segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Crítica: Demônio de Neon

Terror sobre figura da musa almeja a grande análise, mas prefere perfeição estética. 

Por Pedro Strazza.


Desde que entrou para Hollywood e assumiu a estética estilizada e pulsante do neon em seus filmes, o dinamarquês Nicholas Winding Refn tem se contentado a refazer gêneros e tramas tipicamente estadunidenses sob um viés mais exagerado, seja num espectro de recombinação (Drive) ou da mais pura repetição de lógica (Só Deus Perdoa). Sob esse olhar, Demônio de Neon é um avanço em seu raciocínio de cinema, já que ultrapassa as limitações da observação simples para passar a tentar interferir de fato nas mecânicas destas estruturas.

Escrito pelo próprio Refn, o longa reproduz o arco de ascensão e queda do indivíduo em busca da fama e do sucesso, aqui representado na figura da jovem Jesse (Elle Fanning) e de sua viagem pelo mundo da moda da Los Angeles contemporânea. Tendo a carreira impulsionada por uma poderosa agente (Christina Hendricks), a garota logo se destaca das outras modelos por possuir uma beleza dita "natural", o que provoca inveja em suas concorrentes (Abbey Lee e Bella Heathcote) e a paixão em uma admiradora (Jena Malone). Dos eventos que se seguem a partir disso, o diretor se envereda pela desconstrução da relação quase mística que se estabelece entre a protagonista e aquelas que a rodeiam, envolvendo musas, seres humanos e o distanciamento mais do que evidente entre as partes.

Sob tal perspectiva, Demônio de Neon é uma obra funcional, ainda que esteja limitado demais nos próprios dispositivos criados para trabalhar tal questão. Embalado pela trilha climática de Cliff Martinez, o diretor esboça o tempo todo um filme de grande análise sobre o ser musa e seus impactos no indivíduo dentro de uma lógica do universo feminino predatório e guiado pela sede sexual masculina, com cenas que sozinhas compõem verdadeiros quadros de análise sobre o tema. Em seus planos de estética higienizada e dominados por lentos zoom in e zoom out, o longa sabe direcionar o semblante deslumbrante de Fanning tanto às suas relações chave quanto ao vazio existencial que no fundo permeia os personagens, suas ambições e o mundo em que vivem.

A produção, porém, se castra das próprias pretensões ao não se mostrar capaz de desenvolver uma coerência narrativa mínima entre tais cenas. Como em Apenas Deus Perdoa - tragédia teatral encenada como filme de artes marciais que também sofria ao preferir a perfeição estética acima de tudo - Refn está mais interessado na limpidez e no impacto imediato de seus planos que de ordenar estes no sentido de evoluir a trama para um mesmo fim. E apesar de suas cenas escalarem de fato para visuais cada vez mais intensos e do mais puro gore, elas não conseguem atuar em conjunto para entregar a complexidade buscada por ele: os momentos mais pesados da história, que o cineasta em teoria usa como ápice do seu conto de horror, soam tolos por justamente estarem isolados em um inferno multicolorido e deveras muito organizado.

Não deixa de ser irônico que Demônio de Neon, concebido como filme disposto a trabalhar de maneira ambiciosa o vazio de relações da sociedade contemporânea, termine então refém do próprio processo. Por mais que tenha todas as peças nos lugares certos e habilidade inegável na construção de planos, Refn ainda não parece ter noção exata do funcionamento da estrutura alegórica, que dirá então de manipulá-la para os próprios fins.

Nota: 4/10

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