domingo, 17 de setembro de 2017

Crítica: Columbus

Estreia de ensaísta na direção encontra na arquitetura o fio de condução para o drama.

Por Pedro Strazza.

É uma comparação inevitável o paralelo entre Columbus, o elogiado debute na direção de Kogonada, com os filmes de Yasujirô Ozu. Além do próprio fato do nome usado pelo diretor ser uma homenagem do conhecido vídeo ensaísta a Kogo Noda, colaborador de roteiro habitual do grande cineasta japonês, o longa é também um que busca seguir a cartilha do cinema de Era Uma Vez em Tóquio e Pai e Filha, empregando planos abertos que pautam a narrativa pelos ambientes ocupados pelos personagens e seus dramas.

As semelhanças e a influência de Ozu, porém, começam e se encerram na parte estética da produção, pois fora da dimensão visual perfeccionista (e, naturalmente, bela) o estreante diretor sul-coreano demonstra ter interesses muito diferentes de seu ídolo japonês. A começar pela própria relação dos ambientes com a história a ser contada no filme que, mesmo que pautada por relações familiares, está longe desta desconstrução de valores proposta pelo falecido mestre cineasta em sua extensa obra.

A trama, escrita pelo próprio Kogonada, acompanha Jin (John Cho) e Casey (Haley Lu Richardson), dois indivíduos que estão na Columbus do título e passam por momentos muito distintos de suas vidas. Ele, coreano de educação estadunidense que trabalha na tradução de livros, vem aos Estados Unidos para acompanhar o pai enquanto este - um famoso arquiteto - encontra-se em um coma crítico no hospital da cidade; ela, nascida na região, está em conflito entre sair para o mundo e fazer a faculdade e ficar em casa e cuidar da mãe. Conhecendo-se por acaso um dia, os dois passam a sair juntos para discutir arquitetura, um assunto que é paixão dela e tema recorrente na rotina dele graças ao pai.

São dessas conversas que o longa então passa a trabalhar a sua narrativa, e é daí que já se percebe as diferenças de direcionamento entre aprendiz e mestre. Tal distinção se faz por meio de uma inversão de raciocínio bastante pontual: se em Ozu os ambientes serviam para dimensionar a rotina e compreender as mudanças em curso sentidas pelos personagens, Columbus funciona em cima da maneira pela qual seus personagens afetam o cenário, transformando-os em seus universos particulares à partir de suas próprias experiências. É um exercício de intimidade a ser sentido pela arquitetura dos espaços, tema que Kogonada põe de central na obra sem muita sutileza em momentos como a resposta suprimida de Casey sobre o porquê de certo prédio ser seu favorito (na hora, observa-se apenas o brilho de seu olhar na hora de sua explicação) ou a passagem que mostra uma faxineira limpando o apartamento de Jin, uma cena capaz de sozinha evidenciar a fragilidade da noção do espaço como memória - afinal, aquele microverso criado pelos personagens não deixa de ser só um espaço ocupado por cadeiras e espelhos.

Mas se o diretor segue no caminho inverso de outros cineastas admiradores de Ozu (como Ira Sachs e seu recente Melhores Amigos) no que diz respeito a ambições temáticas, seu filme não deixa de ser um emulador das mesmas emoções tocantes deste cinema. O que o atrapalha a princípio neste debute, entretanto, está nas próprias características da trama e no jeito como ele a aborda, pois a história no fundo não consegue ser o veículo ideal para suas ambições temáticas. Além do paralelo traçado entre os dramas dos dois protagonistas ser frágil demais para entregar a profundidade emocional requerida (o longa se basta em unir seus traumas de separação pelo viés das diferentes idades), a produção também termina por privilegiar sua visão arquitetônica dos espaços em detrimento dos personagens, o que contribui para tornar o todo um tanto artificial - talvez o que mais deixa claro esta tendência são os coadjuvantes, restritos a executar suas funções na história e privados de qualquer arco emocional.

Isso não significa, porém, que Columbus passe sem conseguir transmitir qualquer sinal de emoção, muito pelo contrário. Se Kogonada sofre com os típicos dilemas de quem está começando a formular uma visão própria de cinema, indeciso entre emular suas inspirações e seguir caminho próprio, suas decisões estéticas e narrativas estão suficientemente bem costuradas para dar ao filme momentos de intimidade muito tocantes, refletidas em espaços vazios que são capazes de conduzir a dramaturgia da cena como o encontro privado de Jin com a assistente do pai (Parker Posey) enquadrado pelos espelhos do apartamento. Este é sem dúvida o tipo de benção esperado dos aprendizes de Ozu, e ver isso materializado na tela é sinal de que a carreira do diretor está no rumo certo.

Nota: 6/10

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