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domingo, 27 de agosto de 2017

Crítica: O Castelo de Vidro

Apoiado em Woody Harrelson, adaptação torna trauma em experiência de formação.

Por Pedro Strazza.

Em determinada altura de O Castelo de Vidro, quando as dinâmicas familiares desfuncionais do filme já estão bem estabelecidas e a trama passa a acontecer primordialmente no passado, a jovem protagonista Jeannette (Ella Anderson) sai de um quarto com os seus três irmãos para brincar no quintal da casa e se depara com os seus pais, Rex (Woody Harrelson) e Rose Mary (Naomi Watts), gritando a plenos pulmões um ao outro na sala. Habituados à cena, as quatro crianças seguem o seu caminho e passam a tentar distrair a mais nova do momento difícil fazendo-a brincar de pular corda, mas esse esforço de ilusão logo é descartado quando o pai delas, bêbado, quase joga a esposa pela janela do primeiro andar e elas tem de socorrer a mãe antes que ela morra. Filmada inteira em plano-sequência, a cena só é interferida no intuito de mudar o ponto de vista: se tudo era acompanhado até então pelo olhar de Jeannette, na hora em que os filhos chegam à janela para impedir a morte da matriarca a montagem corta para a visão da caçula do acontecimento, sem dúvida assustada com o que se sucede à sua frente e traumatizada com o evento.

Este corte passa quase despercebido em meio ao caos da situação, mas é importante para deixar claro ao espectador qual é o objetivo do diretor Destin Daniel Cretton com a história, a adaptação do livro de memórias homônimo da jornalista Jeannette Walls sobre a infância incomum e sua relação difícil com os pais no período. Embora o filme encene o drama central nos anos 90, com a protagonista agora adulta (Brie Larson) mostrando dificuldade em incluir Rex e Rose em sua vida, grande parte da estrutura deste drama está no passado e na formação familiar de Jeannette, que viveu quase como um nômade enquanto sua família viajava pelos Estados Unidos à procura de um lugar barato para ficar. O sonho de vida do pai, inclusive, é o de dar aos pequenos e à mulher um lar digno de castelo, construindo uma casa feita inteira de vidro que nutra as crianças de raios solares, permita à esposa pintar quando ela bem quiser e os deixe observar as estrelas ao anoitecer.

São planos, porém, que sem surpresa irão se desfalecer frente à dura realidade enfrentada pelo chefe de família, que não só mostra dificuldades para manter a mulher e os filhos em um mesmo lugar como também tem um problema sério com a bebida. Trocando o sustento familiar pela garrafa, imerso em sonhos que nunca serão realizados e brigando constantemente com Mary Rose (a exemplo da cena descrita acima), Rex não deixa de ocupar no longa a figura clássica do pai movido pelo trauma sobre si mesmo - em todos os abusos cometidos por sua mãe Erma (Robin Bartlett) e revelados ao longo da narrativa - ou para os filhos, e é justo aí que a temática de O Castelo de Vidro aparece.

Apesar de ensaiar a princípio um flerte com o conflito geracional, com pais e filhos em choque pelos diferentes cenários que viveram e foram criados, a produção está melhor alinhada com esta tragédia emocional a acometer a protagonista, não importando se ela se manifesta ou não fisicamente em sua vida. Anunciada com certa discrição no início, com o flashback que mostra Jeannette indo parar no hospital graças à omissão da mãe, o trauma reverbera no crescimento da jovem da mesma forma que a marca da queimadura oriunda deste acidente permanece em seu corpo, uma ferida profunda capaz de torná-la mais e mais distante dos pais a ponto de fazê-la renegar o passado enquanto tenta rumar para o futuro ao casar com o bancário David (Max Greenfield).

Deste conflito interno, movido pela incapacidade da personagem em lidar com essas antigas reminiscências familiares, O Castelo de Vidro com surpresa rege o drama em um caráter quase conciliador. Cretton evita guiar o roteiro escrito por ele e Andrew Lanham pelo caminho esperado da negação e superação, optando por abordar a história de vida de Walls sobre um ângulo de formação; mesmo que recuse com naturalidade a lógica do trauma ser benéfico àquelas crianças (poucas coisas são tão pejorativas ao olhar quanto a visão de um menor sendo abusado, e o cineasta inclui este momento afim de reivindicar esta posição), o diretor entende as marcas profundas deixadas pelos pais como parte da construção da identidade dos filhos e a serem assumidas por estes muito depois. Isso nos leva de volta ao corte do plano-sequência, talvez a síntese deste processo não reconhecido a ser descoberto e que conduz o longa independente da forma pela qual esta cicatriz se manifesta.

Estruturado a narrativa sob esta temática maior, Cretton não interfere muito na história e permite que o peso dos acontecimentos e atos pautem o filme, deixando aos atores conduzir os momentos mais difíceis. Esta preferência ao convencional tende a prejudicar a produção conforme ela depois torna o seu motor conciliador numa ferramenta para a redenção típica de cinebiografias - as bolas fora se acumulam quando Rex termina seu arco sendo perdoado de seus erros -, mas ela também se torna um veículo ideal para Harrelson entregar uma atuação poderosa como o patriarca responsável por grande parte dos danos. Se Larson, Watts e o restante do elenco carregam muito bem a dinâmica proposta pelo diretor, cabe ao ator e seu trabalho expansivo preencher as lacunas da aparente contradição desta análise, criando uma aura que ao mesmo tempo atrai e repele aqueles que ama e também o espectador.

Não deixa de ser um movimento curioso mas também esperado que a performance de Harrelson, então, se torne o fio condutor ideal para a materialização deste verdadeiro suplício que O Castelo de Vidro trabalha nas entrelinhas. Se o filme flerta demais com o melodrama mal intencionado, o ator é capaz de reorganizar o longa sob este olhar trágico sem tirar a centralidade das duas atrizes protagonistas, reforçando na tela a importância do ato de reconhecimento deste processo de formação doloroso, carregado na queimadura permanente, no duro aprendizado para nadar ou no trauma a nunca ser superado.

Nota: 7/10

sábado, 5 de agosto de 2017

Crítica: Planeta dos Macacos - A Guerra

Fim da jornada de César se consuma em épico bíblico masculinizante de macacos.

Por Pedro Strazza.

[Esta crítica aborda reviravoltas da trama. Se você ainda não assistiu o filme, leia por sua própria conta e risco]

Desfecho de uma trilogia iniciada sob olhar de desconfiança e que provou seu valor em meio a uma miríade de tentativas dos estúdios de reinserir sucessos do passado sob uma nova roupagem contemporânea, Planeta dos Macacos - A Guerra é um filme que desde os seus primeiros momentos sabe muito bem da existência da carga dramática ao seu redor. Seja a gravidade adquirida no conflito entre humanos e macacos, o futuro previamente determinado que cada vez mais está próximo de sua realidade ou o próprio teor de capítulo final que no geral domina os terceiros episódios das séries cinematográficas, o longa de Matt Reeves parece enfim reconhecer o peso das múltiplas tragédias dos outros capítulos e usa disso como uma força motora primária, abandonando o teor de experimento controlado para abarcar o tom do épico antes apenas insinuado.

É uma mudança radical para a franquia se considerar que os antecessores adotavam certa desambição em suas histórias, preferindo tramas intimistas para depois refleti-las em uma escala maior. O truque está no roteiro: se os dois primeiros filmes tinham autoria de Rick Jaffa e Amanda Silver, A Guerra é escrito (além de Mark Bomback) pelo próprio diretor, que já havia exibido em O Confronto uma vontade muito explícita de levar o status da jornada do macaco César (Andy Serkis) a maiores alturas e aqui tem maior liberdade de materializar isso na tela. No longa, essa ambição se inaugura com velocidade na abertura, que acompanha uma operação de ataque de tropas militares humanas contra os símios sob referências da Guerra do Vietnã e de conflitos da exploração da América, colocando sob contraste o armamento e figurino de guerra dos soldados do Coronel de Woody Harrelson com a fortaleza de troncos e os arco-e-flecha dos macacos.

O Vietnã em si permanece uma diretriz constante na produção, mas o que a narrativa desenvolvida por Reeves persegue mesmo é o tom grandioso dos épicos bíblicos, uma opção possível graças à semelhança do arco de liderança do protagonista com o da figura de Moisés. Neste terceiro capítulo, essas similaridades são tratadas como núcleo central da obra - ele não hesita em tratar os macacos sob a ótica dos judeus e seu sofrimento para chegar à Canaã - na mesma intensidade com que o longa se comporta como o típico filme masculino, algo bastante evidente na trama de vingança percorrida por César e o uso das poucas personagens femininas de alívio e esperança às tormentas da realidade. É uma combinação forte e bem trabalhada pelo diretor, que faz a história atravessar por diferentes subgêneros (o faroeste, o pós-apocalíptico e mesmo o de guerra, todos acenados na trilha sonora de Michael Giacchino) sem nunca perder de vista esta estrutura maior.

O que o novo Planeta dos Macacos não percebe neste processo - e que mina a intensidade de suas maiores qualidades - é o quão segmentado o seu roteiro fica nesta abordagem, ainda mais porque o longa insiste em manter certa individualidade no arco de seu protagonista no épico que lidera. Além da obra dar a sensação constante de ser pautada por cenários independentes (a floresta, o esconderijo, a vila abandonada, a fortaleza) ao invés de acontecer o contrário, a cruzada de César para encontrar e matar o Coronel separa o seu sofrimento do vivido por seu povo, cujas mortes são retratadas na tela com toda a violência possível para uma classificação indicativa baixa. A produção faz isso com um objetivo preciso - sumarizado na tocante cena das jaulas e do reencontro de César com sua missão graças à jovem humana Nova (Amiah Miller) -, mas a ação termina por redirecionar grande parte da escala buscada por A Guerra a fins intimistas sem possuir qualquer intenção nesta troca.

A medida provoca um efeito curioso na franquia, pois se nos outros dois o problema era o filme ter ambições maiores que a história permitia aqui ocorre justo o reverso, com o diretor optando por decisões acanhadas dentro de uma trama extremamente ambiciosa. Em outras situações isso seria um erro fatal - César ao longo dos outros dois capítulos foi construído sob a figura de líder e neste desfecho ele trai esta lógica por completo -, mas Reeves é capaz de fabricar desta aparente inoperância uma variedade de passagens recompensadoras, beneficiado ainda pelos efeitos visuais responsáveis pela animação dos macacos estarem afiadíssimos. Embora se comporte no fundo como uma grande amálgama de sets pieces distintas e perca o ritmo à partir da situação no quartel dos militares, o terceiro episódio consegue se passar como uma obra mais uniforme pelo sentimentalismo que reproduz nos pequenos momentos de alívio dentro de todo o sofrimento imposto, seja nos macacos prisioneiros conseguindo alimentação ou em cenas inocentes como a de uma criança interagindo com um gorila - até mesmo o Bad Ape, claro alívio cômico vivido por Steve Zahn, ocupa certa responsabilidade aí.

Isso porque A Guerra, assim como A Origem e O Confronto, perpetua em seus melhores momentos a noção da dor causada pela perda da inocência, um elemento que se nos outros dois capítulos era capaz de redimir o protagonista frente ao ódio dos homens neste terceiro se torna enfim em sua condenação. Se na Bíblia Moisés não podia entrar na terra prometida por ter sido infiel a Deus, à César a entrada no Planeta dos Macacos não é permitida por todo o seu ódio criado e usado para salvar e dar segurança ao seu povo, uma atitude que como seu semelhante religioso o restringe a apenas contemplar os feitos e entrar para a História antes do último suspiro.

Nota: 7/10