Por meio de retrato do fim, Vecchiali faz um de seus trabalhos mais acessíveis.
Por Pedro Strazza.
Cineasta que tem dado maior foco a mise-en-scenè de seus filmes desde que voltou a trabalhar com maior frequência, o francês Paul Vecchiali concebeu em seus últimos trabalhos um paradoxo inusitado dentro dessa questão. Prezando pela esfera sentimental que caracteriza sua obra, seus longas possuem uma diagramação de cena e enquadramento simples, mas são complexos naquilo que buscam passar ao espectador. O Ignorante, seu novo trabalho, não foge a essa regra.
Escrito e protagonizado pelo diretor, o filme segue Rodolphe, dono de uma empresa que tem uma vida reclusa até o dia que seu filho, Laurent (Pascal Cervo), volta para casa. Com um relacionamento difícil, os dois passam a compartilhar mágoas e receios dentro da moradia: o primeiro, atormentado pelas lembranças de uma mulher chamada Marguerite (Catherine Deneuve), começa a receber a visita dos diversos amores de sua vida; o segundo, perdido e sem rumo, busca encontrar um sentido ao que quer que vá fazer no futuro.
Como nos filmes anteriores, Vecchiali volta a manter como prioridade a encenação do que escreve, buscando criar uma dialética simples que proporcione grande impacto a seu público. Diretor que nunca deixa de incluir dança e música (cujas letras dessa vez ele mesmo compõe) em suas obras, ele procura aqui simplificar ainda mais a movimentação de personagens dentro de seu cenário estático, resumindo momentos mais emocionais em gestos pequenos e simultaneamente singelos. Essa dinâmica, ao qual evita o exagero provocado pela explosão mas não a nega em última instância - são momentos de fúria bastante controlados, de novo por causa do foco em cima da encenação -, torna o longa mais acessível a quem não está habituado aos trabalhos do cineasta: os planos fechados podem confundir a princípio, porém com o tempo revelam por seu caráter direto uma gama de sentimentos que atinge qualquer um.
Isso ocorre também porque a temática abordada por O Ignorante não é estranha ou complexa como a de É o Amor, longa anterior do cineasta. Flertando muitas vezes com um tom autobiográfico - mas nunca o assumindo de fato -, o diretor realiza um clássico filme de arrependimento, que explora reminiscências de conflitos não resolvidos - o pai e filho, as relações com mulheres e a própria morte - para fazer um retrato melancólico e ao mesmo tempo belo do fim da existência.
Para a sorte do espectador, tal retrato não necessariamente chega às vias do depressivo, graças tanto à característica contenção do diretor quanto de seu bom humor. Por mais sério que se faça na mise-en-scène, Vecchiali não deixa de usar a atuação (sua ou do elenco) em seu viés mais físico e cômico, com piadas que envolvem desde sonambulismo até Tintim. Os diálogos de seu roteiro e a montagem também possuem esse lado de humor, ainda que no fundo brinquem com os mesmos temas de outros trabalhos do cineasta - e ainda que funcionem, elementos como a questão da homossexualidade de alguns personagens e as elipses inusitadas aos poucos se tornam elementos batidos de seu cinema.
Essa talvez seja a maior força de seus filmes, incluindo este O Ignorante. Vecchiali consegue transitar entre o drama e à comédia sem nunca se trair, muito porque suas encenações nunca adotam um tom cínico ou de ironia auto desconstrutiva. Há quem diga que isso leve o longa ao caminho tolo da ingenuidade, mas é justo esta que proporciona a ele um melhor contato com seu tão querido lado sentimental.
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