ao funeral realizado em sua cidade natal em memória do tio, mas seus medos se confirmam ao chegar: lá estão os pais, ignorando sua existência por conta da sexualidade. O pai, agressivo e acusando Camilo de trazer-lhe vergonha, e a mãe, omissa em defender o filho diante do ódio da figura paterna.

Camilo se vê, porém, cansado da eterna noite de sua existência, e em uma onda de força, exige o perdão dos pais pelo tratamento recebido e o sofrimento inferido a si por ser quem é. Ao fim, consegue apenas o da mãe, mas basta. 

O volume termina com Camilo em um encontro com Gil, um colega de trabalho em quem estava interessado, mas não possuía coragem de se aproximar. E agora finalmente é dia.

A combinação do roteiro de André Diniz, pungente e direto, com a arte de sentimentos metafóricos de Mario Cau, faz de Quando a Noite Fecha os Olhos uma história de impacto imediato no leitor; a tristeza é reconhecível, a cumplicidade é gerada a partir da compreensão dolorosa da dor interna do personagem e apesar da história centrada na rejeição pela sexualidade não ser de todos ela cria uma conexão à partir da reação gerada em Camilo pela falta de apoio dos pais para consigo e dele em si mesmo. Retratando muito bem tanto o conflito de sociedade e sexualidade quanto um retrato de depressão, Quando a Noite Fecha os Olhos é uma obra de leitura rápida e duração permanente, que promete que existe a compreensão dessa tristeza e a aceitação necessária dentro de cada um e mostra que todo Sol pode nascer mais uma vez. 

Para conhecer os autores:

Relicário, de Dharilya Sales e Pedro Leonelli

Um envelope de essências humanas; Relicário é uma obra que reúne dois volumes, um de Pedro Leonelli e outro de Dharilya Sales. 

Em A Lojinha Mágica de Medos, Sales abre sua história com uma pergunta simples, apresentando em seguida sua protagonista: Brianna, a proprietária da loja de medos. Ela sai uma noite para capturar um fantasma sob a explicação de que almas mortas representam desejos não realizados, algo que gera muito medo e, por isso, valem muito a pena no mercado. 

Brianna acaba por capturar uma jovem fantasma que apesar de prisioneira não parece ter uma noção prolongada dessa condição e só deseja tornar-se amiga da proprietária. Depois que Brianna consegue vencer o protetor dos espíritos e retornar à loja com a fantasminha capturada, a história mostra um pouco de suas interações e como sobre a fantasminha traz para Brianna o choque de sua realidade – ela trocou seus sonhos pela loja de medos, pois possuía vergonha do que sonhava, algo que a história chama de “medo de ser feliz.”

Em poucas páginas, em um traço que mistura o agradável com o macabro, Sales narra com cumplicidade simples as complicações da vida adulta e as desistências às vezes necessárias para fugir de medos maiores do que nós, propondo que no local da fuga haja resistência. 

Apesar da premissa interessante e desenho que cria um equilíbrio entre o mangá e o estilo gótico suavizado, Sales não consegue manter a seriedade da narrativa não em tema, mas nos diálogos, que navegam de frases aparentemente soltas a tentativas de efeito sentimental e reações repentinas, além de personagens que surgem e desaparecem depressa demais na tentativa de introduzir novos pontos.

Mesmo assim, A Lojinha Mágica de Segredos permanece fiel à sua mensagem, e apesar das falhas não falta ao leitor no momento de lembrá-lo que sempre há tempo para sonhar a felicidade. 

Já a história contada por Leonelli, intitulada Sobre Desejos e Destinos, começa com o nascimento de um deus capaz de realizar qualquer desejo. Ele narra a ligação entre desejos e destinos, e que cada desejo leva à algum lugar.

Cegada por este poder, o destino da humanidade acaba sendo a destruição, e a história tem como cenário o planeta Terra após o fim de todos os recursos causados pela ambição dos sonhos humanos. Sobre essa Terra vaga uma fada, que buscando o amor em seu único dia de vida encontra apenas o deus, agora sem desejos para realizar e incapacitado de realizar o dela pois nada sobrou na Terra.

Mas ele promete ajudá-la. Vagando juntos, a dupla encontra o último ser humano da terra, um senhor de quatro braços (dois deles próteses metálicas) que deseja ao deus que o mundo seja reconstruído. O deus explica a ele que só pode realizar desejos se pago com tempo de vida, mas o senhor está velho demais para pagar pelo que deseja. Tomado pela cólera de ter sido enganado pelo deus de aparentes infinitas possibilidades, o velho tenta matá-lo, mas é impedido pela fada.

Os acontecimentos todos ocorrem no mesmo dia, sendo que já é noite no momento da batalha e a fada, portanto, está para morrer. Percebendo que o amor encontrado está na curta relação construída com o deus, ela parte junto dele para a eternidade, onde esse relacionamento poderá ser desenvolvido. 

No geral, Sobre Desejos e Destinos deixa a desejar justamente pelo que poderia ser. O traço de Leonelli, aliado apenas à tons de marrom e uma diagramação que altera a narrativa quadro a quadro com repentinas ilustrações que lembram painéis antigos, dá ao volume o tom de lenda perdida que seria perfeito se não pelo próprio tom da narrativa e personalidade das personagens envolvidas. Devidamente presas às suas tarefas, buscas e princípios pessoais, como seria em uma lenda, as personagens chocam-se entre si por serem todas de um dinamismo imparável, saltando sem descanso entre falas e explicações. Não há tempo para absorção na curta lenda de Leonelli, que merecia um compasso mais lento para que cada valor e momento narrativo pudesse ser apreciado. Além disso, a linguagem deveras informal dos personagens, aliada à expressões cartunescas em momentos de seriedade, quebra de forma tão chocante a narrativa lendária que se torna complicado de estabelecer uma conexão com o que ocorre, mesmo diante batalhas e valores tão humanos. 

Mas apesar de deixar muito a desejar nesse sentido Sobre Desejos e Destinos ainda passa sua mensagem, certamente não falhando no estilo artístico que o caracteriza.

Para conhecer os autores:

Amanita (zine), de Dharilya Sales

Amanita é uma curtíssima narrativa sobre os refúgios da alma, onde se encontra o conforto e a coragem para se continuar realizando desejos. Em poucas páginas, Dharilya cria um cenário e uma dupla de personagens simpáticos que lembram ao leitor de sua capacidade.

Curto como o é, o próprio zine pode ser considerado uma pausa para a regeneração, tendo no agora o momento de continuar. Um ótimo bônus para um volume como Relicário. 

Remy, de Diogo Bercito e Julia Bax

Escrita por Diogo Bercito e ilustrada por Julia Bax, Remy é a história de Remy, um garoto com bronquite que vive a lutar contra a doença e vê sua vida como um espectro limitado do que poderia ser devido aos pulmões falhos. 

Até morrer, morrer de cansaço da bronquite. 

Na morte, Remy afinal arranca a doença do peito, um gato que arranhou-o por dentro durante seus 17 anos de vida. A discussão de culpas – Remy, pela doença; o Gato, por habitar pulmões inflamados – é rápida. Afinal, existem questões mais importantes a serem resolvidas: o que há após a morte? O que fazer? É possível voltar? 

Ao longo da caminhada pelo infinito do pós-vida, Remy troca diálogos com o Gato a respeito de suas perguntas, visões da vida que perdeu e dúvidas que surgem diante daquilo que encontram. O Gato, dito (por si mesmo) de inteligência superior à do rapaz, responde com filosofias diversas, respostas nunca diretas mas sempre certeiras. No fim, os dois descobrem que não se pode fugir da morte, mas que além de uma passagem existem muitas outras, uma vez que se aceita as condições de sua própria existência, ilustrada aqui pelo Gato voltando aos pulmões de Remy a pedido do garoto e com ambos partindo para a aventura seguinte. 

Remy ainda pergunta se será feliz. O gato não responde. Nem a história. 

Repleta de respostas interessantes para questões essenciais, Remy é uma curta narrativa filosófica sobre como o ser humano interpreta e tira proveito de sua própria existência, independente de suas circunstâncias. Se Remy e o Gato já são cativantes em suas palavras, a arte de Bax os torna ainda mais vivos, enquadrando os elementos e expressões que melhor combinam não com o que é dito, mas com os sentimentos que surgem diante de tais palavras. Remy é portanto uma parceria de resultado fenomenal, uma leitura que pode ser repetida assim que termina, merecedora da atenção de qualquer leito. Isso, claro, se houver fôlego. 

Para conhecer a autora:

Leia a Parte 1 e a Parte 2 do nosso Especial!

domingo, 18 de dezembro de 2016

Crítica: Sully - O Herói do Rio Hudson

O peso da responsabilidade.

Por Pedro Strazza.

Tal qual o polêmico Sniper Americano, Sully - O Herói do Rio Hudson é mais um filme de Clint Eastwood que já surge com a ingrata tarefa de glorificar seu protagonista. Obra que retrata os acontecimentos relacionados ao pouso forçado do voo US Airways 1549 no rio Hudson em 2009, o longa é baseado no livro co-escrito pelo piloto do avião Chesley Sullenberger, tendo portanto uma obrigação natural de homenagear de alguma forma o homem que - como o subtítulo brasileiro bem define - foi o maior responsável por evitar uma verdadeira tragédia no dia.

O curioso de Sully, porém, é que por mais que ele de fato enalteça o feito de seu personagem principal no evento sua história acaba por tomar um rumo completamente oposto a este fim. Se em Sniper a posição heroica do soldado Chris Kyle era palco para Eastwood realizar uma problematização interior da ideologia estadunidense, o diretor torna a trama da queda de um avião e do refreamento de um desastre em uma ode ao espírito coletivo humano em tempos de dificuldade, no contexto da Nova York do pós-11 de setembro.

Para isso, o diretor trabalha o relato de forma não cronológica. Centrado na investigação conduzida pela NTSB (Diretório Nacional de Segurança do Transporte dos EUA) sobre o acidente, o roteiro escrito por Todd Komarnicki vai e volta no tempo, mostrando momentos anteriores e posteriores ao evento (incluindo aí passagens da juventude do protagonista) e apresentando o pouso feito pelos oficiais Sully (Tom Hanks) e Jeff Skiles (Aaron Eckhart) sob diferentes ângulos, da cabine dos pilotos à área dos passageiros, passando por equipes de resgate, controle aéreo e até mesmo moradores de Nova York que presenciaram o acontecimento dos prédios onde trabalhavam. É uma forma que o filme encontra de tanto preservar o mistério da narrativa (o que de fato ocorreu naqueles minutos fatídicos?) quanto esboçar algum conflito em cima de uma trama presa a acontecimentos factuais puros.

Mas que conflito é este que envolve o filme e o protagonista Sully, afinal? Epicentro do longa, as entrevistas do trio de investigadores (Anna Gunn, Jamey Sheridan e Mike O'Malley) com o piloto revelam um gigantesco embate entre homem e máquina que passa pelo questionamento das ações do protagonista para realizar um pouso forçado no Hudson e de sua saída dos eventos como grande herói quando em teoria haveria possibilidade de soluções mais harmoniosas. O que está em jogo no filme é a própria humanidade dos personagens, tomadas como falhas pelo sistema ao lhe prejudicarem financeiramente e dificultarem seu domínio como uma força infalível.

Como escapar desta processo de desumanização torna-se então na grande questão a ser respondida pela produção, e a resposta encontrada por Eastwood reside no coletivo. Uma solução que, em um filme centrado na consagração de apenas um indivíduo, é algo muito interessante: Se Sully carrega alguma responsabilidade pelo rumo das coisas e é glorificado por seus feitos, a obra ruma para o lado oposto, oferecendo no esforço social para salvar os passageiros e a equipe do avião a elucidação do "fator humano" tão citado em seus diálogos. No fundo, o diretor filma o acidente sobre diferentes ângulos não apenas para criar um retrato completo dos acontecimentos, mas também como forma de dar mais camadas de entendimento a estes, de lembrar o espectador que é em meio à iminência de uma tragédia que o ser humano melhor se recorda de suas responsabilidades como alguém inserido em uma sociedade.

Ao suposto herói do rio Hudson, o que há de diferente mesmo é o peso da responsabilidade de uma possível tragédia. Enquanto controladores de tráfego aéreo e passageiros parentes respiram aliviados ao terem conhecimento de que o pior foi evitado, Sully passa a ser assombrado pelas próprias ações e das possibilidades que ele sozinho poderia ter dado à história. Desde os primeiros instantes e ao longo da trama - por meio de incursões como delírios ou (mal inseridas) ligações da esposa Lorraine (Laura Linney) - Eastwood situa o drama de seu protagonista como uma maldição incorporada, um espírito pós-traumático que se apossa do piloto para lembrá-lo continuamente de sua responsabilidade sobre os atos.

Para benefício do diretor e de sua produção, o filme conta com a sensibilidade de Tom Hanks para traduzir na tela esta balança de responsabilidade em meios reconhecíveis a qualquer espectador. Ator que cada vez mais tem se especializado nos papéis de homem comum, Hanks repete o desempenho exercido nos recentes Ponte dos Espiões e Negócio das Arábias em chave de assombro, capaz de evidenciar tanto o trauma de Sully desde os primeiros momentos após o pouso (das cenas do avião até o hospital o ator mostra um mesmo olhar assustado que mergulha o público dentro da ação) e a crescente deste processo até o julgamento quanto para tornar a frase - tantas vezes repetida - "Nós apenas fizemos nosso trabalho" em um mantra que una o piloto a tantos outros heróis não midiáticos da tragédia.

Nota: 8/10

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Crítica: Rogue One - Uma História Star Wars

Derivado não encontra voz própria, mas tem no diretor uma salvaguarda.

Por Pedro Strazza.

Ainda que estejam localizados em espaços cronológicos opostos dentro da franquia, O Despertar da Força e Rogue One - Uma História Star Wars possuem propostas bastante semelhantes na relação com os outros filmes da série Star Wars. Primeiros frutos cinematográficos da saga sob o controle da Disney, os dois longas compartilham a mesma admiração pela trilogia original e o esforço de a qualquer custo se adequar dentro de seus moldes, algo refletido nos visuais sujos e empoeirados dentro das salas e naves onde suas histórias acontecem. São motivações vindas, claro, de seus diretores, fãs das aventuras concebidas por George Lucas e que nutrem uma vontade profunda de se integrar e demonstrar uma integração ao universo que cresceram venerando.

Nesse campo de adequação e admiração, entretanto, Rogue One possui um desafio muito maior em mãos em relação ao sétimo episódio, que apesar de buscar se enquadrar nos moldes dos capítulos anteriores tinha pelo menos a possibilidade de apresentar novas formas de encarar a fórmula já bastante conhecida do público. História que em caráter literal antecede os eventos do primeiro longa lançado da franquia, o filme de Gareth Edwards precisa ao mesmo tempo ser uma experiência controlada e diferente e proporcionar o mesmo nível da sensação de encantamento conhecido da franquia, que, fundamentada no gênero da space opera, tem na expansão e nas inúmeras possibilidades um de seus maiores charmes.

Este campo quase paradoxal no qual a obra está inserida é a maneira mais fácil de se entender o filme e sua razão conflitante de existência. Escrito por Chris Weitz e Tony Gilroy e acompanhando os esforços de um grupo de rebeldes liderados por Jyn Erso (Felicity Jones) e Cassian Andor (Diego Luna) em roubar os planos da Estrela da Morte do Império, a produção constantemente se põe como uma história distinta das outras contadas no cinema pela formação de um cenário de guerrilha e de uma trama mais "realista" em suas pretensões, mas também busca a integração à saga e o espetáculo em que ela se localiza. Se o mundo onde os protagonistas vivem é cinza e dominado pela opressão e o medo oferecidos pelos stormtroopers, a Força ainda prevalece como uma fonte de esperança.

O resultado é um longa indeciso sobre o que quer ser, e tal sentimento logo contamina o resto da estrutura. Isso, de certa forma, faz com que Rogue One se aproxime perigosamente do campo da fanfic, as típicas histórias escritas por fãs que ora ou outra buscam mostrar eventos apenas citados nos filmes: Edwards é bastante claro em seu desejo de se integrar ao universo, mas sua narrativa nunca chega a de fato compreender o funcionamento de Star Wars, se bastando na materialização dos acontecimentos e nas referências - aqui constantes e bastante diretas, incluindo aparições de figuras conhecidas como Bail Organa (Jimmy Smits) e até reconstruções em CGI de personagens como o Grand Moff Tarkin, do falecido Peter Cushing. 

No fundo, o que define o filme são estes momentos. Rendido à nostalgia em seu caráter mais direto, o longa se porta como genuíno produto de fã para fã, muito mais interessado em proporcionar estes pequenos momentos de alegria a quem curte a série há tempos que de fato se concentrar em algo novo. Quem deixa mais claro isso são os personagens, que vem e vão na história somente para mover a trama e não contribuem com mais além disso. E para os que fazem participações pontuais no roteiro, esta problemática só aprofunda o teor estilizado de seus papeis, como o ciborgue Saw Gerrera, interpretado por Forest Whitaker na base do overacting descabido, ou mesmo o Tarkin robótico, cujo visual é estranho do começo ao fim.

Ao grupo protagonista, por outro lado, o que falta é desenvolvimento. Enquanto a maioria do grupo ali parece estar envolvido por mero acaso, os dois atores centrais trabalham com arcos confusos e apressados: O Cassian de Luna vive um drama de responsabilidade sobre os atos feitos pelo movimento que nunca deixa o campo da insinuação; a Jyn de Jones parte como alguém indisposta com a Rebelião para algumas cenas depois se tornar a mais dedicada com a causa sem maiores justificativas. De um filme que se propaga como "mais sério", seus personagens curiosamente acabam por ser melhores nos momentos de comédia, encabeçados ora ou outra pelo robô K-2SO (dublado por Alan Tudyk) e o monge Chirrut Îmwe (Donnie Yen).

Mas estes problemas com personagem não soam como novidade ao cinema de Edwards, que apesar de ser responsável direto por algumas deficiências da estrutura também lhe proporciona seus melhores momentos. O diretor traz desde Godzilla (seu trabalho anterior) um senso de escala bastante particular dentro de Hollywood e do cinema estadunidense, que se repete aqui não apenas situando bem o espectador  sobre a desproporção entre as armas do Império e a força humana mas também criando uma materialidade daquele universo que gera impacto sobre qualquer público em cenas como a destruição de naves e seus destroços.

E no fim isso salva Rogue One do marasmo. Quando os protagonistas fogem desesperados de uma instalação imperial em plena destruição, o personagem de Riz Ahmed enxerga o poder da Estrela da Morte em execução ou alguns rebeldes desesperados são mortos por Darth Vader, Edwards promove uma mesma inversão de perspectiva que nunca deixa de intrigar, deixando o ar pomposo da série de lado e abordando uma visão de alguém que está dentro daquela história sem possuir qualquer centralidade neste. Uma pena que esta sensação de não pertencimento, de quem quer entrar no grupo legal do colégio mas não consegue reverbere para o restante do longa ao invés de efetivamente se fazer de uma questão de observação de elementos menores dentro de uma franquia que preza pelo grandioso.

Nota: 6/10

O Artist's Alley da CCXP 2016 (Parte 2)

Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.

Por Marina Ammar.

As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.

As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.

Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.


Nerunda: Quando os Pássaros Voam (Volumes 1 e 2), de Antonio Cardoso e Rê Márcia

Com arte e roteiro de Antonio Cardoso e cores de Rê Márcia, Nerunda conta a história de todo um povo assolado por uma praga conhecida (agora mais forte do que nunca), deuses esquecidos e de uma dupla de irmãos, Kaliu e Kaluu, que partem juntos em busca de um pássaro em um rito de passagem. 

Os dois primeiros volumes da história de Cardoso pouco são mais do que introdutórios. Curtos em sua divisão, eles servem para apresentar os cenários, os personagens e as circunstâncias iniciais de algo maior e que ainda está por vir. Mesmo com esse conhecimento, porém, fica latente a falta de alguma compreensão sobre o caráter ou motivação das personagens mais presentes. 

Pouco se pode dizer da direção que Nerunda irá tomar, mas é certo é que a união da arte e palavras de Cardoso - itens complementares em seu tom sombrio - com as cores de Márcia dão a Nerunda o tom perfeito para que sua história seja contada, e o mundo aos poucos construído por Cardoso guarda segredos que o leitor desejará descobrir. Resta a vontade para que a obra, assim como seus moradores, seja escrita de forma a ser compreendida. 

Para conhecer os autores:

Nostaltung, de Rodrigo Urbano e Carol Mello

Nove páginas. Esse é o tanto que foi preciso para percorrer a narrativa de Nostaltung, uma curta e desesperada crônica sobre três protagonistas com apenas uma característica em comum: embarcar no último ônibus espacial para escapar de uma Terra sem mais recursos. Eles não são amigos. Brigam pela sobrevivência e a única informação necessária para sobreviver: onde está Nostaltung, o ônibus espacial? 

Com o traço de Rodrigo Urbano e as cores chapadas de Carol Mello – que quase lembram a arte de Geof Darrow em uma versão mais limpa para a vista, mas no mesmo tom de um cyberpunk sujo – Nostaltung funciona em suas páginas curtas. Só há o instinto e a violência necessários para viver, e no instante em que é revelado uma informação mínima sobre um dos protagonistas este é removido da história, tornando veemente o fato de que nesta introdução tudo deve permanecer nas sombras.

Nostaltung apenas deixa a desejar nos cenários: apesar da maior parte da ação ocorrer dentro de um apartamento arruinado e carente de objetos, as panorâmicas que abrem a história, mostrando uma cidade cinzenta, destoam do design dinâmico de personagens e do mundo imaginado para a trama sugerida. 

Ainda assim, Nostaltung permanece como um curto experimento de premissa interessante e personagens de origens instigantes e que partilham de um objetivo simples, deixando a curiosidade de que a que ponto estes estão dispostos a chegar para alcançá-lo. 

Para conhecer os autores:

O Blefe do Homem Morto, de Gustavo Nascimento e Will

Com roteiro de Gustavo Nascimento e arte de Will, O Blefe do Homem Morto se apresenta como uma história inédita de Sherlock Holmes, mas já falha em um primeiro ponto: em nenhum momento a narrativa se faz sentir como um mistério. 

A trama é simples: um homem, Mr. Kisner, foi assassinado. Resta à Holmes e Watson descobrir quem é o autor do crime. Ao fim de uma série de pistas apresentadas apressadamente, sem pausas e incapazes de tornar a narrativa engajadora – as respostas são dadas ao leitor durante diálogos que só são salvos do marasmo pela arte dinâmica de Will – descobre-se que o morto na realidade era o vizinho, Mr. Heyworth, assassinado durante uma briga com Kisner porque ele era amante de sua mulher, Mrs. Heyworth. 

Há pouco mais que possa ser dito. Os personagens - inclusive Holmes e Watson - servem seus papéis em moldes rígidos e o mistério é apresentado de maneira confusa, por meio de uma dicotomia que tenta ser resolvida na mais apressada sucessão de explicações e que sem dificuldade alguma é encontrada pelos protagonistas. Simples, ele não é apresentado de forma a ser absorvido como uma dificuldade. O que salva aqui é a arte de Will, cujas cores de personalidade forte são o suficiente para ilustrar a trama sem construção de uma maneira divertida, mas que infelizmente não salva Sherlock de um blefe sem resultados. 

Para conhecer os autores:

Os Contos do Planta n° 1, de Gustavo Ravaglio

O Planta Nº1 narra uma curta aventura do Planta, um ramo senciente com um corpo bípede construído por um cientista louva-deus. Com um traço que cruza Mike Mignola com algo próprio e dinâmico, Gustavo Ravaglio narra um conto no qual o protagonista adentra a Floresta Antiga em busca de seu amigo cachorro, Biche-Biche, que desapareceu depois de adentrar o perigoso local. 

De linguagem e mensagem simples, a primeira aventura do Planta segue a fórmula de uma fábula clássica, apresentando seu herói, suas principais características, a missão a ser enfrentada e a moral da história. Aqui só falha na última: ela fica pouco clara, perdida em meio a uma fórmula paralela da curta narrativa de crônica fantástica que não necessariamente precisa de uma moral. 

Além disso, apesar da arte caprichada e de tônica perfeita para a narrativa, o trabalho tipográfico e balonagem fogem do que se espera para certas cenas ou personagens, quebrando a narrativa visual com os balões em um tom seco que se une ao fundo, comprometendo tanto a leitura quanto o trabalho artístico do painel. 

Mesmo assim, a primeira aventura do Planta permanece uma obra firme em sua tônica geral e principalmente na criatividade de seus cenários e temas. De um primeiro volume, só se pode esperar por ainda mais.

The Few and the Cursed (Volumes 1 e 2), de Felipe Cagno e Fabiano Neves

The Few and the Cursed conta a história de uma misteriosa protagonista ruiva de nome ainda não revelado, chamada aqui apenas de Ruiva, Moça ou R. Escrita por Felipe Cagno e ilustrada por Fabiano Neves, a aventura inicial de R chama-se Os Corvos de Mana’olana. 

R vaga por desertos que um dia foram estradas (ou oceanos inteiros) em busca de trabalho. É uma caçadora de maldições, especialista em exterminar a escuridão na terra surgida dos humanos. “A única escuridão do mundo é aquela que trazemos conosco”, explica, ao entregar para o prefeito de uma cidade a cabeça de um homem, e não da serpente gigante que fora encarregada de caçar – a serpente era o homem, transformado. Depois dessa missão, R ganha a pista sobre corvos enormes com corpo de gente que matam adultos e raptam crianças para nunca mais serem vistas e parte para a nova missão. Primeiro atrás de Jebediah, um homem que também parece estar caçando os corvos, formando uma dupla pela necessidade – ele precisa de ajuda, e ela de um guia – para prosseguir com a busca. 

É triste dizer que nos dois volumes mal aparecem os corvos. Mas para compensar, Cagno utiliza de um ritmo desapressado e da arte nítida de tons sombrios de Neves para construir o mundo de R, desde a areia na qual ela pisa até o último fio de seus cabelos ruivos, tornando palatável a mortalidade e a aridez que cercam The Few and the Cursed. O problema se dá apenas nos diálogos, que parecem tão fortemente desejar que nada seja revelado ainda, e na intensidade do perigo, que grande parte das falas de qualquer personagem parece ser dedicada apenas a frases de efeito, algo que com velocidade torna a leitura cansativa e os personagens rasos - eles prometem ser mais do que é mostrado. 

Há pouco o que dizer de volumes que são, em suma, uma coletânea de memórias de missões passadas e os presságios malignos que anunciam a seguinte, mas é certo que Cagno promete com seu mundo amaldiçoado. Resta somente explicações e mais aventuras – além da oportunidade de diálogos de maior naturalidade. 

Para conhecer os autores:

Patas Sujas (Volumes 1 e 2), de Cris Peter, SulaMoon e Érica Awano

No primeiro volume de Patas Sujas, Cris Peter apresenta Na’az Ni, uma moça albina deixada por seu povo para morrer congelada por conta de sua aparência e fragilidade. Ela é resgatada, porém, por um trio de pessoas pertencente à Aldeia dos Excluídos, um vilarejo onde moram somente pessoas expulsas de suas tribos de origem devido à alguma diferença característica. Lá, Na’az Ni vai aprender a lidar com a tristeza trazida por ser condenada à morte por sua aparência diferente, contando com a ajuda de uma criatura dócil chamada Meem.

Já o volume dois segue Zam, rei do povo Abelhas depois da rainha, sua mãe, falecer. Em um povo onde as mulheres são a mentes e os homens os braços, Zam tenta equilibrar dentro de si o luto, as responsabilidades recém adquiridas, a necessidade por encontrar uma esposa para si – as Abelhas precisam de uma rainha – e a vontade de permanecer no campo de batalha como um zangão. A primeira decisão que toma é de continuar liderando o mapeamento dos arredores de sua tribo, ordens da falecida mãe, e ao fim do volume ele acaba encontrando a Aldeia dos Excluídos. 

Apesar de serem dois volumes, ambos possuem o mesmo ar introdutório. As artes de Érica Awano e SulaMoon conversam bem entre si, sendo o maior problema das duas o traço repleto de detalhes mostrado em um preto e branco sem luz ou sombra bem definidas, tornando a leitura cansativa visualmente e deixando um grande vazio em certos quadros. 

A narrativa de Peter deixa curiosidade pelo que ocorrerá na história fantástica, apresentando bem Na’az Ni, Zam, seus conflitos pessoais e as poucas regras conhecidas do mundo no qual estão inseridos, com a infelicidade de usar muitos dos personagens secundários como veículos de diálogos expositórios, que variam em sua capacidade de mesclar-se com a história. 

Em suma, Patas Sujas em seus dois primeiros volumes conta muito pouco do que pode vir a ser, mas apresenta premissas que prometem se mescladas na mesma narrativa, com personagens de designs e conflitos instigantes o suficiente para manter o leitor engajado. Resta torcer para que tal engajamento dure por futuros volumes. 

Para conhecer as autoras:

Leia a Parte 1 e a Parte 3 do nosso Especial!

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Artist's Alley da CCXP 2016 (Parte 1)

Uma amostra das HQs e autores presentes na Comic Con Experience deste ano.

Por Marina Ammar.

As críticas que virão são um especial provindo das minhas explorações pelo Artist's Alley da Comic Con Experience 2016, uma sucessão de mesas para artistas - principalmente brasileiros, independentes e na maioria das vezes apoiados por crowdfunding - exibirem seu trabalho.

As obras sobre as quais escrevi não são necessariamente novas ou debutaram na CCXP 2016. Algumas estavam em seus últimos volumes, enquanto outras viam a luz do dia pela primeira vez.

Mas o importante aqui não é isso. O objetivo desta coletânea é o saber de que todas as obras comentadas são frutos de talentos brasileiros. É gerar discussões e promover nomes desconhecidos, ressaltar os conhecidos e, acima de tudo, reavivar sempre o conhecimento de que muito ainda pode nascer do Brasil nessa área tão querida.


Anderdogue, de Bruno Dinelli


A história de Bruno Dinelli segue Raul, um escritor em período de bloqueio, e o que ele vive para aos poucos vencer essa seca criativa. Paralelamente, a partir do momento em que ele volta a conseguir escrever, sua história é contada de maneira entrelaçada com aquela que Raul escreve.

Aparentemente determinado a permanecer na estagnação de sua mente, Raul é coagido por amigos a sair, para atender à um show de rock. Ele tenta convidar os amigos para acompanhá-lo, mas todos estão ocupados, e ele segue sozinho com a ignição de sua mudança. No show, ele conhece Cecília, uma mulher que está constantemente mudando de cidade devido ao emprego. Como ambos já sabiam que aconteceria, o curto relacionamento que desenvolvem acaba com Cecília precisando mudar-se de volta para a capital.

Enquanto Raul chega à constatação de que uma ignição é necessária para alterar os elementos de um sistema, narra-se o projeto pessoal que ele começa a escrever baseado na interiorização de suas próprias experiências. A história escrita por Raul segue Nicolas, que está sempre viajando, sem propósitos além de conhecer o mundo, novas pessoas e lugares. Em todas as paradas, ele entra em um táxi e pede para ser levado para algum lugar interessante, com música e cerveja de preferência.

Raul escreve sobre uma noite em especial na qual Nicolas acaba se envolvendo no transporte perigoso de uma caixa misteriosa. Ele é sempre seguido por uma moça de óculos escuros que provavelmente está lá para garantir que a caixa seja entregue. No fim da noite, ele é drogado e devolvido para onde começou. A moça de óculos escuros troca uma única conversa com ele, na qual diz que "no fim, tudo isso não passará de uma boa história que você contará para outras pessoas".

É essa a impressão inteira que Anderdogue gera.

As cores são tons de cinza chapados, quase nunca variando em luz e sombra, ao passo que o autor opta por ilustrar seus personagens sem pupilas para impedir o leitor de mergulhar completamente em suas mentes ou reações. Além disso, ele compensa o traço simples com um compasso cinematográfico na história, medindo muitos painéis com ângulos e progressões que lembram câmeras, construindo assim uma atmosfera pungente e ao mesmo tempo fugaz. A história nunca para, movendo-se depressa entre o diálogo curto e os painéis de relevância narrativa.

Anderdogue é uma espiada na vida alheia que causa uma cumplicidade simples e pouco aprofundada, porque no fim da história, assim como Cecília (e ele mesmo), nós logo vamos mudar de estrada - um paralelo marcado pela figura de um quadro de um cavaleiro solitário que Raul tem na sala de casa, sempre observado pelo escritor. É um conto rápido e claro sobre as conexões da vida, seus efeitos e as escolhas que fazemos em relação à ambos. Dinelli traça em suas páginas o cotidiano: claro, rápido, firme e extraordinário na medida certa.

Para conhecer o autor:
http://brunodinelli.tumblr.com/
https://www.behance.net/brunodinelli

Cerulean, de Catharina Baltar

Cerulean é míope. Sempre deixada para trás por suas colegas sereias - tanto por se distrair com facilidade quanto por estar batendo a cabeça por aí - ela explora o oceano na companhia de seu amigo axolote, Ollie.

Juntos, eles encontram uma caverna com um bolsão de ar e também uma caverna para a superfície, onde um explorador perdeu sua mochila. Em seu interior eles encontram um par de óculos, uma camiseta, um chocolate, uma lanterna e outros itens. Cerulean sai da água – revelando ao leitor que consegue assumir pernas humanas quando quer – e decide explorar mais da caverna com ajuda dos óculos (finalmente salva da miopia) e da lanterna. Os frutos de sua exploração são um celular e o interesse crescente pela tecnologia humana, que a levam a explorar a superfície com frequência constante, até uma tarde em que ocorre um acidente com um petroleiro enquanto ela está longe do mar.

Preocupada com Ollie, Cerulean corre para avisá-lo, mas acaba quase se afogando quando descobre que já não pode voltar a ser sereia. A história se encerra com Cerulean trabalhando em um centro de preservação de vida marinha e a ligação de uma amiga dizendo que os peixes estão voltando para a costa – então talvez Ollie esteja bem. 

Baltar, no entanto, presenteia o leitor com histórias curtas no final do volume, sendo a última a verdade sobre Ollie, que está bem e logo encontra sua amiga. 

Cerulean é mais uma versão do que ocorreria se criaturas mitológicas interagissem com o mundo humano e seus elementos, sejam estes bons ou ruins. Auxiliado pela arte em aquarela de cores suaves e emoções palpáveis, o roteiro é simples e gera simpatia não pela conexão entre os personagens, deixadas estranhamente para as histórias curtas no fim, mas sim pela forma como são desenhadas, de forma fofa e expressiva, em situações que qualquer um poderia compreender. No geral, é uma leitura agradável, que acaricia o olhar com seus desenhos, mas falha em entreter ou marcar o leitor além do momento da leitura. 

Para conhecer a autora:

EXE (Esplendor x Efêmero), de Jun Sugiyama e Danilo Franco

Com roteiro de Jun Sugiyama e arte de Danilo Franco, EXE segue a história da Suprema Executora Natasha, uma mulher de partes robóticas. Nada é explicado sobre Natasha ser uma ciborgue, androide ou qualquer outro ser, mas isso pouco importa. O foco de EXE é a visão de Natasha sobre seu mundo e suas obrigações como executora, tendo como plano de fundo uma curta conspiração política e sua rivalidade com o Executor Kojiro, que se tornará Supremo Executor com a “aposentadoria” (de circunstâncias pouco explicadas, mas tudo leva a crer que seja uma desativação) de Natasha. Ele, porém, se recusa a aceitar o título de mais forte desta maneira; ele deseja antes vencê-la de fato. 

As questões apresentadas por Natasha provêm da efemeridade da própria vida e das vidas que ela tira exercendo sua função. O esplendor do título, embora não mencionado, pode ser interpretado como a força do propósito ou da direção que cada ser dá à própria vida. A arte de Franco dá o tom de artificialidade ideal para a dicotomia a respeito de essências, mas duas falhas residem nas páginas de EXE.

A primeira são as questões apresentadas pelo roteiro de Sugiyama. Apesar das discussões sobre aquilo que é apresentado no título serem sugeridas como seu foco principal – sob a visão de Natasha – a subtrama da conspiração aliada a uma repentina chuva de personagens no momento no qual Natasha precisa ser perseguida causam um atropelamento na história, que se afasta de suas questões essenciais para tratar de outros temas. 

Aliado à magnífica arte de Franco, isso causa o segundo problema: Cada personagem possui um design tão único e possibilidades tão infinitas para suas histórias que é um golpe ao leitor vê-los surgir e desaparecer tão rapidamente, em tom quase irônico com o título. 

As falhas, entretanto, pouco atrapalham na leitura, que é interessante durante o complemento de seu curto decorrer e deixa para trás apenas o desejo de que EXE não tenha sido tão efêmero. Ainda há muito do esplendor a ser explorado. 

Para conhecer os autores:



Kimera - A Última Cidade, de Airton Marinho, Giovanni Pedroni, Felipe Coutinho, Alessio Esteves, Jun Sugiyama, Eduardo Capelo, Tiago P. Zanetic e Natan Nakel


Kimera é uma coletânea de histórias curtas, fruto dos trabalhos conjuntos dos nomes citados acima. Como ideia coletiva, a obra possui o necessário para o engajamento inicial – uma boa premissa, bons nomes, arte de capa impecável e páginas repletas de estilos diferentes que não se conflitam, bem separados pelos temas abordados pelos roteiros. A premissa é a história de Kimera, a última cidade da qual se tem notícia, uma megalópole interdimensional e intertemporal que reúne qualquer tipo de pessoa ou criatura, de qualquer dimensão ou tempo.

Na prática, porém, o quadrinho falha em garantir a qualidade do todo justamente por ser uma mistura de talentos diversos, além de não aproveitar a premissa de possibilidades quase infinitas apresentada para si. Sendo assim, é mais simples comentar o volume por histórias, a primeira sendo "Metal Resgate".


Com roteiro de Airton Marinho e arte de Giovanni Pedroni, "Metal Resgate" é a crônica de como foi formado o grupo de protagonistas, composto pela super-forte Hana, o hacker Ed e o homem-com-cabeça-de-carro Diesel. Eles são contratados por Karen para encontrar seu pai - um mutante poderoso - e a trama se desenrola rapidamente. Apesar da ideia poder tomar qualquer direção, o roteiro segue uma linha óbvia, declarando morto o pai de Karen, moça herdeira de seus poderes e novo membro do time, durante cenas de ação que não carregam o roteiro. Marinho falha em criar a conexão rápida necessária para engajar o leitor em uma curta narrativa e a arte de Pedroni marca o olhar pela falta de continuidade em cenas mais dinâmicas, com visível dificuldade para situar o leitor no local onde os atos se passam. 


A segunda história é "Controle de Pragas, Bom Dia!", com roteiro de Alessio Esteves e arte de Felipe Coutinho, que segue uma equipe de exterminação formada por Janine, Dana e Gooze. O trio é contratado pelo Major, prefeito de Kimera, para exterminar dragões que não param de sair de um portal que surgiu dentro de sua residência. Para tal, contam com a ajuda de Lady Lucy, ex-namorada de Gooze e profissional em batalhas contra dragões. 


Na narrativa, o ponto alto é o momento da narração, quando a ação chega ao seu ápice. Apesar disso, o decorrer corrido do roteiro, somado à arte que utiliza de tons escuros demais e contornos pesados, torna o momento tão passageiro quanto complicado de acompanhar, apagando por completo a adrenalina da leitura. A ideia permanece criativa, mas falta a capacidade de apresentá-la de maneira mais engajadora. 


"Rapsódia em 7 Vidas", terceira parte da obra, tem roteiro de Jun Sugiyama e Eduardo Capelo, e talvez tenha a sua brevidade (é a mais curta das histórias contadas) como sua maior vantagem. Apesar do pouco tempo para apresentar os personagens, Sugiyama encontra uma saída simples: faz da protagonista, Sofia, uma gata antropomórfica, tornando seu ponto de conexão com o leitor muito mais simples. Assim, em uma curta aventura, Sugiyama dá a Sofia uma breve visão de seu passado em uma vida antes de Kimera, concebida durante uma sequência onírica ilustrada de maneira belíssima por Capelo, que também abre a história com um quadro de página cheia mostrando Kimera capaz de situar melhor o leitor do que as histórias anteriores. 


A quarta e última parte é "Cadê Meus Braços", com roteiro de Tiago P. Zanetic e arte de Natan Nakel, que segue Carl Saco, um gambá que trabalha como assistente do cientista e inventor Doutor Castor. Em uma manhã qualquer o Dr. acorda e seu robô está sem os braços, e logo encarrega Carl de encontrá-los. Depois de alguma procura, ele acaba encontrando-os junto a uma civilização vitoriana escondida nos esgotos e liderada por uma mulher vingativa, Madame Fancí.


Carl é um personagem divertido de se seguir, criando a cada passo de sua tarefa uma narrativa heroica nada merecida e que ao mesmo tempo o caracteriza rapidamente, tornando-o simpático ao leitor sem muita dificuldade. Embora seja muito repentina, a estranha história de Madame Fancí é algo que se esperaria de uma cidade como Kimera, e o tom de comédia não falha em apresenta-la. As cores da arte de Nakel, porém, não traduzem isso propriamente, diminuindo a cidade e pintando-a com ar muito infantil. 


No todo, Kimera - A Última Cidade não deixa de ser o que sugere – uma amálgama de temas e personagens inusitados - mas ele falha ao prometer tanta liberdade e aproveitar tão pouco desta. As boas histórias estão presentes, mas infelizmente também lembram o leitor do que o volume poderia ter sido. Resta torcer para que Kimera seja revisitada, de forma a compreender melhor as possibilidades de si mesma. 

Lara, de Caio Martins

Escrito por Caio Martins, o quadrinho é centrado na vida de uma menina de galochas amarelas chamada Lara e acompanha um dia típico seu, desde seus sonhos antes de acordar até o fim de sua jornada escolar. No primeiro sonho, Lara ganha as galochas de uma misteriosa figura feminina. Depois de acordar, ela caminha para a escola com a mãe, interagindo com a chuva acompanhada de seu fiel guarda-chuva de coelhinho. No colégio, encontra um amigo com quem se distrai desenhando.

A partir daí a história se transforma. Distraída desenhando, Lara não vê seu guarda-chuva saltar da cadeira e escapar em pulinhos.  É avisada pelo amigo, que logo distrai a professora para que Lara possa perseguir o fugitivo. Perseguindo o guarda-chuva para dentro de uma árvore, ela acaba caindo em um mundo invernal, onde a mesma figura que a presenteou com as galochas aponta uma flor aprisionada. Lara liberta a flor e com essa, espalha a primavera pelo mundo nevado.

Lara é um dia na vida de uma criança repleta de imaginação e personalidade, um caminhar ao lado do imaginário infantil e de como uma criança ainda preenchida da confiança de sua visão sobre o mundo vive as experiências de seu dia-a-dia. Martins presenteia o leitor não apenas com galochas amarelas, mas com uma narrativa que sem uma palavra dói um mundo inteiro, do ponto de vista repleto de cores e maravilhas da dona das galochas e um traço dinâmico e tão lúdico quanto Lara vê seu mundo.

Para conhecer o autor:

Leia a Parte 2 e a Parte 3 do nosso Especial!

domingo, 4 de dezembro de 2016

Guardiões da Galáxia Vol. 2 na CCXP

Painel do filme deixa claro abordagem visual mais estilizada e colorida.

Por Pedro Strazza.

Se havia alguma dúvida de que Guardiões da Galáxia Vol. 2 é um dos filmes mais esperados pelo público brasileiro em 2017, ela foi dissipada no último painel de sábado do auditório Cinemark da Comic Con Experience 2016. A recepção das 3.500 pessoas presentes no salão ao diretor do filme James Gunn e aos trechos mostrados do filme foram de longe as mais explosivas da programação do auditório, fazendo o chão chegar a tremer em determinados momentos do painel dedicado à sequência da space opera super-heroica da Marvel Studios. Um fato que não passou despercebido por Gunn, que na sua conta no Instagram definiu o painel como um dos "grandes momentos de sua vida".

A animação do público presente não foi à toa. Além da divulgação do segundo trailer oficial (que você pode conferir logo abaixo), a apresentação de Guardiões da Galáxia Vol. 2 na CCXP contou com dois materiais inéditos, ambos provindos da Comic-Con de San Diego: Um trailer estendido, que mostra mais detalhes da produção e revela o visual dos papéis de Elizabeth Debicki, Sylvester Stallone e Kurt Russell; e uma cena, que parece combinar dois momentos da narrativa e mostra a fuga de Yondu (Michael Rooker), Rocket Raccoon (Bradley Cooper) e Baby Groot (Vin Diesel) da prisão dos Ravagers, grupo de mercenários antes liderados pelo primeiro e um dos vilões da história.

Nos três vídeos, o que impera são o humor e um visual estilizado, muito mais berrante na paleta em relação ao já colorido original. Como bem indica o topete tecnonógico protuberante de Yondu (que pelo trailer acentua seu controle sobre sua flecha dourada, agora muito mais rápida e letal), Gunn parece ter assumido aqui um cinema de poses para seu grupo de heróis desfuncionais, que com seus trajes tornam-se verdadeiras estrelas do rock. Isso fica claro não somente pelas silhuetas de Peter Quill (Chris Pratt), Gamora (Zoe Saldana) e Drax (Dave Bautista) em ação no início do trailer divulgado mas também na fuga de Rocket, Yondu e Baby Groot: o slow motion é uma constante na cena, tanto para mostrar a ação da arma do antigo líder dos Ravagers como no momento em que os corpos dos bandidos caem enquanto o trio caminha em uma plataforma, em um daqueles planos definidores dos personagens como objetos cool.

A comédia, porém, ainda deve ser o elemento fundamental para que tudo funcione na história da equipe. Pelo menos nas imagens divulgadas, Groot, Rocket e Drax continuam sendo os pilares de sustentação para os momentos de desarme cômico da trama, ao passo que as novas adições ao elenco carregarão o humor em seus perfis. Gunn prometeu no painel que o personagem de Stallone, cuja identidade ainda é desconhecida, será protagonista de várias piadas no longa, enquanto o Ego de Russell e a Mantis de Pom Klementieff prometem divertir por perfis bastante distintos.

Ainda sobre Kurt Russell, é válido mencionar que seu papel de planeta vivo incorporado em um corpo humano deve proporcionar ao novo Guardiões da Galáxia oportunidades de se desenvolver tanto no drama quanto na comédia. Pai de Quill, o personagem protagoniza uma das cenas mais engraçadas do trailer da Comic-Con de San Diego, quando ao explicar para o grupo como seu receptáculo humano foi feito ele é interrompido por Drax com a pergunta sobre ele ter ou não ter um pinto. A resposta divertida de Ego ("Eu tenho um pinto, e dos mais respeitáveis vale dizer") e a vergonha de Quill com o teor da questão são elementos que evidenciam o potencial do Vol. 2 dentro dos futuros lançamentos da Marvel Studios e o porquê deste grupo ter ganhado tanto destaque entre o público.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O painel da Paramount na CCXP 2016

Estúdio traz o novo xXx e a adaptação de Ghost in the Shell para primeiro dia de evento.

Por Pedro Strazza.

A Paramount Pictures foi o primeiro grande estúdio a se apresentar na Comic Con Experience 2016, que começou nesta quinta (1) no São Paulo Expo e vai até o dia 4. Iniciando-se com dez minutos de atraso, o painel de pouco menos de uma hora e meia levou à loucura as 3.500 pessoas presentes no auditório Cinemark não apenas por trazer ao palco as estrelas Vin Diesel, Nina Dobrev e o lutador de UFC Michael Bisping mas também com materiais exclusivos de duas de suas produções de 2017, os filmes xXx - Reativado e Vigilantes do Amanhã - Ghost in the Shell.

Confira abaixo um resumo e opinião sobre os materiais divulgados no painel:

Vigilantes do Amanhã - Ghost in the Shell

Abrindo os trabalhos do painel, a Paramount apresentou duas sequências inéditas da adaptação estadunidense do mangá de Shirow Masamune para as telonas, as duas sendo exibidas pela primeira vez no Ocidente. A primeira é a sequência de abertura do longa, que ao som do tema musical do anime homônimo de Mamoru Oshii traz a montagem da protagonista, a ciborgue Major Motoko (Scarlett Johansson).

Já a segunda cena é uma de ação envolvendo o policial interpretado por Takeshi Kitano, que enfrenta um grupo de criminosos mascarados que fazem um atentado à sua vida. Depois de escapar da primeira saraivada de tiros a seu carro, ele entra em combate com os bandidos, um a um os abatendo com tiros e a mala que carrega. A cena termina com Kitano de pé perante ao último mascarado vivo, dizendo antes de matá-lo com um tiro e esvaziar seu revólver no morto que não se deve mandar coelhos para caçar uma raposa.

As duas sequências vem para mostrar o quão fiel a produção comandada por Rupert Sanders foi com a animação de Oshii. Principalmente a abertura do filme, que é idêntica à do anime, as cenas são plásticas e estilizadas, buscando e conseguindo exaltar a semelhança entre as duas obras. Pelo menos visualmente, os fãs da história cyberpunk estarão satisfeitos com o resultado.

A grande questão que fica para o filme neste campo, na verdade, é se o longa de Sanders conseguirá arranjar voz própria. As belas imagens até aqui divulgadas são bem claras nesta proposta de emulação, mas parecem estar tão atreladas ao anime de Oshii que não são capazes de se distinguir de outras produções hollywoodianas que abordam distopias. E com o desejo do estúdio de tornar a história em uma franquia, esse destaque é mais do que necessário.

xXx - Reativado

Além do painel com Diesel, Dobrev e Bisping e o material já existente na internet, a Paramount apresentou na CCXP os vinte primeiros minutos do filme, que apesar de algumas coisas ainda para serem finalizadas (os créditos iniciais e os gráficos surgem muito rápido) já apresenta o tom da continuação do longa de 2002.

O início de xXx é composto de três cenas. Na primeira, acompanhamos o Agente Gibbons (Samuel L. Jackson) apresentando e tentando recrutar para o projeto do título Neymar Jr., indo em dois segundos de um assalto frustrado pela ação heroica do jogador do Barcelona - que impede o crime chutando um porta guardanapo no assaltante (?) - à queda de um satélite com todas as explosões que a produção pode ter direito. Dali, o filme mostra uma reunião do governo promovida pela agente interpretada por Toni Collette no intuito de apresentar uma nova tecnologia de vigilância, mas que é roubada na hora por uma equipe liderada pelo personagem do artista marcial Tony Jaa, emendando em seguida com uma sequência radical que mostra Xander Cage (Vin Diesel) assaltando uma antena governamental - por motivos que não valem a pena serem revelados aqui - e fugindo de seus agentes através de esqui na terra e skate.

São vinte minutos que passam relativamente rápido e indicam o teor mais juvenil da produção, que brinca acima de tudo com as possibilidades extremas e irreais dos esportes radicais. Nesse sentido, o novo xXx parece ser bastante coeso com sua proposta: o diretor D.J. Caruso realiza suas sequências ditadas sobretudo pelo ritmo e as poses de seus personagens, com Diesel e Jaa não exitando em fazer caras e bocas em meio à ação que protagonizam, ao passo que a trama não parece possuir maior função que ser uma linha de condução a esses sets de ação. É um filme de exageros que se assume como tal, disposto a brincar sem maiores preocupações.

Ao mesmo tempo, porém, essa juventude do novo xXx dependerá muito da conexão que o público nutre com os personagens, algo que o longa parece só possuir com Diesel. Se o ator de 49 anos mostra carisma nas cenas que protagoniza (algo que repercute para a realidade, como a emoção do público perante a presença do ator na apresentação bem prova), o restante do elenco não mostra o mesmo vigor: Jaa soa mecânico nas piscadelas que dá ao espectador em meio à sua performance, enquanto Collette e Jackson estão a princípio presos em estereótipos governamentais. Já Neymar exala a inexperiência como ator em sua estreia em uma produção estadunidense, soando forçado nas poucas falas que diz e um pouco truncado em seus movimentos na cena que "divide" com Jackson.

Logo no início do painel de xXx - Reativado, Diesel foi enfático ao dizer que "estava morrendo de vontade de fazer um filme divertido" após o difícil momento emocional que viveu com a morte do amigo Paul Walker no meio das filmagens de Velozes e Furiosos 7. O termo "diversão" inclusive foi bastante repetido por ele e os outros dois atores no restante da apresentação na CCXP e está bastante presente nos momentos iniciais da produção. Resta saber se essa diversão será suficiente para suportar um longa-metragem de prováveis quase duas horas de duração.