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sábado, 13 de abril de 2019

Crítica: Em Trânsito

A Europa enquanto terra dos amaldiçoados.

Por Pedro Strazza.

Embora seja em teoria passado nos anos da Segunda Guerra (e, de forma mais específica, os meses seguintes à ocupação alemã na França), a Marselha de Em Trânsito não poderia ser mais contraditória em termos de contextualização histórica. Se o interior dos prédios é "vestido" de acordo com a época, as ruas da cidade denotam o mundo contemporâneo que cerca os personagens, das fachadas dos edifícios a - principalmente - os carros que habitam os fundos de cena, passando pelas forças policiais que se vestem como verdadeiras tropas de choque.

A sensação de estranhamento é imediata, mas não despida de propósito. Em um mundo onde movimentos de extrema-direita ensaiam (e realizam) um retorno às instituições de poder, interessa ao diretor alemão Christian Petzold deslocar o espectador dos confortos do passado oferecido pelo cinema de época, ainda mais quando este novo projeto trata de uma situação de oprimidos em fuga. Adaptação do livro de mesmo nome da escritora Anna Seghers, o longa acompanha um jovem (Franz Rogowski) que busca sair do país antes que as tropas nazistas fechem as fronteiras, o que o força a assumir a identidade de um escritor morto com o qual dividiu um trem e cujas chances de migração parecem maiores. Preso no porto de Marselha devido a questões burocráticas governamentais, o protagonista começa a entrar em contato com a vida do morto e de outras pessoas em igual situação, incluindo de uma mulher que ele descobre ser a ex-esposa (Paula Beer) do autor.

Se a premissa alinhada com as disrupções visuais sugere em teoria um drama pautado nas justaposições históricas das duas épocas e que chamem a atenção para os problemas do mundo atual, o filme aos poucos se revela direcionado à via contrária, mas não pelas vias do isolamento do cenário. Como em seu trabalho anterior, Phoenix, Petzold invoca o passado aqui para promover uma espécie de erupção de traumas enterrados fundo na identidade nacional alemã - ou, talvez agora, da própria Europa como um todo - sem exatamente buscar soluções para tal. A diferença é o timing das duas situações: o que em Phoenix se mostrava um amargor consumado e a ser carregado, em Em Trânsito o processo ainda está em movimento, dado que a meta de todos em Marselha é mesmo de escapar da morte.

É neste ponto que os anacronismos da produção se manifestam como sua narrativa central, reconfigurando todos os arcos do livro de Seghers a uma questão de maldição. Assim, o que nas vias tradicionais se adequaria às estruturas de um épico histórico localizado se torna no filme de Petzold uma coalizão de histórias condenadas a se repetir ad eternum, incapazes de serem resolvidas por conta da própria natureza do sistema - este por sua vez tragicamente confundido com a História do continente europeu. Que a jornada dos protagonistas e dos coadjuvantes more nos meandros da burocracia da imigração só torna esta proposição mais evidente em sua crueldade, além de aos poucos desesperadora dado as consequências mortais do jogo.

Mas se o labirinto percorrido é insolúvel, o que resta aos corredores? Deste questionamento nasce o objetivo maior de Petzold com a trama, o qual além de reforçar o caráter de espírito de seus personagens presos neste Casablanca dos infernos ainda se encarrega de potencializar a força dos diversos "encontros desencontrados" como única escapatória emocional a um mundo tão perdido. O que para o protagonista é um música da infância cantarolada à partir de um rádio de pilha, por exemplo se torna para uma mãe despida de fala o alento necessário para continuar tentando; o que para um casal nunca mostrado são cães a serem transportados para fora do país e dentro de seus lares é a única razão de sobrevivência de uma mulher sem qualquer chance de escapatória; e enfim aos dois amantes, o que é uma ilusão alimentada por um é a busca de uma vida do outro.

Neste sentido - um que alimenta acima de tudo o poder do encontro e da identificação entre dilemas - a resposta do protagonista ao questionamento do autor a quem assume a identidade (o tal do "Quem esquece primeiro: quem abandona ou quem é abandonado?") ilustra o que é a grande potência de Em Trânsito e, talvez, do cinema de Petzold: o de dar corpo e alma àqueles que deixaram a vida para trás, condenados para sempre à fuga sem propósito.

Nota: 8/10

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Crítica: Suspíria - A Dança do Medo

Aproximação sensorial de Luca Guadagnino sobre filme de Dario Argento se perde no próprio jogo simbólico.

Por Pedro Strazza.


Desde seu anúncio o remake de Suspiria tem gerado todo tipo de debate sobre o porquê de Luca Guadagnino querer refazer o tão cultuado terror de Dario Argento, mas talvez a melhor forma de entender o filme e (principalmente) suas intenções comece em outro questionamento: o que leva Luca Guadagnino a Suspiria?

Tal qual a resposta, esta pergunta não é exatamente simples de se fazer, ainda mais se considerar a obra que o cineasta italiano concebe à partir desta premissa. De semelhanças, afinal, Suspíria - A Dança do Medo não pode sequer afirmar que mantém a premissa do original, expandindo e alterando o filme compacto de 1977 a toda uma epopeia sinfônica de seis atos e um epílogo passados na Alemanha dos tempos da Guerra Fria - uma expansão, aliás, cuja própria existência já contradiz por completo os mecanismos do cinema de Argento, um diretor que apesar do caráter operístico ainda não deixa de ser uma cria do giallo e de todas as suas limitações orçamentárias. Preserva-se o básico: uma garota chamada Susie (Dakota Johnson) chega a uma prestigiada escola de dança alemã pouco depois do desaparecimento de outra bailarina, passando a experimentar todo tipo de fenômeno inexplicável enquanto outros ao seu redor são submetidos a mortes escabrosas.

Posto desta maneira, é inegável que apesar dos rumos estéticos e narrativos distintos as duas obras dividem um mesmo propósito de existência, e é a partir deste ponto que os motivos da atração de Guadagnino pela história começam a ficar um pouco mais claros. Isso porque tanto o Suspiria de 77 quanto o Suspíria de 2018 carregam em seu âmago uma intenção de sobrecarregar os sentidos, um exercício de transbordamento o qual aos olhos de um diretor que em tempos recentes dirigiu filmes tão centrados em narrativas sensoriais como Me Chame Pelo Seu Nome e Um Mergulho no Passado (este também um remake, do thriller francês A Piscina) se mostra dos mais intrigantes de ser feito.

Assim, o cineasta refaz os caminhos do original a seu próprio jeito, "atualizando" o frenesi de cores de Argento com as ferramentas à mão. Ao invés do excesso sonoro e visual, Guadagnino se aventura pelo campo do simbólico, multiplicando frentes pelas vias da arte (a dança, que toma de forma evidente o campo central da narrativa de horror) e do contexto histórico, da Berlim ocupada, dividida e destroçada pelo caos político de grupos radicais e o mundo pós-Segunda Guerra à representação do feminino enclausurado e oprimido dentro de relações maternas. O diretor não parece querer se restringir em nenhum ponto desta trajetória, o que se por um lado liberta o longa para abraçar o horror à potência que julgar necessário - seja no som dos objetos aterrissando subitamente em outras superfícies, seja no bem vindo clímax explosivo - também contribui para encorpar a narrativa, pesando-a até o limite do possível.

Esta metodologia sem dúvida é uma das grandes responsáveis por trás do caráter divisivo do remake - até porque há quem queira e há quem não queira se perder em mares simbólicos cada vez mais complexos, e por este ângulo específico o filme é muito bem sucedido em seus propósitos - mas é também a partir dela que o novo Suspíria começa a se perder no próprio jogo. Se o transbordamento de significações sugere que o remake mira algo mais profundo na essência, seu desenrolar não hesita muito de encarregar o espectador de preencher as lacunas de seu mistério, dotando do público a tarefa um tanto ingrata de buscar justificativas e ligações às suas várias vertentes. É uma medida feita para estimular o destrinchamento da obra, é claro, mas na prática só contribui para alimentar um paradoxo, o do filme de múltiplos sentidos que se esvazia de significado.

Não que esta vontade de traduzir dores da Alemanha da época do muro e da ocupação renda algo tão valioso, porém. No curso de suas longas duas horas e meia, o Suspíria de Guadagnino se prova muito mais sólido quando se aventura pelo horror, o qual se equilibra entre a brutalidade e a leveza para promover todo tipo de estranhamento, mas se nem esta proposta se revela estável o suficiente para conduzir o todo - o que num sacrifício por traição sai bizarro e propositalmente desconfortável soa redundante e, por que não, bobo numa configuração complexa, a exemplo da grande dança preparada pela academia - é sinal de que esta nova versão se mostra muito mais aprisionada nos próprios propósitos do que aparenta ou mesmo gostaria.

Nota: 4/10