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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Crítica: 22 Milhas

Iko Uwais e o resto é resto.

Por Alexandre Dias.

Atirador, de 2007, é um dos únicos filmes de Antoine Fuqua realmente bons, fora a sua obra-prima Dia de Treinamento. Não espetacular, mas bom. O principal motivo é por recorrer à fórmula de ação das antigas, dos clássicos de brucutus dos anos 80, em que há uma premissa rasa, porém aceitável, e a pancadaria faz o resto. Um ou outro tema político, ou uma pequena reviravolta ainda se revelam, mas com uma certa moderação justamente porque Fuqua compreende o seu projeto.

Esse é o grande problema de 22 Milhas. Não sabemos se estamos vendo um thriller de ação, algo voltado para Jason Bourne, que, de fato, faz mais o estilo do diretor Peter Berg, ou um longa-metragem mais explosivo e menos denso. Apesar disso, pequenas características benéficas são tiradas dessa confusão resultante da quarta parceria entre Berg e Mark Wahlberg. E todas, sem exceção, envolvem uma pessoa: Iko Uwais. 

A produção é basicamente uma missão. É um contexto que permite os dois caminhos citados acima, inclusive, já tendo sido utilizado por Berg no passado com O Grande Herói, também com Wahlberg – um trabalho, muitos tiros e pequenos comentários políticos. No entanto, parece que o cineasta filmou às pressas um rascunho do roteiro de Lea Carpenter e Graham Roland. As intromissões de James Silva (Wahlberg) sobre a sua concepção do mundo, as cabeças dos presidentes norte-americanos e as bandeiras evocam todos os aspectos mais superficiais do diretor. Esta “seriedade” temática está lá por estar, não tem função.

É um dos pontos em que a comparação com Atirador vem a calhar novamente. A política patriota estadunidense representada pelo setor militar é muito polêmica para ser debatida desse jeito, assim Fuqua a usou a favor da sua história, só com o objetivo de promover a ação. Portanto, a junção desse traço reflexivo mal desenvolvido com a trama frenética ao modo Busca Implacável de 22 Milhas geram uma bagunça. Contudo, o elo do pouco sentido que é essa confusão, chamado Iko Uwais, garante alguns bons momentos.

O ator indonésio é um dos grandes artistas marciais do cinema desta geração. Ele estourou com a franquia Operação Invasão, de Gareth Evans, e protagonizou outras obras na mesma linha, como Merantau e Headshot. Toda a sua habilidade é uma das atrações à parte do longa, com certeza possuindo sua influência como coordenador por trás das câmeras – imaginem o que ele poderia fazer com Chad Stahelski em John Wick. Aliás, a melhor cena do filme é sem dúvida a sua luta contra uma tentativa de assassinato, que já introduz bem o que percorre o seu personagem. 

Porém, não são só os seus golpes que são bem-sucedidos. Li Noor, o alter ego de Uwais, é o mais desenvolvido de todos os outros papéis. O espectador fica interessado em saber quais são os seus objetivos e a atuação do indonésio, que mistura inteligência e bondade, contribui diretamente para isso. Aliás, a resolução de Noor é outro ponto do projeto que faz valer o ingresso, seja algo previsível ou não. Ele está a anos luz de distância em qualidade dos outros personagens. 

A começar por James Silva, que só tem o nome de legal. Parece que Wahlberg pegou o seu estilo bad boy de Os Infiltrados e Quatro Irmãos e injetou anabolizantes. Dessa forma, a sua ótima introdução por meio de fotos e documentos se perde e dá lugar a apenas um chefe babaca. O resto da equipe dos Overwatch é totalmente dispensável. Aliás, literalmente, pois Silva afirma que eles são chamados em situações extremas, mas parecem amadores, ainda que a reviravolta principal justifique isso. Pelo menos John Malkovich tem um ou dois momentos sendo... John Malkovich. 

As próprias cenas de ação demonstram a falta de integração do grupo. E o que há no destaque de Uwais distribuindo a pancadaria, falta nos outros agentes. Berg chegou a criar situações legais, como a infiltração no início, a perseguição de carros e o gato e rato no prédio abandonado, cenários parecidos com aqueles presentes em Operação Invasão. Entretanto, a execução em si foi destrambelhada, o que, mais uma vez, dá a impressão de pressa, porque em O Grande Herói ele soube como cadenciar a movimentação. 

Já há planos da STX para uma sequência. A cara de season finale dos últimos minutos de 22 Milhas geram curiosidade para essa possível continuação, mas se há tanto potencial visto pelos produtores, que essa nova marca seja melhor pensada do que uma explosão adoidada de vários elementos. E por favor, Stallone, chame Iko Uwais para o próximo Mercenários!

Nota: 4/10

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Crítica: Hotel Artemis

Ideia, elenco e nada mais.

Por Alexandre Dias.

Trabalhar com elencos grandes e já estabelecidos no mercado é muito difícil e, normalmente, indica uma insegurança do projeto desde a sua concepção. Quando não é um Quentin Tarantino ou um Terrence Malick, onde os devaneios dos autores tornam o filme “maior” que os seus atores, estamos acostumados com entretenimentos leves. Os Mercenários ou Onze Homens e um Segredo demonstram como essa proposta cria um álibi para o modo de lidar com os seus nomes.

Hotel Artemis, primeiro longa-metragem do roteirista Drew Pearce, responsável pelos textos de Missão: Impossível – Nação Secreta e Homem de Ferro 3, segue esta mesma linha de raciocínio. De fato, é um pensamento acertado e funciona até certo ponto. Porém, Pearce sofreu o baque do cargo na direção, em paralelo a uma história repleta de irregularidades, o que acabou deixando o seu trabalho à mercê de uma ideia eficiente e do talento da sua equipe de atuação.

Um hotel que acolhe criminosos – Keanu Reeves, cadê você? - em um futuro distópico. É um conceito quase que à prova de erros de tão legal. Além disso, é extremamente inteligente em termos de orçamento. Provavelmente gasto com metade do elenco, o pouco que vemos do mundo exterior convence com armas futurísticas e manifestações caóticas. Portanto, o título da obra realmente é um dos protagonistas, em teoria gerando um ambiente claustrofóbico, misterioso e agressivo. Percebe-se com clareza que o objetivo era misturar suspense com ação. Mais uma vez, isso tem êxito até certo ponto.

A sensação de que as coisas vão explodir a qualquer momento é melhor do que a explosão em si. Com exceção da cena do corredor de Nice (Sofia Boutella), não há nenhum tiroteio ou pancadaria que seja digno de nota. Pode-se dizer que houve um desperdício? Sim, afinal, as oportunidades de realizar isso são mostradas, como na expectativa gerada quando Everest (Dave Bautista) pega um machado e dá a impressão de que teremos um momento ao estilo Leônidas de Esparta.

Contudo, essa não utilização da ação não é um demérito. A circulação dos personagens pelo Artemis, um lugar desolado, porém com retoques tecnológicos, aumenta a sensibilidade das situações, visto as suas posições de profissionais do crime. A questão é que Pearce é totalmente dependente da cadência em lidar com o ambiente e os integrantes dele, ao invés de desenvolver e explorar as histórias que haviam ali.

O maior exemplo disso é Waikiki (Sterling K. Brown), que é um dos personagens principais do filme, mas não tem muito o que fazer nele, apenas não sendo completamente desinteressante por causa do seu ótimo intérprete. A relação do ladrão com Nice é muito superficial, quanto mais a com a Enfermeira (Jodie Foster), que brota do nada pelo fato dos dois protagonizarem o longa. Aliás, essa última ocorrência torna-se tão estranha justamente pela boa química que Everest teve com a idosa durante toda a produção.

Esta via de mão dupla do bom elenco com papéis rasos é igualmente clara no tom excessivo. O humor ácido e a violência funcionam em alguns momentos, como na interação entre Nice e o Rei Lobo (Jeff Goldblum, caricato na medida certa). Por outro lado, forçam a barra, esclarecendo a perda de controle de Pearce sobre o que ele tinha em mãos. Os personagens de Charlie Day e Zachary Quinto são a prova cabal disso; enquanto o primeiro, sempre na gritaria, tem muito tempo de tela para ser só um coadjuvante babaca, o segundo é um dos herdeiros mais chatos que eu vi no cinema nos últimos tempos.

Inclusive, é curioso como a obra parece ter noção do que ela é às vezes, pois quando o Rei Lobo dá uma “chamada” no filho é, sem dúvida, o sentimento do espectador se revelando. Entretanto, a participação de Quinto como Crosby também é hiperbólica. Quem sabe em uma possível sequência, sugerida pelo projeto na sua conclusão, haja um pouco mais de competência para o potencial de todas as suas qualidades manifestar-se por completo e sem máscaras.

Nota: 5/10

sábado, 8 de setembro de 2018

Crítica: Marvin

Filme francês reúne a luta contra a homofobia com o empoderamento através da arte.

Por Letícia Dauer.

Um jovem ruivo de olhos claros com traços femininos se analisa em frente ao espelho, penteia as sobrancelhas com uma pequena escova e dá um suspiro, antes de fazer um breve alongamento. Com o peso de uma vida nas costas, Martin Clement (Finnegan Oldfield), nascido Marvin Bijou, parece se preparar para correr uma maratona e realmente está. Em um teatro lotado, ele apresenta um monólogo sobre sua difícil e sofrida infância. 

Marvin, o novo filme de Anne Fontaine - que também dirigiu Coco antes de Chanel - discute as nuances da homofobia a partir da história do pequeno Marvin, criado dentro de uma conservadora comunidade no interior da França. A narrativa não é cronológica e linear, por isso é construída alternando períodos da infância e da juventude do protagonista, quando estudava em um conservatório de teatro. 

No decorrer da infância, Marvin sofreu múltiplas violências por diferentes instituições. Tanto na escola quanto em casa, sentia-se como um verdadeiro forasteiro e fugitivo. No ambiente escolar, já era rotina ser perseguido e agredido por colegas por mais que tentasse ser invisível. Enquanto no seio familiar, nunca encontrou de fato um lar. Os pais negligenciavam, ou talvez apenas ignorassem por vergonha e ignorância, a homofobia que o filho sofria. 

O pai Dany (Grégory Gadebois), no longa metragem, representa o desejo de seguir a norma, nesse caso a heteronormatividade, e banir aquele que é considerado diferente como o filho. A completa solidão e falta de identificação com o meio em que vive induzem Marvin a tentar se normatizar; ele até se relaciona com uma garota durante a puberdade. Como Marvin tem traços e comportamentos julgados femininos, ele também tenta performar a masculinidade para ser aceito pela comunidade. 

Na sociedade patriarcal, a masculinidade é inerente a violência que é uma demonstração de poder, por isso mesmo sendo vítima de violência, Marvin passa a reproduzi-la em menor escala contra outra minoria, as mulheres. Apresentando um comportamento bruto, por exemplo, há uma cena em que Marvin, enquanto bebe cerveja, xinga uma vizinha de “gorda” e “vagabunda” por reclamar da algazarra que ele e os amigos estão fazendo em frente a sua casa. 

Durante o processo de aceitação de sua orientação sexual, o teatro é o grande instrumento usado para externar seu sofrimento e para se redescobrir. Essa jornada só é possível com a ajuda de três mentores: a diretora do ensino médio Madeleine Clément (Catherine Mouchet) que lhe apresenta o teatro, o artista homossexual Abel Pinto (Vincent Macaigne) que é modelo e inspiração e a atriz Isabelle Huppert e lhe ajuda a concretizar a peça. 

O roteiro de Pierre Trividic e Anne Fontaine explora com êxito as dificuldades em se desconstruir a homofobia e a intersecção com outras opressões. Apesar da família de Marvin viver sob uma cultura conservadora e ignorante, o enredo não peca pelo viés naturalista e apresenta certo otimismo. Dany, no final, consegue reconhecer a identidade do filho e chega a questioná-lo se um dia irá se casar.

Nota: 8/10

sábado, 1 de setembro de 2018

Crítica: Nico, 1988

Descubra a mulher por trás do ícone Nico do Velvet Underground.

Por Letícia Dauer.

Atriz, cantora, compositora, modelo, mãe. Christa Päffgen, mundialmente conhecida pelo pseudônimo Nico, foi um grande ícone e musa da década de 60. Sua imagem e beleza têm sido eternizadas como Femme Fatale, nome em referência a música que cantava com a banda The Velvet Underground. Entretanto, aqueles que entrarem no cinema apenas com essa representação glamourizada da artista certamente serão surpreendidos. 

Nico, 1988, dirigido e escrito pela italiana Susanna Nicchiarelli, retrata os dois últimos anos da turbulenta vida de Christa (Trine Dyrholm), enquanto realizava turnê por alguns países da Europa. Somos apresentados a uma Nico gótica, instável, cansada, viciada em heroína que ainda carrega muitos traumas de infância. Quando a pequena Nico nasceu, em 1938, em Colônia, a cidade alemã estava imersa na tensão da Segunda Guerra Mundial, sendo posteriormente bombardeada e destruída pelas forças aliadas.

Vivenciar a guerra tão cedo marcou para sempre a alma da artista, tornando-a inquieta e perturbada. Durante o longa metragem, Christa sempre carrega um gravador para, de acordo com a personagem, tentar capturar o som da derrota da guerra e de Berlim queimando. O barulho do aquecedor de água, das ondas do mar e do equipamento hospitalar são alguns dos sons gravados. Apesar do filme ter várias canções, são esses sons diegéticos que se destacam, demonstrando o belo trabalho do editor de som Marc Bastien.

Embora Christa seja mais conhecida pela participação no Velvet Underground, um dos méritos da biografia é justamente distanciá-la dessa fase e mostrar o trabalho solo e experimental da artista. “Olha, minha vida começou depois da experiência com o Velvet Underground. Eu prefiro falar sobre o presente”, como afirma a personagem. Em consequência, ela detestava quando os jornalistas a questionavam somente sobre o período da banda ou quando era chamada de Nico, anagrama da palavra ICON (ícone), criado por Andy Warhol que era empresário do grupo. 

No decorrer da turnê pela Europa, Christa é acompanhada pelo empresário Richard (John Gordon Sinclair) e por um grupo de músicos jovens. Como o desenvolvimento dos personagens secundários é superficial, sua utilidade no enredo é restrita a exaltar o temperamento forte de Nico e um certo desdém pela juventude. Diante disso quando o guitarrista da banda, por exemplo, sofre crise de abstinência de heroína e começa a passar mal, é difícil para o público criar alguma empatia. 

Outro equívoco do roteiro é deixar passar em branco a morte da artista. Em 1988, ela decidiu tirar férias em Bahamas com o filho. Um dia, enquanto andava de bicicleta, teve um ataque cardíaco e bateu a cabeça na queda. Apesar de um motorista de táxi tê-la socorrido, ele teve dificuldades em encontrar um hospital que a atendesse sem convênio médico. Nico morreu de hemorragia interna, o que pode ser visto como uma ironia do destino, já que finalmente estava largando as drogas e retomando a convivência com o filho. 

Nota: 7/10

sábado, 25 de agosto de 2018

Crítica: Gauguin - Viagem ao Taiti

Cinebiografia de Paul Gauguin reflete vida e obra do artista: bonita, mas problemática.

Por Isabela Faggiani.

O diretor e roteirista do longa Gauguin - Viagem ao Taiti, Édouard Deluc, teve a ideia de fazer o filme em homenagem ao pintor Paul Gauguin após ler Noa Noa, o diário de viagem do artista escrito após sua primeira viagem ao Taiti. O filme de Deluc não tem como proposta retratar toda a vida e trajetória de Gauguin (Vincent Cassel); a história contada se passa ao longo de dois anos, entre 1891 e 1893, período em que o pintor produziu 66 obras.

O longa começa com a decisão de Gauguin deixar Paris e ir para a Polinésia sob o pretexto de que a vida urbana já não o agradava mais e ele precisava entrar em contato com a natureza “selvagem” para buscar inspiração. Essa primeira parte do filme se passa de forma crua, rápida e sem muito desenvolvimento. Vemos apenas um Gauguin triste e cansado que não hesita em deixar para trás a esposa e cinco filhos e ir buscar sua musa em outro continente. 

Chegando em Papeete - a capital da Polinésia Francesa - Gauguin logo é acometido por uma doença. O doutor Henri Vallin (Malik Zidi) trata do pintor e afirma que este teve um problema no coração e tem diabetes em estágio avançado. O filme, porém, não menciona que esses problemas provavelmente estavam ligados à sífilis cardiovascular que o pintor tinha.

Ao longo dos 102 minutos de filme, o espectador é agraciado com cenas cativantes do novo lar de Gauguin, que explora tanto quanto pinta. A fotografia do filme, cheia de vida e cores, é, junto com a atuação de Cassel, o ponto mais forte da obra. O ator faz um ótimo trabalho passando a delicadeza que Gauguin tinha ao pintar suas obras e ao desbravar o desconhecido. O ator entrou de cabeça no projeto, estudou a vida e obra do pintor que interpretou, leu Noa Noa, perdeu peso para o papel e até fez aulas de pintura, pois, segundo ele “não queria parecer um idiota no set, adicionando cores sem saber como”.

A jovem Tuheï Adams também não deixou a desejar no papel de Tehura, a musa e amante do pintor, que foi entregue à ele de bom grado pela sua aldeia e serviu de inspiração para dezenas de seus quadros icônicos. 

Sem uma boa história para contar, Deluc cria um triângulo amoroso entre Gauguin, Tehura e o jovem local Jotépha (Pua-Taï Hikutini), pupilo do artista. Enquanto Gauguin está sofrendo por conta de sua doença e da falta de dinheiro, Tehura e Jotépha, vão cada vez mais se mostrando interessados um no outro. O problema é que nenhum dos personagens é cativante a ponto de prender a atenção do espectador, e mais que isso: o longa não traz à tona um problema alarmante dessa relação.

A jovem Tehura de verdade tinha apenas 13 anos de idade quando seus pais a entregaram ao pintor francês, que à época já tinha mais de 40 anos. Além dela, Gauguin também manteve relações com outras duas jovens polinésias, que também tinham entre 13 e 14 anos. No filme, apenas Tehura é mostrada, e Deluc decidiu retratá-la de forma mais adulta, ignorando o fato de que sua inspiração para o filme é um pintor europeu pedófilo que se casou com três adolescentes em sua viagem à “natureza selvagem” e, provavelmente, infectou as garotas com sífilis.

Por conta dessa “licença potética”, o filme de Deluc negligencia uma das mais importantes problemáticas da viagem de Gauguin - algo que merecia uma análise cinematográfica muito mais do que as belas paisagens do Taiti e as mais de 60 pinturas de Gauguin. Ao deixar esse importante fato de fora de sua história, Deluc transformou seu filme em uma história de um homem doente e pobre que pinta quadros - o que assemelha Gauguin - Viagem ao Taiti a outras cinebiografias sobre pintores do século XX, com a diferença de que este longa não se passa na Europa.

Nota: 4/10

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Crítica: Histórias que o Nosso Cinema (Não) Contava

Compilação de Fernanda Pessoa é retrato, análise e diálogo.

Por Alexandre Dias.


Devo revelar, antes de qualquer coisa, que o que tinha em mente sobre as pornochanchadas era basicamente aquele estereótipo clássico: filmes que não abordavam temas densos, orçamentos pífios, produção bizarra e erotismo brega. O conteúdo raso era apenas o "permitido" a ser feito no período da ditadura militar no Brasil, algo que não comprometeria o governo e suas ideias altamente retrógradas. Será que era mesmo?

Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava é a desconstrução perfeita de como esta vertente do cinema nacional não era tão repleta de ingenuidade assim; ou, pelo menos, mostra que o descompromisso aparente que a cercava tinha - ou poderia vir a ter, como posso utilizar-me de exemplo - um efeito social significativo. Por meio de um conceito baseado na pesquisa e o recorte de informações, da mesma forma que Eduardo Coutinho concebeu Um Dia na Vida, a diretora Fernanda Pessoa consegue fazer um retrato de um ciclo em paralelo a um diálogo com a atualidade.

O documentário é estruturado pelos trechos das obras, em sua maioria dos anos 70, alinhados por assunto, além de uma introdução rápida do contexto político e uma conclusão. Tortura, aborto, comunismo, machismo e influência externa são apenas alguns dos campos percorridos no longa-metragem. É impressionante ver como quase cinco décadas depois ainda estamos no mesmo ponto de “debate”. O modo debochado como os personagens – grande parte homens – falam sobre isso de uma maneira conservadora – para, na maior parte, mulheres – soa tristemente familiar. Basta ligar a televisão hoje para observar candidatos à presidência que fazem apologia ao estupro e recusam a lei do feminicídio.

Assim, é notável o alcance do trabalho de Fernanda Pessoa, porque a desolação trazida ao comprovar que as coisas não mudaram tanto desde aquele período vem em formato de reflexão. Ou seja, a nossa "democracia" atual tem aspectos semelhantes à da ditadura militar. Isso é muito grave, tornando a função desse filme mais importante ainda. Não é só um produto que conversa sobre política. Ele é político. E isso é bom, ao contrário do que alguns espectadores podem pensar. Não há nenhuma apelação, a exposição de ideias e argumentos são inteligentes e fluidas.

A cineasta responsável pelo projeto, que também assina o roteiro, merece grande destaque, porém não há como não trazer à tona o nome de Luiz Cruz, organizador da montagem. Os 80 minutos de duração são perfeitamente bem utilizados, sem cansar quem está assistindo e sempre provocando a curiosidade do que será o próximo tema. Os fragmentos extraídos das obras variam o seu tempo, alguns sendo mais curtos e outros mais longos - há verdadeiras cenas de discussão entre os personagens, assim como pequenos comentários e atos.

A propósito, o fato do "gênero" da pornochanchada ser o assunto em questão foi destrinchado com eficiência. O besteirol desses longas conseguem causar risadas pela breguice, o que, por outro lado, auxiliou muito na ironia da produção, algo que Pessoa valorizou para passar alguns de seus pensamentos. Nem por isso não há momentos chocantes e perturbadores. Nunca pensei que um filme assim teria uma cena de tortura, por exemplo, como a que uma mulher é amarrada pelas mãos e os pés e é agredida por homens, ou um momento realmente dramático, representado pela jovem que debate aborto com a sua família católica tradicional. Há, mais uma vez, uma dupla função: gerar uma análise e desfazer um rótulo.

Dizer que as pornochanchadas eram trabalhos com uma sabedoria enrustida não é propriamente uma verdade, mas com certeza pode-se afirmar que representaram uma sociedade e os seus pontos diversos, ainda que sem querer. Portanto, é admirável a tarefa que Fernanda Pessoa trouxe para si, de entender como aquele cinema era uma janela do nosso mundo e colocar isso em questão, trazendo uma abertura de diálogo para os dias atuais que é urgentemente necessária.

Nota: 9/10


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Crítica: Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Novo filme de Lynne Ramsay explora nova face da violência.

Por Letícia Dauer.

Veteranos de guerra traumatizados e a espetacularização da violência são temas antigos e explorados à exaustão por Hollywood. O thriller Você Nunca Esteve Realmente Aqui, baseado no livro homônimo de Jonathan Ames, apresenta uma narrativa que foge do tradicional maniqueísmo - herói ou assassino - com toques de Táxi Driver e O Profissional.

A diretora escocesa Lynne Ramsey venceu o prêmio de Melhor Roteirista e Joaquin Phoenix de Melhor Ator no Festival de Cannes de 2017, sendo aclamados pela crítica e pelo júri presidido por Pedro Almodóvar. Em seu quarto longa-metragem, Ramsey nos apresenta a história de Joe (Phoenix), veterano de guerra que ganha a vida resgatando garotas desaparecidas. Durante o primeiro ato, o protagonista enfrenta uma rotina mecânica e alienante que se resume a matar criminosos e cuidar de sua senil mãe (Judith Roberts). 

A fotografia sombria de Tom Townend, ocasionalmente esverdeada, acompanhada da frenética trilha sonora de Jonny Greenwood, integrante da banda Radiohead, são reflexos da mente perturbada e autodestrutiva de Joe, lembrando o personagem Travis Bickle de Robert De Niro. Breves flashbacks sobre a infância revelam que seu sofrimento vai muito além da experiência militar. Seu pai era extremamente abusivo e agredia a mãe com frequência, por isso encontrou na violência uma forma de extravasar seus traumas. 

O mérito do roteiro está em trabalhar com a dualidade. Ao mesmo tempo em que Joe é violento, sendo o martelo sua arma favorita, ele também demonstra muita doçura com a mãe ao cantarem juntos ou ao colocá-la na cama para dormir. O público transita entre a repulsa e a empatia, tendendo mais ao segundo sentimento durante a narrativa. Afinal ele se mostra mais uma vítima de uma sociedade violenta e desumana. 

"De todos os gêneros, o thriller é o que mais se aproxima da experiência de sonhos, e em que se armazena repertório de medos", diz a jornalista Ana Maria Bahiana. Em Você Nunca Esteve Realmente Aqui, o espectador é convidado a compartilhar os sonhos, ou melhor dizendo os pesadelos, do veterano de guerra, que perpassam por tentativas de suicídio. Como Joe é um personagem extremamente silencioso e antissocial, é função dessas cenas oníricas e os flashbacks revelarem sua verdadeira natureza. 

Como o próprio título afirma, Joe nunca esteve realmente ali, sempre viveu de forma automática e anestesiada até aceitar resgatar a filha do senador Albert Votto, que foi raptada por membros de uma rede de prostituição infantil. Após alguns acontecimentos, o desejo de libertar a pequena Nina Votto (Ekaterina Samsonov) desperta Joe de sua alienação e torna-se sua motivação de vida em meio aos ímpetos suicidas, o que talvez seja a única falha do roteiro. É difícil crer na rápida conexão entre esses personagens. Diferente, por exemplo, do relacionamento entre o assassino de aluguel Leon e da pequena Mathilda, em O Profissional, que é desenvolvida ao longo de toda a película.  

Nota: 7/10

domingo, 22 de julho de 2018

Crítica: O Orgulho

Produção francesa embarca no atual conflito ideológico do país por sua via mais discursiva.

Por Pedro Strazza.

Embora a rápida colagem de entrevistas sobre a retórica que serve de prólogo à produção acene para a possibilidade de tornar o discurso um tema de debate, O Orgulho no fundo está menos interessado na construção e metodologia das discussões que se dão ao longo da história que na possibilidade de trabalhar o confronto entre conservadorismo e liberalismo que ocorre na sociedade francesa, um tópico vital aos caminhos do país e da Europa nos dias de hoje. Cada vez mais recorrente no cinema francês por estar presente em quase todas as suas questões político-sociais, o assunto é aproveitado pelo diretor Yvan Attal no filme sob um teor subjetivo, mas presente desde o início nos conflitos entre seus dois protagonistas, uma estudante de direito pobre e descendente de árabes (Camélia Jordana) e seu professor reacionário e de argumentação quase sempre preconceituosa em sala de aula (Daniel Auteuil).

Se este duelo começa instigante por conta de seu contexto histórico e o verniz discursivo que assume com rapidez - algo inaugurado no longa sob uma discussão tensa em sala de aula por conta de um atraso da aluna e depois tornado recorrente conforme o professor, querendo evitar a demissão, se vê forçado a ensinar à nova pupila sobre os pormenores da retórica - ele também ganha consistência pela fachada que não demora a incorporar no esforço de tocar o debate pelas vias literais deste discurso. Como todo diretor emergido de uma relativa bem-sucedida carreira de atuação, Attal trabalha a narrativa com interesse maior pelas questões de atuação que pela encenação em si, uma medida que se a princípio favorece apenas o trabalho dos dois atores depois se revela feita para privilegiar os diálogos, cuja escrita joga em cima destas duas ideologias antagônicas e em suas consequentes desconstruções conforme o contato entre os dois personagens se prolonga.

Neste sentido, a produção não demora a lembrar A Trama, outro longa francês que tinha nas discussões o motor principal para promover o choque de pessoas de origens e realidades completamente distintas. É uma comparação também capaz de ajudar a melhor compreender o que impede o trabalho de Attal de obter um resultado similar de qualidade: se o filme de Laurent Cantet via no embate entre a professora esquerdista e o aluno de flerte com a extrema-direita um espaço para discutir o atual clima de extremos do cenário, a relação pouco amigável que norteia os movimentos de O Orgulho aos poucos se revela confortável para fazer a opção pelo drama de relações tradicional e disposto a conciliações, uma medida que sai cara a quaisquer intenções ambicionadas pelo projeto quando ele se vê na incômoda tarefa de fazer a aluna liberal "passar pano" para o professor preconceituoso afim de ter seu final feliz.

Mas enquanto que os debates entre os dois protagonistas aos poucos vão descambando para as soluções óbvias e novelescas, o filme acaba se mantendo mais ou menos unido graças à dinâmica de Jordana e Autuil, que mesmo preso a papéis clichês sabem como tornar seus embates fluidos. A direção conformada em fazer o trivial e o roteiro escrito a quatro mãos (além de Attal, também colaboram no texto Noé Debré, Victor Saint Macary e Yaël Langmann), porém, ajudam a sedimentar no longa a noção de um projeto com muito pouca vontade de elaborar em cima da boa premissa, disposto (com o perdão do trocadilho) a adotar o chavão do pensamento comum ao invés de plenamente desafiá-lo.

Nota: 4/10