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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Oscar 2019, em um mundo ideal

Os indicados e vencedores pessoais da edição deste ano.

Por Pedro Strazza.

Todo ano criticamos o Oscar e a Academia pela lista de filmes indicados ao grande prêmio do cinema estadunidense, mas poucas vezes temos a chance de vocalizar nossas preferências caso fôssemos votantes da entidade. Seguindo uma ideia proposta pelo Filmes do Chico do querido colega Chico Fireman, este ano decidi me submeter ao experimento de fazer uma lista de indicados de acordo com minhas preferências, escolhendo os longas, cineastas, atores, atrizes e tantos outros membros da indústria que gostaria de honrar. Adotando uma postura egocêntrica, seria um "Oscar do mundo ideal", longe de politicagens e focado em contemplar os melhores do último ano.

O critério é simples e segue o longo recordatório postado pela Academia em seu site com as produções elegíveis à edição deste ano, um recorte que embora exclua alguns ótimos trabalhos é ideal para ninguém pirar no processo. Além disso, em categorias técnicas como Documentário e Filme Estrangeiro eu procurei a lista completa de obras submetidas à avaliação dos "branches" da entidade, tentando pular na medida do possível quaisquer fases de seleção para assumir (pelo menos até onde for possível) o controle total do processo de escolha. Os únicos filmes considerados por minha pessoa, aliás, são aqueles que eu tive a oportunidade de assistir ao longo do último ano.

Como era de se esperar de ser, a lista final está longe da verdadeira e criada pelo corpo de votantes do Oscar, ainda que muitas coincidências aconteçam. Entre as semelhanças, a mais interessante é a permanência ou crescimento de Nasce Uma Estrela e Pantera Negra no número de indicações, que junto de Fé Corrompida lideram a "classe" com meras sete nomeações cada um. Embora quase todos os indicados a Melhor Filme este ano permaneçam na lista de um jeito ou de outro (Green Book e A Favorita são os dois únicos que saem fora de todos os páreos), a maioria perde espaço na minha versão pessoal do prêmio, especialmente nas categorias principais.

Só para registro, segue abaixo a lista com todos os filmes com mais de duas indicações neste "Oscar ideal":

7 indicações: Fé Corrompida, Nasce Uma Estrela, Pantera Negra
5 indicações: Sem Rastros
4 indicações: A Mula, Infiltrado na Klan, Minding the Gap, O Passageiro, Roma, Se a Rua Beale Falasse, Support the Girls
3 indicações: Em Chamas, Homem-Aranha no Aranhaverso, Zama

Enfim, segue a lista na íntegra abaixo, com os vencedores de cada categoria colados. Bom Oscar a todos.

Melhor Filme

Fé Corrompida
Infiltrado na Klan
Minding the Gap
A Mula
Nasce Uma Estrela
O Outro Lado do Vento
O Passageiro
Roma
Sem Rastros
Support the Girls

Levaria: Fé Corrompida

Melhor Diretor

Paul Schrader (Fé Corrompida)
Spike Lee (Infiltrado na Klan)
Clint Eastwood (A Mula)
Jaume Collet-Serra (O Passageiro)
Debra Granik (Sem Rastros)

Levaria: Spike Lee

Melhor Ator

John Cho (Buscando...)
Ethan Hawke (Fé Corrompida)
Clint Eastwood (A Mula)
Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela)
Ben Foster (Sem Rastros)

Levaria: Clint Eastwood

Melhor Atriz

Rachel McAdams (A Noite do Jogo)
Elsie Fisher (Oitava Série)
Kathryn Hahn (Mais Uma Chance)
Thomasin McKenzie (Sem Rastros)
Regina Hall (Support the Girls)

Levaria: Regina Hall

Melhor Atriz Coadjuvante

Amanda Seyfried (Fé Corrompida)
Dianne Wiest (A Mula)
Sally Hawkins (Paddington 2)
Regina King (Se a Rua Beale Falasse)
Haley Lu Richardson (Support the Girls)

Levaria: Amanda Seyfried

Melhor Ator Coadjuvante

Mark Rylance (Jogador N° 1)
Sam Elliott (Nasce Uma Estrela)
Michael B. Jordan (Pantera Negra)
Rafael Casal (Ponto Cego)
Brian Tyree Henry (Se a Rua Beale Falasse)

Levaria: Michael B. Jordan

Melhor Roteiro Original

Fé Corrompida
Mais Uma Chance
Minding the Gap
Ponto Cego
Support the Girls

Levaria: Fé Corrompida

Melhor Roteiro Adaptado

Em Chamas
Homem-Aranha no Aranhaverso
Infiltrado na Klan
Nasce Uma Estrela
Sem Rastros

Levaria: Sem Rastros

Melhor Filme Estrangeiro

Assunto de Família (Japão)
Eu Não Me Importo Se Entrarmos Para a História Como Bárbaros (Romênia)
Em Chamas (Coréia do Sul)
Roma (México)
A Valsa de Waldheim (Áustria)

Levaria: Eu Não Me Importo Se Entrarmos Para a História Como Bárbaros

Melhor Documentário

A Valsa de Waldheim
Hale County This Morning, This Evening
John McEnroe: No Império da Perfeição
Minding the Gap
Serei Amado Quando Morrer

Levaria: A Valsa de Waldheim

Melhor Animação

Homem-Aranha no Aranhaverso
Incríveis 2
Mirai

Levaria: Homem-Aranha no Aranhaverso

Melhor Fotografia

Em Chamas
Fé Corrompida
Guerra Fria
Mid90s
O Passageiro

Levaria: Em Chamas

Melhor Montagem

Fé Corrompida
John McEnroe: No Império da Perfeição
Minding the Gap
O Outro Lado do Vento
O Passageiro

Levaria: O Outro Lado do Vento

Melhor Trilha Sonora

Aniquilação
Pantera Negra
Infiltrado Na Klan
Mid90s
Se a Rua Beale Falasse

Levaria: Se a Rua Beale Falasse

Melhor Canção Original

"All the Stars" (Pantera Negra)
"When a Cowboy Trades His Spurs For Wings" (A Balada de Buster Scruggs)
"Trip a Little Fantastic" (O Retorno de Mary Poppins)
"Maybe It's Time" (Nasce Uma Estrela)
"Shallow" (Nasce Uma Estrela)

Levaria: Shallow

Melhor Design de Produção

Maus Momentos no Hotel Royale
Pantera Negra
Roma
Se a Rua Beale Falasse
Zama

Levaria: Pantera Negra

Melhor Figurino

A Balada de Buster Scruggs
Pantera Negra
O Retorno de Mary Poppins
Um Pequeno Favor
Zama

Levaria: Zama

Melhor Maquiagem e Penteados

Bohemian Rhapsody
Pantera Negra
Vice

Levaria: Vice

Melhor Edição de Som

Hereditário
Homem-Aranha no Aranhaverso
Pantera Negra
Roma
Zama

Levaria: Roma

Melhor Mixagem de Som

Legítimo Rei
Missão: Impossível - Efeito Fallout
Nasce Uma Estrela
O Primeiro Homem
Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Levaria: Missão: Impossível - Efeito Fallout

Melhores Efeitos Visuais

Aniquilação
Homem-Formiga e a Vespa
Jogador N° 1
O Primeiro Homem
Vingadores: Guerra Infinita

Levaria: Jogador N° 1

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Crítica: A Mula

Despido de pose, Clint Eastwood revisita o arquétipo que definiu sua carreira em filme regado a frontalidades.

Por Pedro Strazza.

Em determinada altura de A Mula, pouco depois do primeiro encontro do protagonista Earl Stone (Clint Eastwood) com o agente do DEA Colin Bates (Bradley Cooper) em um restaurante de beira de estrada, o próprio Bates sai do estabelecimento buscando o senhor de idade para lhe devolver uma garrafa térmica que havia esquecido no local. Após o que é uma segunda breve conversa sobre amenidades, a câmera no minuto seguinte ao fim do encontro registra o alívio de Earl de saber que não foi pego pelo policial, mas menos por uma questão de relaxo e mais de temor; o longa enquadra pela primeira vez o nonagenário de maneira encolhida perante a picape gigantesca - agora quase uma criatura, com vida própria e ameaçadora - que se encontra no primeiro plano.

Por mais trivial que pareça e tardio que esteja dentro da narrativa, este momento é um ponto de virada importante aos rumos do filme por sacramentar uma mudança de perspectiva brutal na visão de seu protagonista, que começa a história fazendo uma opção sem volta pelo trabalho em detrimento da família. Item fundamental na realização do tal do sonho americano, o carro também é naturalmente um elemento dramático central nos caminhos do road movie no qual A Mula se estrutura: os veículos dirigidos por Earl ocupam espaço considerável em seu arco dramático, refletindo parte de suas transformações tanto no campo financeiro quanto no espiritual, o qual desemboca neste cenário onde a picape deixa de ser um membro do personagem para de algum jeito confrontá-lo e assustá-lo.

A grande questão é: por que um carro intimidaria tanto o protagonista?

A resposta é tola mas ao mesmo tempo exige uma certa complexidade contextual, uma que ilustra em parte o jogo narrativo curioso que nutre as ambições e frutos do longa que marca um novo retorno de Eastwood da aposentadoria como ator e mais uma vez o submete ao exercício da própria direção. A volta é curiosa dado o cenário da coisa: oficialmente longe da frente das câmeras desde Gran Torino, o filme não só é a primeira ocasião no qual o artista contorna a própria declaração para trabalhar de novo consigo mesmo (o ator já havia voltado atrás antes com o drama esportivo Curvas da Vida) mas também é o seu segundo projeto com o roteirista Nick Schenk, com o qual havia trabalhado justo na produção de 2008 sobre um idoso sendo forçado a reconhecer que seu tempo havia passado. E embora o Gran Torino do título não esteja presente, a premissa da última colaboração de Schenk com o cineasta aparece aqui novamente, agora baseada na história real de um senhor de oitenta anos pego traficando noventa quilos de cocaína.

O mais curioso de se observar em termos de contexto, porém, é como este novo trabalho de Eastwood se relaciona com seus antecessores no campo temático, mesmo mostrando distância clara em vários aspectos cruciais. Isso porque A Mula no fundo não deixa de servir de continuidade ao processo de desconstrução que o diretor vem exercendo aos próprios valores desde Sniper Americano, levantando contradições cada vez maiores - e desestabilizadoras - dentro do mito de formação dos supostos "heróis americanos" através de histórias reais e ocorridas no século XXI. Se Sniper, Sully e o recente 15h17: Trem Para Paris vieram para formar uma espécie de grande trilogia sobre a fragilidade e a maldição de tal arquétipo dentro deste novo século, faz sentido que agora Eastwood decida redirecionar este processo à própria imagem, ainda mais porque ele já abraça há tempos esta figura do "homem sem nome" que é síntese dos valores de um Estados Unidos passado.

Se esta ideia sugere de início uma auto-homenagem explícita e enaltecedora, o procedimento que guia as quase duas horas da produção revela o contrário. Do alto de seus quase 89 anos, o diretor-ator encarna um personagem claramente frágil, desde o físico "caído" e longe do auge da musculatura até a composição do papel, que denota a mente mais fraca e fadada à falha a qualquer instante, para dar voz a uma atuação que já nos minutos iniciais traça conexões íntimas com a figura de Eastwood; se o flashback para meados dos anos 2000 do prólogo serve para estabelecer a raiz de todos os conflitos morais de Earl no retrato simbólico do abandono de sua família em prol da carreira, ela também resgata uma imagem do passado do diretor, a de cineasta reconhecido e popularizado pela indústria.

O tempo sem dúvida passou para Earl e Eastwood, porém, e esta constatação circunda todos os movimentos da narrativa como uma maldição nunca verbalizada mas bastante presente na residência prestes a ser retomada pelo governo ou o conflito escancarado com a família - somente a neta (Taissa Farmiga), coitada, ainda nutre algum carinho pelo protagonista, talvez apenas pela imagem de avô que ele carregue de maneira inerente. O diretor, enquanto isso, nunca deixa de manter alimentado esta chama que alimenta o espelho para com seu papel, em movimentos que incluem atos drásticos como os de escalar a filha Alison Eastwood para o papel da filha do floricultor e Cooper (com o qual trabalhou em Sniper Americano e depois passou o comando do remake de Nasce Uma Estrela) na função de seu captor, o agente do DEA que depois nutre uma relação quase parental de aconselhamento.

Nestes momentos, o que impera na narrativa é acima de tudo o desmonte, em especial da relação que o protagonista nutre com o trabalho a ponto de levá-lo a traficar para a máfia, e é aí que o filme deslancha pra valer em seus propósitos. Todos os meandros da história se revelam aos poucos convertidos para uma questão de status; ela começa no desejo semi-automático de Earl por "mais" (mesmo quando em certo ponto ele já acumulou o suficiente para viver uma boa vida), mas também passa por outros como o chefe da operação (Andy Garcia), o Julio (Ignacio Serricchio) que acompanha o senhor de idade depois dele se tornar uma das principais "mulas" (e é o "segundo em comando" quem melhor representa os perigos desta ambição pela reputação tratadas pela produção, depois de Earl) ou mesmo os agentes federais cuja sede maior na trama é o "valor midiático" de uma grande apreensão. A Mula, enquanto isso, filma todos estes arcos como um grande ciclo fadado à destruição - o momento da morte do mafioso vivido por Garcia, por exemplo, não esconde a intenção na confusão visual dos tiros disparados "simultaneamente", ainda mais quando eles sucedem uma salva de palmas artificial.

É também esta sensação de frontalidade na representação, aliás, que comanda o longa de forma tão clara quanto seus movimentos. É uma artificialidade aparente que Eastwood carrega de seu Trem Para Paris e que aqui não só reforça a estruturação do projeto mas lhe amplifica sua potência pela banalidade, pois é ela quem despe o cineasta de qualquer postura maior e o mergulha sem hesitação na posição de "alvo". Isto fica claro nas interações com seus membros familiares mais próximos - em especial nos diálogos com a ex-esposa, vivida com muito cuidado por Dianne Wiest no equilíbrio dramático e cômico - mas ganha virulência quando Earl se encontra na estrada e, portanto, em contato com o mundo: suas interações com pessoas como a gangue de motoqueiras lésbicas, o casal negro e o policial de beira de estrada ajudam a acentuar o deslocamento antes não percebido pelo personagem da realidade à sua volta, além de ressaltar os limites e os absurdos de sua própria posição em relação a outros - algo evidente na cena no qual os acompanhantes da "mula" são parados com suspeita pelo oficial, que não repete o mesmo tratamento para o idoso.

O mais curioso deste processo narrativo, porém, é como A Mula admite o tom cômico em meio a tudo isso. Por mais trágicas e dolorosas que suas resoluções sejam (e o último plano não mente nesta condenação literal), a performance e a direção de Eastwood saem leves até onde é possível, num bom humor que talvez reflita a real aceitação de quem produza uma obra destas em um estágio de vida tão avançado. Se Clint entende que sua imagem já se encontra cristalizada na História a ponto de servir de tema de debate, ele aproveita sua "queda" não apenas para (de algum jeito) acertar as contas deixadas em sua trajetória como refletir se sua jornada no fim valeu a pena - uma noção que só poderia estar presente em sua última conversa com o personagem de Cooper, óbvio.

Nota: 9/10

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Crítica: Alita - Anjo de Combate

Adaptação é apenas Robert Rodriguez com orçamento e um grande estúdio por trás.

Por Alexandre Dias.

O cenário pós-apocalíptico devastado pela guerra e a sociedade disforme. Sejam quais forem as pequenas diferenças dos filmes que possuem esse pano de fundo, dos ciborgues aos desertos, é difícil não ter um pouco de preguiça do tema. O desgaste é claro, tanto pela imensa quantidade de projetos assim nos últimos anos – muito disso se deve à invasão juvenil de adaptações literárias -, como pela falta de criatividade nas histórias; os roteiros parecem reciclados de tão similares, recorrendo a pequenas reviravoltas “diferentes” para mudar.

Não que o assunto em pauta não seja legal, basta ver quantos clássicos e sub-clássicos advindos dessa linha fílmica já foram lançados. É redundante comentar sobre Mad Max, porém O Livro de Eli é uma ótima prova de produção totalmente derivada do gênero e que sabe ser inventiva dentro dele, ainda que com os seus escorregões. Se não um novo expoente que siga esse caminho, talvez uma das únicas opções para uma reinvenção seria a desconstrução, a exemplo de Os Imperdoáveis e Logan, no faroeste e com os super-heróis, respectivamente. Alita: Anjo de Combate não flerta com nenhum desses rumos.

Depois de ser adiado algumas vezes, o longa dirigido pelo veterano Robert Rodriguez e que tem a mão de James Cameron na produção e no roteiro, traz o contexto mais clichê possível do pós-apocalipse. Humanos cada vez mais com partes mecânicas, uma terra dividida entre ricos no céu e pobres no solo e um passado de guerras. Elysium, Blade Runner e Ghost in the Shell são apenas algumas das reproduções temáticas que podem ser identificadas na obra. E não há problema nisso, sendo o verdadeiro demérito a maneira como esse mundo e os seus integrantes são desenvolvidos.

Comecemos pelos personagens. O único deles que é realmente digno de nota é a protagonista, encarnada por Rosa Salazar. Na verdade, o papel em si é muito fraco e todos os mistérios que cercam a jovem guerreira são óbvios, contudo a inocência de Alita mesclada a sua perseverança geram um carisma que a atriz segura bem ao longo da produção. Os outros ao seu redor são absolutamente mal construídos. Hugo (Keean Johnson), por exemplo, começa como o clássico interesse amoroso juvenil, mas a importância desenfreada que ele ganha na trama torna-se bizarra, a ponto do espectador se perguntar se aquilo é burrice ou só piegas mesmo.

A impressão destas consequências é de que o roteiro foi remendado devido à produção atribulada, especialmente na virada do segundo para o terceiro ato. A trama começa a perder sentido, como no momento em que do absoluto nada Alita participa de uma competição logo após uma série de acontecimentos estranhos. Isso sem falar nas atitudes de personagens similares a de Hugo; Chiren (Jennifer Connely) e Zapan (Ed Skrein) são os que mais sofrem com ações esquisitas ou incoerentes nos seus pontos decisivos.

Entretanto, é engraçado como essa confusão narrativa acaba beneficiando os clichês da história por um lado, mesmo que não chegue nem perto de salvá-la. Com certeza o responsável é Robert Rodriguez, que faz o seu Pequenos Espiões com orçamento. O jogo citado acima é divertido, ainda que surja abruptamente e é algo que pode ser esperado do cineasta. Inclusive, o visual como um todo transmite essa sensação, pois é extremamente digitalizado e difícil de engolir em determinadas horas – leva tempo para se acostumar com o rosto de Alita -, porém o excesso do caricato em cima disso promove uma imersão curiosa no universo, que entre uma cena e outra é bonito de se ver.

A maioria delas acontece na ação. Rodriguez ativa totalmente a sua caracterização de videogame, o que deixa a habilidade de Alita, por exemplo, um tanto inverossímil, mas agradável. O confronto dela com Grewishka (Jackie Earle Haley) é literalmente a incorporação desse exagero benéfico. Não se pode dizer que estamos diante de um filme empolgante e que a pancadaria enche os olhos, mas há uma escolha oferecida ao público de ter um pequeno deleite naquele estilo.

Para um projeto clichê e destrambelhado é uma vitória ter esses momentos. É o melhor que Alita tem a disponibilizar, mais nada. Muito menos uma franquia, a qual foi pensada antes mesmo do nascimento deste longa por si só. Há um gancho enorme no final, que só realça a falta de potencial para uma nova marca hollywoodiana. Pelo menos a figura que dá as caras nos últimos minutos é interessante. Um pouco...

Nota: 3/10

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Crítica: Vice

Adam McKay confunde sátira com escárnio em cinebiografia tomada pela ira.

Por Pedro Strazza.


A política dos Estados Unidos nunca deixou de pautar as comédias de Adam McKay, mesmo quando seus projetos descambavam para o completo besteirol. Por mais "inocentes" que fossem na superfície de sua escatologia e ridículo, longas como Quase Irmãos, Ricky Bobby e os dois O Âncora carregavam nas entrelinhas críticas ácidas a modelos de conduta dos norte-americanos, num jogo que servia ao diretor para ressaltar a hipocrisia por trás do conservadorismo de uma sociedade disposta a colocar no poder pessoas que pregavam a família e o divino acima de tudo. É um procedimento, vale acrescentar, que o cineasta nunca executou com sutileza, a exemplo de Quase Irmãos cuja abertura é literalmente uma fala do então presidente George W. Bush sobre núcleos familiares.

Mas depois de passar quase duas décadas dedicando este esforço de sátira por segundas vias, McKay enfim tem em Vice a chance de direcionar seu cinema aos republicanos do governo Bush e, claro, o vice-presidente Dick Cheney, em sua visão responsáveis pela preservação de tal lógica no início do século XXI e por isso mesmo (e pelo menos até a administração Trump) seus maiores vilões. E é uma frontalidade que o diretor abraça sem o maior medo, graças a toda uma "reputação" de autor que conquistou com o sucesso de A Grande Aposta: o filme logo nos primeiros momentos faz questão de retratar Cheney (Christian Bale) em uma posição humilhante, sendo parado pela polícia por dirigir tão bêbado a ponto de ser incapaz de se levantar da cadeira de motorista.

É exatamente este viés de humilhação, de oferecer poucos espaços para qualquer tipo de humanização que toca a narrativa do longa. Enquanto o roteiro de McKay busca organizar a história de vida de Cheney intercalando o processo político que o levou ao poder com relances do monstro que ele se tornaria enquanto vice-presidente do país, sua direção não hesita em ressaltar o quão patético era a pessoa por trás da figura do monstro. É uma condição a se tornar mais clara nos golpes fáceis a exemplo de todo o retrato da juventude delinquente do político - e cujo clímax óbvio é a cena da bronca da esposa Lynne (Amy Adams) -, mas até em cenários onde Cheney poderia ganhar pontos com o público o filme parece se divertir em ressaltar as hipocrisias do personagem pelo humor: no momento em que a filha Mary (Alison Pill) revela aos pais ser lésbica, por exemplo, a câmera de McKay parece se concentrar na dinâmica entre Dick e a esposa, enfocando a maneira como a última julga o marido por trair ideais ao aceitar a sexualidade da cria.

O principal objetivo de Vice, porém, é o ato de jogar os holofotes sobre o político e os republicanos que comandou para expor na telona todos os seus atos vis enquanto vice-presidente, especialmente seu assalto ao poder em meio ao caos do 11 de setembro e tendo em vista a posição de banana do então presidente Bush (retratado como verdadeira caricatura nas mãos de Sam Rockwell). Para tanto, McKay não economiza na metáfora e exposição para dispor ao espectador todos os motivos e elementos que levam Cheney a conseguir colocar em prática na política americana a tal da teoria do poder executivo unitário, que o permitiria ter controle total sobre o sistema do país e executar a máquina direcionada a seus interesses - e é esta ira do diretor perante o mal uso das instituições pelo oficial quem no fundo move a produção a todo instante, até porque são estes atos vis retratados que viriam a pautar todos os rumos da próxima década de uma sociedade da qual ele e o público se inserem.

Esta postura raivosa do filme sobre os fatos relatados em teoria seria suficiente dado o nível das consequências dos atos de Cheney em sua manipulação dos mecanismos políticos do país, mas no fim é também ela quem leva o longa à lona mesmo antes da luta começar. Se McKay tem toda uma irritação para converter na produção, esta por sua vez parece ser acometida por uma condição de momento no qual a cada passo dado se faz necessário criar um tom jocoso próprio para expor a farsa em andamento, uma metodologia que na montagem estilizada de Hank Corwin só contribui para tornar o projeto desencontrado. Não ajuda também, claro, o fato de que ao contrário de A Grande Aposta o diretor aqui assina o roteiro sem tomar qualquer material (um livro, uma pesquisa) como base, um fator que talvez explique o porquê de Vice soar tanto como um exercício reacionário - algo em si contraditório, dado a clara postura liberal de McKay - quanto cafona e bobo nas metáforas e alegorias propostas.

Assim, o que começa como vingança aos poucos descamba para uma explosão emocional sem direcionamento, um stand-up de ira que não sabe diferir a sátira do escárnio. Vestidos de versões mais fidedignas de celebridades parodiadas pelo SNL, Bale e Adams só tem como dar voz a este jogo perverso  pela consciente aceitação do desastre em andamento, equilibrando-se a passos trôpegos entre o humor sádico e o que quer que reste de sobriedade ao projeto para viver cenas patéticas como o solilóquio shakespeareano (é difícil não revirar os olhos ao paralelo com Macbeth) e manter a produção longe da ofensa pura e simples. Não há espaço para personagens ou uma trama no filme, mas sim uma sequência de comentários irônicos mal costurados.

O que mais entristece em meio a tudo isso, porém, não é apenas a oportunidade perdida de se fazer uma investigação a uma das figuras políticas mais nefastas e importantes do cenário político estadunidense moderno, mas também a aparente ingratidão de McKay com as origens de seu próprio cinema e mesmo seu público. Além do aceno à desatenção do público com a realidade à sua volta feito por A Grande Aposta se converter aqui em moral condenatória - o discurso de Cheney ao espectador, com seu "Eu apenas os servi", é o momento em que Vice efetivamente assume e escancara a chacota para o próprio público -, a cena pós-créditos ainda vem para confirmar esta tendência e ampliá-la ao escopo do "sistema", apontando o dedo a tudo e todos como um velho louco e paranoico que só brada aos quatro ventos que é tudo uma grande piada de mal gosto - algo que não deixa de ser uma grande ironia se considerar o locutor da vez, veja bem.

Nota: 3/10