quarta-feira, 9 de maio de 2018

Crítica: Desejo de Matar

Eli Roth aterroriza ação do remake e não deixa os temas caírem na ingenuidade.

Por Alexandre Dias.


A abertura de Eli Roth a outros mundos fora do seu aposento principal, o terror, tem se mostrado bem curiosa. Diferente de Stanley Kubrick, que conseguia migrar facilmente entre os gêneros cinematográficos, o diretor de O Albergue optou por não se libertar das amarras do horror, e sim trazê-las consigo para os seus novos projetos. Além disso, percebe-se um certo amadurecimento temático do norte-americano, que se estendeu ao debate de pontos políticos e sociais.

Em Bata Antes de Entrar, por exemplo, Roth faz (e rasga) a caricatura do homem branco de classe média em uma história claustrofóbica. Desejo de Matar, remake do clássico estrelado por Charles Bronson, possui a discussão sobre esta mesma figura, mas de forma ainda mais atualizada ao utilizar a questão do porte de armas nos Estados Unidos como ponte.

É bem típico do cineasta optar por colocar os extremos na telona, geralmente de maneira literal, com tripas voando e cabeças explodindo. Na sua obra mais recente, ele resolveu fazer isso ao cutucar uma ferida que não está nem perto de cicatrizar. Em tempos onde a maior potência bélica mundial é governada por um indivíduo que estimula a violência, conversar sobre a política armamentista torna-se ainda mais urgente. Logo, por mais que seja louvável Roth dar um tratamento responsável a esse quesito, não se pode dizer que ele fez uma crítica a sua terra de origem, afinal a premissa é de um ser humano que resolve se vingar fazendo justiça com as próprias mãos.

Com um início lento, a cereja do bolo do filme está justamente no desenrolar da jornada de Paul Kersey (Bruce Willis) contra o crime. Neste processo, há a perfeita localização do espectador naquela situação, que o diretor e o roteirista Joe Carnahan (que comandou Esquadrão Classe A) realizam com a introdução da presença midiática. A televisão e a internet são muito bem usadas como artifício de discussão, pois passam a sensação de como seriam as consequências de um fato como esse nos dias de hoje.

Obviamente, essa reflexão não atinge grandes níveis de complexidade, mas é o suficiente para não diminuir a inteligência de quem está assistindo. Roth seguiu esse caminho com a sua característica sarcástica, deixando claro que alguma coisa está errada ou bizarra em determinados momentos. Quando as testemunhas tentam identificar Kersey, por exemplo, as informações que surgem são que ele é branco e usava capuz; o pressentimento é de que os policiais ansiavam por achar o detalhe “criminoso” determinante, uma tentativa – um tanto destrambelhada - do realizador de denunciar os preconceitos contra negros e imigrantes, definidos muitas vezes pela classe média branca como marginais, antes mesmo de saberem o ocorrido. 

A cena em que o protagonista está em uma loja de armas é outra boa prova, porque toda a propaganda armamentista é ironizada de modo a causar a impressão do quão ridiculamente fácil é comprar esses produtos – a atendente chega a dizer que pode acelerar a “burocracia” das papeladas. Além da própria incitação da indústria bélica que há em fazer esse negócio, por meio dos comerciais e anúncios.

Os aspectos satíricos e cartunescos do cineasta originados no terror também se ramificaram para as cenas de ação. Não são frenéticas e empolgantes como ocorre em John Wick, mas graduais, de modo a trabalhar com cada parte do cenário e do contexto, principalmente com efeitos práticos. O jeito do ator de Bastardos Inglórios de projetar a mise-em-scène, advinda dos seus primórdios, garante a sua inconfundível carnificina, por vezes exagerada, porém bem pensada e organizada.

E parece que era exatamente de Roth que Bruce Willis precisava. O veterano dos clássicos de tiro, porrada e bomba dos anos 80 tem recorrido a papéis do coroa bad ass canastrão, sem se arriscar com projetos muito diferentes e apostando no que já está no seu cerne. Esse equilíbrio não nos entregou uma performance absurdamente carismática de John McClane, assim como não o fez perder a mão em um estilo, como ocorreu na dramaticidade exacerbada de Refém. Ele consegue ser o centro das atenções durante todo o longa e é isso o que importa. Já o resto do elenco cumpre o básico em papéis muito pré-estabelecidos, com uma pequena exceção de Vincent D’Onofrio, que interpreta o irmão de Kersey e ensaia se tornar um possível ponto de virada do roteiro.

Aliás, Desejo de Matar como um todo é dosado com eficiência. Não há nenhuma grande reviravolta ou um clímax gigantesco, o que nem é necessário. Para o bem ou para o mal, é um remake de um homem em busca de vingança e é abordado como tal, portanto não é um clássico moderno de ação, do mesmo jeito que não é genérico. A boa contextualização de Roth e os seus trejeitos permitiram que ele realizasse a sua história do Justiceiro de maneira bem aceitável, sem ser ingênuo.

Nota: 7/10

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