domingo, 15 de abril de 2018

Crítica: Baseado em Fatos Reais

De volta aos suspenses psicológicos, Roman Polanski desconstrói a própria posição de autor com desinteresse.

Por Pedro Strazza.

Roman Polanski é "atormentado" por seus casos de estupro e pedofilia desde as primeiras acusações em 1977, mas parece que só recentemente o diretor começou a sentir o peso das alegações que recebeu. Seguindo na via contrária de seus trabalhos anteriores, sua produção nos anos 2010 se vê enxuta de maiores ambições temáticas externas e adquiriu uma conotação muito franca e direta com a relação do autor com suas obras e o público, retrabalhando os seus eternos jogos de dominação e submissão do sexo a uma dinâmica escancaradamente interiorizada. Tanto que Deus da Carnificina e A Pele de Vênus, os dois primeiros longas do cineasta nesta década, dividem além do fato de serem baseadas em peças a semelhança de possuírem uma configuração narrativa quase elementar: um único espaço, um grupo bastante reduzido de atores e uma câmera.

Existe muito de uma restrição orçamentária (afinal, a reputação de Polanski não deve ajudar muito no financiamento de seus filmes) e da permanência dos crimes no imaginário público que devem ganhar responsabilidade neste processo, mas é também verdade que o cineasta anda muito introspectivo na questão da posição de seu cinema dentro de sua mentalidade um tanto distorcida e culpada. Esta metodologia auto-consciente, que mora na divisa entre a ficção e o real, serve novamente e obviamente de centro nervoso ao diretor em Baseado em Fatos Reais, produção que como o título bem deixa implícito tem na intersecção entre o ofício do escritor e a relação do criador com seu público o ponto de partida para mais um destes seus divãs autorais.

Na trama, Delphine (Emmanuelle Seigner) é uma celebrada escritora presa no meio de um bloqueio criativo que durante o sucesso do lançamento de seu mais novo livro conhece Elle (Eva Green), jovem misteriosa e fã de seu trabalho com a qual passa a nutrir uma relação quase exclusiva em sua vida. A exemplo dos anteriores, Polanski se cerca de grandes nomes exaltados no meio (Alexandre Desplat compõe de novo a trilha sonora, Olivier Assayas é autor do roteiro junto do cineasta, os próprios nomes da esposa Seigner e de Green no elenco) para traduzir a obra literária homônima de Delphine de Vigan para a telona em uma narrativa simples e de objetivos revelados do princípio, com o thriller psicológico e suas ambições de turva os limites entre o real e imaginário expostas logo nos primeiros momentos. Seja no nome da personagem ou no uso da fotografia do polonês Pawel Edelman (a mulher nunca está presente na perspectiva visual de ninguém além de Delphine), o público já parte conscientizado do fato de Elle estar presente apenas na imaginação de sua protagonista, servindo a esta como uma materialização do tormento que passa.

É um jogo de cartas abertas bastante explícito que o filme encena, uma dinâmica que parece acelerada de forma a reduzir interpretações do espectador ao essencial e não hesita em tornar todas as batidas conhecidas do gênero visíveis a cada instante. Da duplicidade das figuras de Seigner e Green à claustrofobia crescente sentida pela protagonista conforme a trama avança - passando pelo óbvio enevoamento dos fatos mostrados - tudo é posto na tela sem maior delonga pela narrativa, que mostra alguma pressa para chegar ao que lhe interessa. 

O que Polanski procura com Baseado em Fatos Reais é muito similar ao resultado obtido com A Pele de Vênus, onde ele colocava a imagem do autor em uma rota de subjugação e humilhação dentro de um esquema de dominação sexual antes controlado que, claro, encontra uma forte identificação com a realidade do cineasta. O que muda de lá para cá é em especial a exclusão do elemento masculino (se antes Seigner era a musa pronta para destruir o criador, agora ela é a criadora destinada a entrar em colapso) e a substituição deste elemento vexatório por uma percepção desta crise de identidade como motor de criação, no qual estas agruras do autor retroalimentam seu trabalho.

Mas por mais instigantes que estas mudanças na proposta possam ser à codificação deste seu cinema, porém, Polanski no fim acaba por mostrar um raro desinteresse pelo projeto e todo o jogo de gato e rato entre Delphine e Elle, com a narrativa aos poucos exaurindo suas opções de metalinguagem e de alegorização em uma execução um tanto feita no piloto automático. A exposição antecipada de todos os posicionamentos simbólicos da história não ajuda, e o filme que começa sob a promessa de um suspense psicológico acaba restrito em seu desenrolar a um senso de paranoia um tanto redundante - uma sensação que talvez reflita melhor a posição atual de seu diretor sobre si mesmo.

Nota: 4/10

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