segunda-feira, 12 de maio de 2014

Crítica: O Passado

Asghar Farhadi traz visão melancólica em personagens de passado recorrente

Por Pedro Strazza

[Esta resenha talvez possua alguns leves spoilers sobre a trama do filme. Nada muito pesado, mas se quiser ver o filme como ele o é talvez seja melhor deixar este texto para depois da sessão.]
Se há uma coisa que assusta o ser humano, esta é o de enxergar a própria trajetória percorrida. Apesar de se compor de início como uma simples auto-análise, relembrar o passado é uma atividade que envolve muito da reabertura dolorida de erros cometidos ao longo de nossa curta existência a custo de absolutamente nada (afinal, qual seria o propósito de repensar brigas, conflitos e dramas desnecessários?) e de forma geralmente voluntária. Este exercício, além de punitivo, é causado em grande parte das vezes por um reencontro físico da pessoa com um objeto antigo ou uma pessoa cuja face não se via há tempos - E neste último caso, a dor infligida pelo reencontro aumenta à medida em que o tempo de convívio com o indivíduo passa.
Para Marie (Bérénice Bejo), o passado bate em sua porta quando seu marido iraniano Ahmad (Ali Mosaffa) desembarca em Paris para, a seu pedido, assinar o divórcio entre os dois. Dona de casa e atendente em uma farmácia, a francesa mora em uma pequena casa na periferia da cidade junto de Samir (Tamar Rahim), seu esposo, e três criançadas trazidas pelos dois de outros casamentos - Nenhum deles geneticamente ligado a Ahmad - em uma conflituosa convivência. Desconfiado das brigas que permeiam esta família, o iraniano vai aos poucos descobrindo os mistérios causadores de tamanhos rebuliços, todos envoltos nos passados de Marie e de seu cônjuge proprietário de uma lavanderia.
Interessantemente, todas as perguntas envoltas na trama de O Passado giram em torno da culpa não assumida. Seja na dor de Samir em não desistir da possibilidade de sua ex-mulher estar viva após o suicídio ou na de Marie e outras pessoas em talvez ter sido a grande responsável pelo suicídio desta - passando até pelos surtos de raiva e rebeldia do pequeno Fouad (Elyes Aguis) acerca dos mais diversos motivos - o filme evidencia como os personagens sofrem por tomar essa decisão a partir de suas trajetórias emocionais no longa. Os diálogos, realizados de maneira conflituosa na maioria das vezes (e encerrados de maneira não amistosa em quase todos os momentos), também ajudam a pintar esse duelo interior que ocorre nessas pessoas, pois tornam claros o quão problemáticas e mal-resolvidas elas são no que toca suas vidas.
Mas mesmo elaborando um quadro de desolação emocional o longa ainda encontra espaço para desenvolver um contraponto, representado pela figura de Ahmad. Apesar de ainda não ser o parâmetro ideal de personalidade, o iraniano possui aqui uma tranquilidade espiritual incomum ao roteiro, causada justamente pela ausência do medo em admitir seus defeitos e humanidade. Dessa forma, Ahmad torna-se o personagem perfeito para tentar auxiliar os outros a realizar tal caminho, e, mesmo que não alcançando o sucesso na maioria das vezes, sua participação é decisiva para operar algum tipo de mudança (mesmo que pequena) no interior dessas.
Ainda sim, o roteiro escrito pelo diretor Asghar Farhadi não apresenta quaisquer traços de otimismo, e deixa claro que a situação apresentada aqui não será resolvida pela breve estadia de Ahmad. As angústias de seus personagens, dolorosas em todas as medidas, seguirão acontecendo enquanto suas ações anteriores as assombrarem, e como os eventos do presente se baseiam no passado, esta psicologia depressiva só há de aumentar. Como na metáfora final de O Passado, deixar uma singela caixa de perfumes para trás em um hospital é uma tarefa tão difícil quanto seguir em frente sem olhar para trás e pensar: "E se eu tentasse de novo?".

Nota: 9/10

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