domingo, 18 de maio de 2014

Crítica: Sob a Pele

Filme traz questionamentos interessantes, mas esquece de desenvolvê-los

Por Pedro Strazza

O ser humano, assim como todos os outros seres vivos do planeta, tem em suas obrigações biológicas o dever de perpetuar a existência de sua espécie. Pelo menos para as ciências da natureza, essa necessidade é primária em qualquer comunidade, e precisa ser realizada da melhor maneira possível dada as suas condições disponíveis. Assim, em termos oriundos da Biologia, se em uma sociedade hipotética existissem apenas um homem e uma mulher, os dois precisariam necessariamente se juntar e começar a procriar em ordem de manter a humanidade viva, não importando sua "química de casal" ou coisa do tipo.
Mas se adicionarmos apenas um homem ou uma mulher à essa mistura, um novo e complexo elemento se junta à equação da vida: O julgamento. De início aparentemente inofensivo, esta variável será responsável por dar ao lado menos populoso da balança o poder de escolher o parceiro com o qual cumprirá suas obrigações existenciais (ainda em termos biológicos, lembrando), e criará no outro prato uma disputa pelo indivíduo que detém esta capacidade. A partir deste momento, surgem os rituais de acasalamento, as brigas entre integrantes do sexo masculino ou feminino por um ser de mútuo interesse, o amor e, no nível atual de desenvolvimento da espécie humana, a ciência dos relacionamentos.
E neste estudo intricado do comportamento, a questão primordial é: Como escolher, entre os mais diversos candidatos, o parceiro ideal? Seja homem ou mulher, os procedimentos para resolver o problema são vários, mas naturalmente ambos os gêneros iniciam sua "avaliação" pelo físico do outro. E apesar de ter alterado seus valores (e, em certos casos, tê-lo invertido por completo) com o passar do tempo, o julgamento da beleza feminina e masculina se manteve essencial para o ser humano realizar seus rituais de sexualidade.
Com a evolução social, porém, essa avaliação humana abandonou aos poucos outros vários importantes fatores a serem considerados, tais como a inteligência ou a compatibilidade entre os dois envolvidos, e focou-se cada vez mais no aspecto físico. Mas a beleza poderia ser tão grande assim para ocupar tal posto importante na reprodução humana?
Sob a Pele, terceira obra do diretor Jonathan Glazer, estabelece sua discussão exatamente neste ponto. Baseado no romance homônimo de Michel Faber, o filme questiona, através da trajetória de uma alienígena (vivida com primor pela bela Scarlett Johansson) que seduz homens para se alimentar de seus corpos, o quão superficiais somos neste processo de avaliação superficial através das próprias reflexões de sua protagonista, mas não se dispõe a debater o assunto.
Dessa maneira, sucedem-se na produção ideias e imagens ao longo dos seus 108 minutos que são de fato interessantes, mas que em nenhum momento chegam a serem desenvolvidas pelo roteiro de Walter Campbell e Glazer. Cenas como a criatura tentando comer um bolo ou envolver-se com um humano, por exemplo, poderiam ser ótimos pontos de início para uma discussão acerca da procura da personagem em humanizar-se ou de seu efeito estético que busca passar à humanidade, mas acabam por serem transformados em fatos pontuais da narrativa, extremamente precária em sua concepção.
Ao mesmo tempo que atira ideias ao espectador, Sob a Pele traz também excelentes momentos de tensão, causados principalmente pelo teor da história e da trilha sonora do novato Mica Levi, cujo exagero e recorrência tornam a experiência cinematográfica angustiante. Usando destes dois elementos, Glazer conduz a trama a partir de seu visual, criando cenas de impacto para afundar seu espectador no clima do filme na mesma medida que a alienígena faz com suas vítimas. Esse procedimento ainda serve de auxílio para fixar no público os conceitos, ainda que não discutidos, propostos pelo roteiro.
Com premissa interessante e aberta a uma discussão complexa, Sob a Pele não consegue ser totalmente eficaz em sua proposta por sofrer demais da falta de seu desenvolvimento filosófico. Ao jogar para o espectador toda a tarefa de debater sobre suas ideias, o filme esquece de desenvolver estas de forma apropriada e esvazia a discussão que procura criar de uma possível profundidade maior e adequada ao tópico.

Nota: 6/10

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