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sábado, 25 de agosto de 2018

Crítica: Gauguin - Viagem ao Taiti

Cinebiografia de Paul Gauguin reflete vida e obra do artista: bonita, mas problemática.

Por Isabela Faggiani.

O diretor e roteirista do longa Gauguin - Viagem ao Taiti, Édouard Deluc, teve a ideia de fazer o filme em homenagem ao pintor Paul Gauguin após ler Noa Noa, o diário de viagem do artista escrito após sua primeira viagem ao Taiti. O filme de Deluc não tem como proposta retratar toda a vida e trajetória de Gauguin (Vincent Cassel); a história contada se passa ao longo de dois anos, entre 1891 e 1893, período em que o pintor produziu 66 obras.

O longa começa com a decisão de Gauguin deixar Paris e ir para a Polinésia sob o pretexto de que a vida urbana já não o agradava mais e ele precisava entrar em contato com a natureza “selvagem” para buscar inspiração. Essa primeira parte do filme se passa de forma crua, rápida e sem muito desenvolvimento. Vemos apenas um Gauguin triste e cansado que não hesita em deixar para trás a esposa e cinco filhos e ir buscar sua musa em outro continente. 

Chegando em Papeete - a capital da Polinésia Francesa - Gauguin logo é acometido por uma doença. O doutor Henri Vallin (Malik Zidi) trata do pintor e afirma que este teve um problema no coração e tem diabetes em estágio avançado. O filme, porém, não menciona que esses problemas provavelmente estavam ligados à sífilis cardiovascular que o pintor tinha.

Ao longo dos 102 minutos de filme, o espectador é agraciado com cenas cativantes do novo lar de Gauguin, que explora tanto quanto pinta. A fotografia do filme, cheia de vida e cores, é, junto com a atuação de Cassel, o ponto mais forte da obra. O ator faz um ótimo trabalho passando a delicadeza que Gauguin tinha ao pintar suas obras e ao desbravar o desconhecido. O ator entrou de cabeça no projeto, estudou a vida e obra do pintor que interpretou, leu Noa Noa, perdeu peso para o papel e até fez aulas de pintura, pois, segundo ele “não queria parecer um idiota no set, adicionando cores sem saber como”.

A jovem Tuheï Adams também não deixou a desejar no papel de Tehura, a musa e amante do pintor, que foi entregue à ele de bom grado pela sua aldeia e serviu de inspiração para dezenas de seus quadros icônicos. 

Sem uma boa história para contar, Deluc cria um triângulo amoroso entre Gauguin, Tehura e o jovem local Jotépha (Pua-Taï Hikutini), pupilo do artista. Enquanto Gauguin está sofrendo por conta de sua doença e da falta de dinheiro, Tehura e Jotépha, vão cada vez mais se mostrando interessados um no outro. O problema é que nenhum dos personagens é cativante a ponto de prender a atenção do espectador, e mais que isso: o longa não traz à tona um problema alarmante dessa relação.

A jovem Tehura de verdade tinha apenas 13 anos de idade quando seus pais a entregaram ao pintor francês, que à época já tinha mais de 40 anos. Além dela, Gauguin também manteve relações com outras duas jovens polinésias, que também tinham entre 13 e 14 anos. No filme, apenas Tehura é mostrada, e Deluc decidiu retratá-la de forma mais adulta, ignorando o fato de que sua inspiração para o filme é um pintor europeu pedófilo que se casou com três adolescentes em sua viagem à “natureza selvagem” e, provavelmente, infectou as garotas com sífilis.

Por conta dessa “licença potética”, o filme de Deluc negligencia uma das mais importantes problemáticas da viagem de Gauguin - algo que merecia uma análise cinematográfica muito mais do que as belas paisagens do Taiti e as mais de 60 pinturas de Gauguin. Ao deixar esse importante fato de fora de sua história, Deluc transformou seu filme em uma história de um homem doente e pobre que pinta quadros - o que assemelha Gauguin - Viagem ao Taiti a outras cinebiografias sobre pintores do século XX, com a diferença de que este longa não se passa na Europa.

Nota: 4/10

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Crítica: Histórias que o Nosso Cinema (Não) Contava

Compilação de Fernanda Pessoa é retrato, análise e diálogo.

Por Alexandre Dias.


Devo revelar, antes de qualquer coisa, que o que tinha em mente sobre as pornochanchadas era basicamente aquele estereótipo clássico: filmes que não abordavam temas densos, orçamentos pífios, produção bizarra e erotismo brega. O conteúdo raso era apenas o "permitido" a ser feito no período da ditadura militar no Brasil, algo que não comprometeria o governo e suas ideias altamente retrógradas. Será que era mesmo?

Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava é a desconstrução perfeita de como esta vertente do cinema nacional não era tão repleta de ingenuidade assim; ou, pelo menos, mostra que o descompromisso aparente que a cercava tinha - ou poderia vir a ter, como posso utilizar-me de exemplo - um efeito social significativo. Por meio de um conceito baseado na pesquisa e o recorte de informações, da mesma forma que Eduardo Coutinho concebeu Um Dia na Vida, a diretora Fernanda Pessoa consegue fazer um retrato de um ciclo em paralelo a um diálogo com a atualidade.

O documentário é estruturado pelos trechos das obras, em sua maioria dos anos 70, alinhados por assunto, além de uma introdução rápida do contexto político e uma conclusão. Tortura, aborto, comunismo, machismo e influência externa são apenas alguns dos campos percorridos no longa-metragem. É impressionante ver como quase cinco décadas depois ainda estamos no mesmo ponto de “debate”. O modo debochado como os personagens – grande parte homens – falam sobre isso de uma maneira conservadora – para, na maior parte, mulheres – soa tristemente familiar. Basta ligar a televisão hoje para observar candidatos à presidência que fazem apologia ao estupro e recusam a lei do feminicídio.

Assim, é notável o alcance do trabalho de Fernanda Pessoa, porque a desolação trazida ao comprovar que as coisas não mudaram tanto desde aquele período vem em formato de reflexão. Ou seja, a nossa "democracia" atual tem aspectos semelhantes à da ditadura militar. Isso é muito grave, tornando a função desse filme mais importante ainda. Não é só um produto que conversa sobre política. Ele é político. E isso é bom, ao contrário do que alguns espectadores podem pensar. Não há nenhuma apelação, a exposição de ideias e argumentos são inteligentes e fluidas.

A cineasta responsável pelo projeto, que também assina o roteiro, merece grande destaque, porém não há como não trazer à tona o nome de Luiz Cruz, organizador da montagem. Os 80 minutos de duração são perfeitamente bem utilizados, sem cansar quem está assistindo e sempre provocando a curiosidade do que será o próximo tema. Os fragmentos extraídos das obras variam o seu tempo, alguns sendo mais curtos e outros mais longos - há verdadeiras cenas de discussão entre os personagens, assim como pequenos comentários e atos.

A propósito, o fato do "gênero" da pornochanchada ser o assunto em questão foi destrinchado com eficiência. O besteirol desses longas conseguem causar risadas pela breguice, o que, por outro lado, auxiliou muito na ironia da produção, algo que Pessoa valorizou para passar alguns de seus pensamentos. Nem por isso não há momentos chocantes e perturbadores. Nunca pensei que um filme assim teria uma cena de tortura, por exemplo, como a que uma mulher é amarrada pelas mãos e os pés e é agredida por homens, ou um momento realmente dramático, representado pela jovem que debate aborto com a sua família católica tradicional. Há, mais uma vez, uma dupla função: gerar uma análise e desfazer um rótulo.

Dizer que as pornochanchadas eram trabalhos com uma sabedoria enrustida não é propriamente uma verdade, mas com certeza pode-se afirmar que representaram uma sociedade e os seus pontos diversos, ainda que sem querer. Portanto, é admirável a tarefa que Fernanda Pessoa trouxe para si, de entender como aquele cinema era uma janela do nosso mundo e colocar isso em questão, trazendo uma abertura de diálogo para os dias atuais que é urgentemente necessária.

Nota: 9/10


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Crítica: Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Novo filme de Lynne Ramsay explora nova face da violência.

Por Letícia Dauer.

Veteranos de guerra traumatizados e a espetacularização da violência são temas antigos e explorados à exaustão por Hollywood. O thriller Você Nunca Esteve Realmente Aqui, baseado no livro homônimo de Jonathan Ames, apresenta uma narrativa que foge do tradicional maniqueísmo - herói ou assassino - com toques de Táxi Driver e O Profissional.

A diretora escocesa Lynne Ramsey venceu o prêmio de Melhor Roteirista e Joaquin Phoenix de Melhor Ator no Festival de Cannes de 2017, sendo aclamados pela crítica e pelo júri presidido por Pedro Almodóvar. Em seu quarto longa-metragem, Ramsey nos apresenta a história de Joe (Phoenix), veterano de guerra que ganha a vida resgatando garotas desaparecidas. Durante o primeiro ato, o protagonista enfrenta uma rotina mecânica e alienante que se resume a matar criminosos e cuidar de sua senil mãe (Judith Roberts). 

A fotografia sombria de Tom Townend, ocasionalmente esverdeada, acompanhada da frenética trilha sonora de Jonny Greenwood, integrante da banda Radiohead, são reflexos da mente perturbada e autodestrutiva de Joe, lembrando o personagem Travis Bickle de Robert De Niro. Breves flashbacks sobre a infância revelam que seu sofrimento vai muito além da experiência militar. Seu pai era extremamente abusivo e agredia a mãe com frequência, por isso encontrou na violência uma forma de extravasar seus traumas. 

O mérito do roteiro está em trabalhar com a dualidade. Ao mesmo tempo em que Joe é violento, sendo o martelo sua arma favorita, ele também demonstra muita doçura com a mãe ao cantarem juntos ou ao colocá-la na cama para dormir. O público transita entre a repulsa e a empatia, tendendo mais ao segundo sentimento durante a narrativa. Afinal ele se mostra mais uma vítima de uma sociedade violenta e desumana. 

"De todos os gêneros, o thriller é o que mais se aproxima da experiência de sonhos, e em que se armazena repertório de medos", diz a jornalista Ana Maria Bahiana. Em Você Nunca Esteve Realmente Aqui, o espectador é convidado a compartilhar os sonhos, ou melhor dizendo os pesadelos, do veterano de guerra, que perpassam por tentativas de suicídio. Como Joe é um personagem extremamente silencioso e antissocial, é função dessas cenas oníricas e os flashbacks revelarem sua verdadeira natureza. 

Como o próprio título afirma, Joe nunca esteve realmente ali, sempre viveu de forma automática e anestesiada até aceitar resgatar a filha do senador Albert Votto, que foi raptada por membros de uma rede de prostituição infantil. Após alguns acontecimentos, o desejo de libertar a pequena Nina Votto (Ekaterina Samsonov) desperta Joe de sua alienação e torna-se sua motivação de vida em meio aos ímpetos suicidas, o que talvez seja a única falha do roteiro. É difícil crer na rápida conexão entre esses personagens. Diferente, por exemplo, do relacionamento entre o assassino de aluguel Leon e da pequena Mathilda, em O Profissional, que é desenvolvida ao longo de toda a película.  

Nota: 7/10