sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Crítica: Django Livre

Tarantino atira para todos os lados em um de seus melhores filmes

Em certa altura do filme Django (Jamie Foxx) cavalga na comitiva de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) e, ao som do rap 100 Black Coffins, vê sua amada Brunhilda (Kerry Washington) de vestido amarelo o observando entre as esparsas árvores. Essa cena é apenas um exemplo da mistura de culturas e ideias de Tarantino em seu novo filme, Django Livre. O caldeirão pop é tão intenso que entra até mitologia nórdica na mistura, numa clássica apresentação de como criar mitos e heróis.
A história centra-se em Django, um escravo recém liberto pelo caçador de recompensas Dr. Schultz (Christopher Waltz) que vai em busca de sua amada para libertá-la das mãos de Calvin Candie. Motivado pelo amor, mas com um pouco de vingança, o herói negro encontra desde seus antigos feitores a membros da futura Ku Klux Kan (rendendo aqui uma das melhores piadas do filme), deixando todos assustados primeiramente por "ser um negro andando a cavalo".
A crítica à indiferença é, por sinal, o grande tema do diretor, continuando (e expandindo) Bastardos Inglórios, só que ao invés de judeus contra alemães são os negros contra os brancos. Inclusive uma das cenas que faz essa ponte entre os dois últimos filmes de Tarantino é a das chibatadas que Django aplica a um de seus feitores no passado. O impacto nas pessoas (todas negras) ao seu redor é claramente marcado pela câmera enquanto este maltrata o Pequeno Raj, como a explosão do cinema em Bastardos.
A fotografia merece destaque. Sendo um filme de gênero faroeste tipicamente americano com blaxpoitation (onde o público-alvo eram os negros), há os close-ups repentinos na expressão dos personagens e as cenas abertas para mostrar a estação e seu impacto na natureza. Algo prejudicial a isso seria a trilha, que alterna rap e hip-hop com trilhas feitas por mestres como Enio Morricone de maneira exagerada, tirando o espectador um pouco do clima.
Exagero que é comum aos filmes de Tarantino, mas dessa vez um pouco acima do tom. Parece que em muitos momentos o diretor não conseguiu se segurar (visto pelo material extenso de quase 4 horas editado para um período de 2h40) e deixou suas ideias o dominarem. Não é algo ruim até, visto que Quentin Tarantino nos mostra aí um de seus melhores filmes (pra variar). O filme rende muito na hora de aplicar esse exagero, como nos tiroteios (o costumeiro banho de sangue), aliviando a tensão desencadeada em risadas.
O crescimento dessa tensão é outro ponto soberbo. Há vários momentos em que o diretor torna situações primeiramente normais ao ponto do desespero do espectador. Um desses pontos altos é a explicação anatômica de Candie para o porquê de os negros serem inferiores ao branco. A maneira em que Leonardo DiCaprio cresce em sua atuação é sentida por todos.
As atuações se divergem: Enquanto DiCaprio, Samuel L. Jackson (em uma transformação assustadora em seu papel ao longo do filme) e Christopher Waltz aproveitam a ótima habilidade de Tarantino em criar diálogos memoráveis, Jamie Foxx e Kerry Washington sofrem com a falta de desenvolvimento devido à edição precipitada em alguns pontos fundamentais do filme, como o treinamento de Django, totalmente ocultado e sem chances para desenvolver a principal peça que estrutura toda trama.
Mas por fim fica os aplausos a Tarantino, que a cada filme traz uma nova visão sobre sua perpétua análise ao cinema, além de se deixar levar várias vezes em sua própria história. Esse "se deixar levar" é tão intenso a um ponto em que ele mesmo precisa se explodir (literalmente) em seu próprio filme. De fato notável.

Nota: 10/10

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