quinta-feira, 13 de abril de 2017

Crítica: Una

Adaptação teatral encontra no vazio uma personificação da assombração.

Por Pedro Strazza.

Envolto em um clima claustrofóbico anunciado desde o começo com uma cena nada "glamurosa" de sexo no banheiro de uma balada, Una a princípio surge como mais uma adaptação cinematográfica de uma peça de teatro guiada pelo conflito entre atores e o uso de espaços fechados para esboçar situações explosivas de drama. Baseada na peça Blackbird, o filme de Benedict Andrews não demora para se aproveitar dos amplos espaços vazios do armazém onde grande parte de trama se passa para isolar seus dois protagonistas e o conflito vivido entre eles dentro de uma verdadeira grande caixa branca, "furada" por janelas que permitam ao público enxergar o que se passa em seu interior.

Se essa abordagem do material soa um pouco direta demais na sua tradução dramatúrgica ao meio cinematográfico - e há momentos dramáticos suficientes no longa capazes de comprovar esta sua propensão exagerada de seguir pelo lado teatral - ela também revela progressivamente possuir suas próprias vantagens dentro da narrativa que Andrews constrói para trazer para a telona a obra escrita por David Harrower. A trama, que trata do reencontro entre a Una do título (Rooney Mara) com o homem que a abusou sexualmente na infância, Ray (Ben Mendelsohn), quinze anos depois dos fatos ocorridos, é mero conduíte para o diretor se aprofundar no interior amaldiçoado de seus personagens, ambos donos de um trauma que se recusa a se desvencilhar de suas vidas.

Assim como o recente Um Limite Entre Nós, Andrews opta por preservar o material na íntegra e sem recorrer a qualquer tipo de mudanças (Harrower inclusive é o único creditado no roteiro). Mas se no filme oscarizado de Denzel Washington essa opção desembocava em um tom de reverência bastante pungente, com os atores enunciando os diálogos da mesma maneira que fariam no teatro, Una parece restringir a aliança com o teatro somente no espaço limitado ocupado por seus atores nas grandes salas do escritório e moradia de Ray no qual seu drama reside. Essa sensação de aprisionamento, logo transformada na claustrofobia citada acima, passa por uma questão essencial da natureza do conflito de Una com Ray que é o perfil de assombração que um adquire sobre o outro e vice-versa, uma ressignificação da relação cuja maior evidência surge sem surpresa nos olhares estupefatos da atuação de Mendelsohn toda vez que ele descobre sua antiga vítima no ambiente.

E embora essa atmosfera tenda a se diluir no uso recorrente de flashbacks e na transição do ambiente impessoal do escritório para o mais receptivo da casa de Ray - ao enfim escapar para o espaço aberto, o clímax parece não saber muito bem como lidar com essa nova perspectiva - Una consegue manter certa unidade ao manter sua protagonista como centro maior das atenções. Ancorado pelo trabalho de Mara (uma atriz já especializada nestes tipos introspectivos), o filme sabe expandir e refletir os sentimentos conflitantes de Una aos cenários vazios habitados por ela e às pessoas que a rodeiam, tornando a figura que a assombra não só em uma personificação do outro como de si mesma. Neste sentido, o vazio dos escritórios adquire um viés psicológico que vai além da veia teatral ao qual a produção se origina.

Nota: 6/10

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