Han Solo - Uma História Star Wars

Leia a nossa crítica do mais novo derivado da saga!

Deadpool 2

Continuação tenta manter a subversão do original enquanto se rende às convenções hollywoodianas

Desejo de Matar

Eli Roth aterroriza ação do remake e não deixa os temas caírem na ingenuidade

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sexta-feira, 25 de maio de 2018

Crítica: A Câmera de Claire

De volta aos problemas da vida pessoal, Hong Sang-soo usa olhar distanciado para fazer filme pautado em reconciliações internas.

Por Pedro Strazza.

Embora a coincidência seja tratada pelos fãs e detratores pelas (justas) vias do humor, não deixa de ser uma conversão curiosa a nutrida pelo diretor Hong Sang-Soo em seus três trabalhos lançados no ano passado, respectivamente O Dia Depois, Na Praia à Noite Sozinha e este A Câmera de Claire. Claramente afetado pelo escândalo criado nos tabloides em 2016 por conta de seu caso extra-conjugal com a atriz Kim Min-hee (que não por acaso protagoniza os três projetos), o cineasta sul-coreano parece ter redirecionado a esfera de emoções complexas e provenientes deste momento de sua vida aos seus filmes, que de diferentes formas processam a questão pelas vias de histórias de conteúdos mais ou menos similares. Além de Min-Hee e do ano de produção, as três obras carregam uma mesma premissa de relacionamentos em crise proporcionado (e enxergado) por uma terceira via, a partir disso desenrolando cada uma à seu jeito as questões implícitas deste jogo semitragicômico sempre encenado pelo diretor.

Mas enquanto que O Dia Depois e especialmente o Na Praia à Noite Sozinha traziam para dentro da trama um tom ácido que refletia uma condição de auto-satirização do próprio autor, A Câmera de Claire caminha mais próximo de um processo curativo, não pela via da resolução do conflito mas sim pelo descarregamento de um sentimento de culpa levado pelo cineasta ao longo de quase todo este histórico recente. O longa nunca escapa de assumir um tom jocoso, mas seus desenrolares são muito menos pautados pelo enfrentamento do elefante na sala que pela reconciliação dos personagens consigo mesmos, uma medida por sua vez capaz de revelar um Hong determinado a aceitar sua própria condição perante o caso ou, pelo menos, de enxergar com um olhar mais inocente todos os acontecimentos que o cercaram.

Filmado durante a realização do festival de Cannes de 2016 - ou seja, um pouco antes da notícia do caso estourar nos jornais - o filme conta a história de Manhee (Kim Min-hee), uma assistente da equipe de um cineasta (presente no evento para debutar seu novo projeto) que de repente se vê demitida pela superior sem maiores explicações. Sem rumo após a inexplicável despedida, ela acaba conhecendo Claire (Isabelle Huppert), uma turista francesa na cidade que por meio de suas fotos amadoras acaba revelando sem querer a todos os lados as verdadeiras razões para tamanha confusão.

Por conta do diretor ter começado a trabalhar neste projeto um pouco antes do escândalo, o filme termina sendo menos focado no tema da traição e da perversidade por trás do ato em relação aos seus outros dois contemporâneos, um enfoque que diminui drasticamente qualquer pretensão à auto-chacota do autor. Ao mesmo tempo, porém, esta condição "divorciada" dos assuntos mais pesados permite a Hong que encontre um caminho curativo muito mais forte dentro da obra que se propõe, calcado no ambiente de valor intrínseco ao cinema e nos diversos retratos tirados por Claire ao longo da história. Como a personagem bem propõe na trama, a fotografia é usada pelo cineasta pelo viés do registro em seu tom mais místico, com cada foto transformando automaticamente o fotografado e despindo-o aos poucos da culpa e de quaisquer outros sentimentos ruins que carrega.

Isso não quer dizer, porém, que o diretor tenha abandonado por completo o humor característico de seu cinema em prol de um realismo "mágico" para proporcionar esta purgação de pecados. Seu estilo cômico, em outras instâncias tão voltado ao comentário ácido e subjetivo, assume aqui uma verve mais próxima das comédias de desconforto, ressaltado conforme a situação ao qual seus personagens se inserem vão se revelando cada vez mais ridículas e desprovida de qualquer propósito. Neste sentido, é curioso observar como Hong mais uma vez reinventa a abordagem sobre sua narrativa bem humorada e construída nos planos longos ditados pelo zoom, aproveitando a longa duração de suas cenas para reforçar este peso auto-imposto pelos personagens sob as vias da comédia - e isso chega a acontecer das formas mais descoladas da temática central da produção, a exemplo do primeiro encontro de Claire com o diretor que encontra a piada justo no excesso de cortesia e falta de conteúdo entre os dois.

Mas é na dualidade criada entre Claire e Manhee que Hong no fim encontra uma resolução final aos seus conflitos interiores, impulsionada por esta linha artística envolvendo toda a história. A princípio criado no próprio estranhamento das duas perante o mundo (e neste momento o filme parece acenar para a possibilidade um tanto enfadonha de fazer de Cannes um refúgio das agruras da realidade), o relacionamento entre as duas mulheres é conduzido de forma a proporcionar uma análise mais distanciada da situação passada pela coreana, que graças à amiga e suas fotos se vê livre de seu aprisionamento interior ao apenas enxergar o conflito pelo lado de fora e perceber a banalidade de tudo. Se aos olhos do diretor esta descoberta sirva (mesmo em caráter momentâneo) de conclusão simbólica  a um capítulo difícil de sua vida pessoal, para o espectador o que fica desta tomada de consciência é a alegoria final do que faz o cinema - e as artes - tão apaixonantes em sua efemeridade.

Nota: 8/10

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Crítica: Han Solo - Uma História Star Wars

O básico do básico não é suficiente para Han Solo.

Por Alexandre Dias.*

A volta de Star Wars aos cinemas não deixou de ser uma reformulação. Com uma nova mãe chamada Disney, retornar ao espírito aventuresco da trilogia original era compatível com a proposta da empresa, que também viria a promover a expansão da franquia nas telonas com os derivados e, possivelmente, vários outros projetos, como a produção que está sendo desenvolvida por Rian Johnson, diretor de Os Últimos Jedi. Esse “jeito Marvel” de lidar com a marca é uma boa aposta, mas que tem sido jogada com cautela.

As ideias de Rogue One e Han Solo – Uma História Star Wars são, em teoria, à prova de erros: uma missão referente à trama principal de Uma Nova Esperança e a origem de um dos personagens mais clássicos (e marvelescos) do universo em questão. São conceitos mais garantidos e menos arriscados, o que não significa que ambos os filmes não poderiam ser criativos ou de qualidade.

No caso do longa do malandro mais famoso do espaço, algumas características, em sua concepção, estariam praticamente implícitas: humor irônico, presença de anti-heróis, leveza e, acima de tudo, carisma. Essa última é a palavra que define o personagem que foi interpretado por Harrison Ford no passado e é o que deveria ser onipresente nesta aventura solo, independente das escolhas sobre o que contar e com quem. A falta disso é o defeito definitivo da obra.

O enredo prioriza as consequências em detrimento das causas, pois todos os fatos já conhecidos de Solo foram incorporados à história – o percurso de Kessel, a amizade com Chewbacca, os negócios com Lando. É um fator limitante, porém não é o que faz a produção ser sem graça. Tudo isso poderia ter acontecido se o roteiro de Lawrence Kasdan e Jonathan Kasdan fosse mais encorpado, especialmente no que se diz respeito à piadas e as relações entre os personagens, e as situações fossem mais empolgantes.

As cenas de ação, por exemplo, têm um potencial que não foi explorado. O assalto ao trem chega a ser um momento até inovador na franquia pelo modo como foi pensado e, apesar de satisfatório, há a constante sensação de espera por um algo a mais. Ou, por outro lado, a impressão que fica é estranha, porque existe a intenção de tornar um produto mediano em grandioso, como, nesse mesmo caso, com o elogio de Rio Durant (Jon Favreau) a Han Solo (Alden Ehrenreich) ao afirmar que ele realmente era um bom piloto, quando, na verdade, o rapaz só tinha assumido os comandos por uns dois minutos e não havia feito nenhuma manobra espetacular.

O próprio ambiente criminoso que envolve a trama conta com uma introdução muito instigante no planeta natal de Han e acaba por decepcionar, rendendo-se a artifícios mais fáceis. Em um extremo, está a necessidade de humanizar o protagonista ao colocá-lo em um romance mal desenvolvido e sustentá-lo na posição de “boa pessoa” (apenas uma vez isso soa natural, mas por conta de outro personagem), enquanto na outra ponta dessa linha está a pressão de ser um projeto de anti-heróis. Lando Calrissian é a prova máxima disso. O trapaceiro é forçado a ser mais caricato do que era com Billy Dee Williams, gerando uma interpretação esquisita de Donald Glover.

Aliás, outra atuação que deixa a desejar é a de Alden Ehrenreich. O estadunidense não faz feio, porém o carisma do artista não chega nem aos pés de Harrison Ford, que conseguiu estabelecer um co-protagonista sem grande aprofundamento como um dos grandes ícones da cultura pop. É claro que as ideias para o personagem nesse derivado foram um contribuinte para o que vemos na telona. Inclusive, de todos os outros, sendo a única boa mescla a de Woody Harrelson no papel de Beckett. O ator conseguiu transmitir seu estilo outsider ao mentor de Solo, que é o responsável por um dos pontos mais tocantes do longa-metragem ao interagir com o jovem malandro.

Com certeza, os problemas de bastidores afetaram o resultado e as decisões finais do filme. Ron Howard substituiu Phil Lord e Christopher Miller na direção, que abandonaram o cargo poucas semanas antes das filmagens estarem completas. Nunca saberemos se o trabalho deles seria melhor do que o que foi lançado, considerando que são cineastas que vieram da comédia e não seguem à risca os padrões de realização de uma produção cinematográfica como essa, algo que a Disney preza muito.

O caso é que Han Solo – Uma História Star Wars não era totalmente necessário, contudo era muito bem-vindo. Em uma época onde os Guardiões da Galáxia se tornaram uma das referências em blockbusters, seria maravilhoso ver uma história divertida e sem grandes pretensões do par romântico da Princesa Leia. De certo modo, o novo lançamento da marca Star Wars não escapa disso, ainda que esteja longe de retomar as atividades de Han Solo nos cinemas da maneira que ele merecia.

Nota: 5/10

*Alexandre Dias é jornalista e atualmente escreve no blog Arca do Cinema.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Crítica: Deadpool 2

Continuação tenta manter a subversão do original enquanto se rende às convenções hollywoodianas.

Por Pedro Strazza.

É um fato já consumado pelo público que o primeiro Deadpool, apesar de todos os inúmeros senões, tinha como maior trunfo o elemento de subversão. Renegado pelo estúdio por anos e protagonizado por um personagem movido primordialmente à base do deboche, o filme acabou fazendo sucesso muito porque servia como uma espécie de contraponto a toda a onda de super-heróis surfada pelo mercado, aliviando o peso da repetição maquinária da indústria no seu esforço de tirar sarro e fazer piada com um verdadeiro mundo de referências a superpoderosos e situações heroicas repetidos a cada mês nas telonas. O longa de Tim Miller podia não ser (e não é) a via contrária, mas sem dúvida buscava provocar o mercado por meio de uma purgação de seus pecados mais conhecidos e celebrados.

Já o segundo capítulo, lançado dois anos depois, parte de uma condição que é muito diferente em relação ao anterior, seja em termos de cenário ou mesmo posicionamento da franquia. O sucesso explosivo do primeiro filme impulsionou Deadpool a sair de sua condição "marginalizada" para ser transportado direto ao centro do zeitgeist midiático, chegando a se tornar inclusive o único substituto possível à posição deixada pelo Wolverine de Hugh Jackman no universo dos X-Men. Por mais que tenha se tornado um item mainstream, porém, o anti-herói fez a fama justo por sua condição de escárnio em relação a Hollywood, e é este choque que no fundo move - junto da mesclagem entre ator e personagem - todas as intenções de Deapool 2.

Não é como se a produção abandonasse o gesto subversivo do humor de seu personagem, porém, mas sim o tentasse tonalizá-lo a campos familiares. Embora Deadpool (Ryan Reynolds) mantenha em voga na sequência o seu estilo de comédia infantil e jocoso a todas as partes da indústria (dos filmes do Marvel Studios aos altos e baixos da carreira de seu intérprete) e da narrativa ao qual se insere, fica bastante claro que o longa dirigido por David Leitch amplifica o atrelamento a velhas convenções, agora postas em prol da localização do personagem dentro dos temas e valores da franquia X-Men. O roteiro da dupla Paul Wernick e Rhett Reese - creditados juntos de Reynolds, que ajudou na confecção das piadas - pode não estar interessado em situar o anti-herói no universo dos X-Men (e na real eles brincam com esta possibilidade seguidas vezes, seja na mansão Xavier ou na formação da "X-Force"), mas sem dúvida coloca o personagem em uma trajetória que passa por batidas tradicionais como dilemas do heroísmo e a questão da opressão - que desta vez passa longe dos paralelos com o holocausto e fica próximo da temática do assédio.

Esta tentativa de alocar o protagonista num arco "clássico" no fim das contas acaba sendo um dos grandes problemas da continuação porque Deadpool só funciona como personagem dentro do campo da sátira, um tom que em nada se relaciona com a gravidade dos atos propostos aqui. O filme então parece se partir em dois pedaços inconciliáveis: de um lado a trama mais séria, que parte da tragédia da morte de Vanessa (Morena Baccarin) e encontra reflexo em personagens como Cable (Josh Brolin) e Russell (Julian Dennison), e do outro a piada pura e simplesmente, metralhada por toda a narrativa para atingir tudo e todos. Não ajuda muito nessas horas que o longa também sofra com a síndrome do gigantismo das sequências hollywoodianas, aumentando as proporções em todos os campos graças ao aumento do orçamento.

Neste sentido, Deadpool 2 acaba lembrando muito Kingsman: O Círculo Dourado, outra continuação recente de uma comédia violenta e pautada na base do deboche que acabava rendida ao sistema do qual tanto fazia piada. Além do referencial (se o longa de Vaughn olhava para o cenário passado, o do mercenário zoa o campo presente), a única grande diferença entre os dois produtos está no comprometimento insano de Reynolds em se mesclar ao papel, uma medida que mesmo não tendo como salvar a produção do iminente desastre ainda é capaz de torná-la suportável no jogo de escárnio e auto-sabotagem com a própria figura ao qual o ator se submete. Sua dedicação é tamanha que desta vez beira ao quê de sadismo por conta das constantes deformações realizadas no próprio corpo - um tipo de humor físico que ainda rende bastante aos intentos do longa.

Leitch sabe como usar desta maleabilidade do anti-herói para conduzir um pouco da ação, mas como o humor e a trama estes momentos terminam um tanto à parte no todo bastante desconjuntado que é o filme. É um resultado bastante similar ao Atômica do diretor, vale acrescentar, mas a verdade é que a razão para Deadpool 2 não funcionar está nesta sua dificuldade latente de não encontrar uma base firme para se posicionar dentro da indústria ao qual pertence e ao mesmo tempo quer distância. Sem perceber, a franquia foi digerida pela própria máquina da qual tanto fazia piada.

Nota: 4/10

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Crítica: Desejo de Matar

Eli Roth aterroriza ação do remake e não deixa os temas caírem na ingenuidade.

Por Alexandre Dias.


A abertura de Eli Roth a outros mundos fora do seu aposento principal, o terror, tem se mostrado bem curiosa. Diferente de Stanley Kubrick, que conseguia migrar facilmente entre os gêneros cinematográficos, o diretor de O Albergue optou por não se libertar das amarras do horror, e sim trazê-las consigo para os seus novos projetos. Além disso, percebe-se um certo amadurecimento temático do norte-americano, que se estendeu ao debate de pontos políticos e sociais.

Em Bata Antes de Entrar, por exemplo, Roth faz (e rasga) a caricatura do homem branco de classe média em uma história claustrofóbica. Desejo de Matar, remake do clássico estrelado por Charles Bronson, possui a discussão sobre esta mesma figura, mas de forma ainda mais atualizada ao utilizar a questão do porte de armas nos Estados Unidos como ponte.

É bem típico do cineasta optar por colocar os extremos na telona, geralmente de maneira literal, com tripas voando e cabeças explodindo. Na sua obra mais recente, ele resolveu fazer isso ao cutucar uma ferida que não está nem perto de cicatrizar. Em tempos onde a maior potência bélica mundial é governada por um indivíduo que estimula a violência, conversar sobre a política armamentista torna-se ainda mais urgente. Logo, por mais que seja louvável Roth dar um tratamento responsável a esse quesito, não se pode dizer que ele fez uma crítica a sua terra de origem, afinal a premissa é de um ser humano que resolve se vingar fazendo justiça com as próprias mãos.

Com um início lento, a cereja do bolo do filme está justamente no desenrolar da jornada de Paul Kersey (Bruce Willis) contra o crime. Neste processo, há a perfeita localização do espectador naquela situação, que o diretor e o roteirista Joe Carnahan (que comandou Esquadrão Classe A) realizam com a introdução da presença midiática. A televisão e a internet são muito bem usadas como artifício de discussão, pois passam a sensação de como seriam as consequências de um fato como esse nos dias de hoje.

Obviamente, essa reflexão não atinge grandes níveis de complexidade, mas é o suficiente para não diminuir a inteligência de quem está assistindo. Roth seguiu esse caminho com a sua característica sarcástica, deixando claro que alguma coisa está errada ou bizarra em determinados momentos. Quando as testemunhas tentam identificar Kersey, por exemplo, as informações que surgem são que ele é branco e usava capuz; o pressentimento é de que os policiais ansiavam por achar o detalhe “criminoso” determinante, uma tentativa – um tanto destrambelhada - do realizador de denunciar os preconceitos contra negros e imigrantes, definidos muitas vezes pela classe média branca como marginais, antes mesmo de saberem o ocorrido. 

A cena em que o protagonista está em uma loja de armas é outra boa prova, porque toda a propaganda armamentista é ironizada de modo a causar a impressão do quão ridiculamente fácil é comprar esses produtos – a atendente chega a dizer que pode acelerar a “burocracia” das papeladas. Além da própria incitação da indústria bélica que há em fazer esse negócio, por meio dos comerciais e anúncios.

Os aspectos satíricos e cartunescos do cineasta originados no terror também se ramificaram para as cenas de ação. Não são frenéticas e empolgantes como ocorre em John Wick, mas graduais, de modo a trabalhar com cada parte do cenário e do contexto, principalmente com efeitos práticos. O jeito do ator de Bastardos Inglórios de projetar a mise-em-scène, advinda dos seus primórdios, garante a sua inconfundível carnificina, por vezes exagerada, porém bem pensada e organizada.

E parece que era exatamente de Roth que Bruce Willis precisava. O veterano dos clássicos de tiro, porrada e bomba dos anos 80 tem recorrido a papéis do coroa bad ass canastrão, sem se arriscar com projetos muito diferentes e apostando no que já está no seu cerne. Esse equilíbrio não nos entregou uma performance absurdamente carismática de John McClane, assim como não o fez perder a mão em um estilo, como ocorreu na dramaticidade exacerbada de Refém. Ele consegue ser o centro das atenções durante todo o longa e é isso o que importa. Já o resto do elenco cumpre o básico em papéis muito pré-estabelecidos, com uma pequena exceção de Vincent D’Onofrio, que interpreta o irmão de Kersey e ensaia se tornar um possível ponto de virada do roteiro.

Aliás, Desejo de Matar como um todo é dosado com eficiência. Não há nenhuma grande reviravolta ou um clímax gigantesco, o que nem é necessário. Para o bem ou para o mal, é um remake de um homem em busca de vingança e é abordado como tal, portanto não é um clássico moderno de ação, do mesmo jeito que não é genérico. A boa contextualização de Roth e os seus trejeitos permitiram que ele realizasse a sua história do Justiceiro de maneira bem aceitável, sem ser ingênuo.

Nota: 7/10

sábado, 5 de maio de 2018

Crítica: Gringo - Vivo ou Morto

Preso a uma lógica contraditória, comédia de erros se perde no próprio retrato regional que realiza.

Por Pedro Strazza.

Se o sucesso de um subgênero é garantido à partir do momento em que passa a ser executado sob o procedimento mais convencional da repetição de seus gestos e signos, o screwball de humor negro já chegou à consumação final de sua trajetória dentro do cinema estadunidense. Popularizado nos anos 90 por cineastas como os irmãos Coen e Quentin Tarantino, este tipo de comédia já foi tido no passado como item de subversão, mas com o passar dos anos sedimentou-se de tal maneira no imaginário cinematográfico que aos poucos encontrou seu espaço dentro do circuito mais prestigiado do próprio sistema do qual nutria aversão. Seus realizadores mais conhecidos foram incorporados ao mainstream, e por mais que sua crueza e humor ácido não tenham sido abandonados esta produção hoje é encarada com muito mais bons olhos por parte do grande público e a crítica, que abraçaram com intensidade toda e qualquer viés de retrato social do qual o gênero aprendeu a nutrir como maior ambição.

Sob este olhar, não chega a ser uma grande surpresa que produções como Três Anúncios Para um Crime e este Gringo - Vivo ou Morto carreguem entre si uma semelhança notável e difícil de ser ignorada. Os cenários abordados podem ser distintos, mas no fundo as duas produções carregam um mesmo processo de repetição de arquétipos e estruturas típicas de um gênero muito familiar ao espectador e que é utilizado por seus diretores para tentar se estabelecer dentro de um mercado que lhe é estrangeiro. No fundo, a grande diferença é a origem destes dois cineastas e, por consequência, o cinema em que cresceram: enquanto Martin McDonagh veio da Irlanda, Nash Edgerton nasceu na Austrália.

É uma questão de regionalismo muito simples, mas que faz toda a diferença para que os dois filmes consigam soar distintos o suficiente entre si, mesmo não sendo de fato. Se McDonagh realizava o screwball a partir da violência de caráter tribal e do sarcasmo que são típicos da produção irlandesa, o longa de Edgerton tem na ironia irreverente e tipicamente australiana o seu principal combustível para se aventurar pelo subgênero, contando todos os percalços rocambolescos de sua história com altas cargas de humor negro no intuito de desarmar o peso das situações mostradas. O local e o contexto onde a trama se passa, afinal, tem nada de tranquilo, situando-se nas rixas recém-exponenciadas na fronteira do México com os Estados Unidos para narrar uma série de negociações e sequestros embolados e centrados na figura de Harold (David Oyelowo), um executivo prestes a ser demitido da empresa farmacêutica no qual trabalha que é confundido pela máfia mexicana como responsável pelas operações ilegais realizadas por seus superiores (Joel Edgerton e Charlize Theron).

A premissa sugere e tenta se fazer em cima da comédia de erros que são os múltiplos trambiques executados por todos os personagens envolvidos - que variam da dicotomia entre criminosos mexicanos e executivos americanos mesquinhos para figuras menos polarizadas como a de um mercenário em busca de redenção (Sharlto Copley) e a da namorada inocente (Amanda Seyfried) - mas conforme Edgerton vai mostrando claras dificuldades para administrar as viradas sucessivas do roteiro de Anthony Tambakis e Matthew Stone o longa acaba preso à mesma situação de inadequação e incongruência situacional de Três Anúncios, incapaz de abordar ou mesmo reconhecer o retrato que tenta construir destas relações de fronteira tão frágeis do período Trump.

Não ajuda muito também que a comédia mais irônica proposta por Gringo desarme constantemente a obra de qualquer pretensão em simultâneo a este procedimento ambicioso, uma lógica disforme cujas grandes vítimas acabam sendo as atuações do elenco. Todos os atores parecem à deriva nas caricaturas aos quais são forçados a se adequar, desde Theron e sua performance um tanto desgastada de mulher alpinista (cujas maiores habilidades envolvem, claro, a beleza e o sexo) a participações menores como a de Thandie Newton, ótima atriz reduzida aqui a um papel de esposa-troféu quase terciário. Mesmo os atores em teoria com maior espaço para desenvolver a aparente complexidade de seus personagens - como Oyelowo, Edgerton ou Copley - parecem restritos a um comentário irônico sobre relações de trabalho declarado pelo diretor, que repete chavões do meio empresarial em busca de um momento de compreensão superior que nunca chega a acontecer de fato na história.

Proporcionar o "olhar de fora" nunca deixou de ser uma operação muito bem vinda ao cinema, e há diversos casos de diretores imigrantes lendo o cenário "estrangeiro" de uma forma única e capaz de avançar o debate que comprovam o quão benéfico estas intersecções podem ser a uma produção regional. No caso específico de Gringo, o problema não está neste ato de Edgerton em tentar se adequar em terreno diferente de sua origem, mas sim no caráter vazio com o qual este busca cumprir com seu objetivo. Com todas as suas pretensões fracassadas, o filme (bem como seu realizador) termina um tanto reduzido a seu modo de operação idiossincrático, nesta tentativa um tanto constrangedora de conciliar narrativas regionais em busca de qualquer traço de originalidade para ancorar toda a sua estrutura.

Nota: 3/10