sábado, 22 de outubro de 2016

Crítica: Jovens, Loucos e Mais Rebeldes

Richard Linklater aborda figuras do passado em retrato de parte de uma geração.

Por Pedro Strazza.

“É tudo muito tribal, cara” diz Finnegan (Glen Powell) para o protagonista Jake (Blake Jenner) no desenrolar de uma das situações iniciais de Jovens, Loucos e Mais Rebeldes. Ele faz esse comentário logo depois do grupo de atletas ao qual ambos estão inseridos ser expulso de uma boate disco por causa de uma bobagem: um dos integrantes, mais esquentado, brigou com o bartender por qualquer questão tola envolvendo a veracidade de sua masculinidade.

A observação dita por Finnegan pode soar um tanto rasa a princípio, mas como outras linhas de diálogos pescadas das conversas travadas por outros integrantes do grupo ao longo da história ela ajuda a esclarecer o objetivo que o diretor e roteirista Richard Linklater busca alcançar com o filme. A dúvida, afinal, não poderia ser mais sincera: o que diabos o cineasta busca tirar do cotidiano de um grupo de jocks (o estereótipo estadunidense do atleta) nos últimos dias de suas férias?

O retrato geracional talvez seja a melhor resposta para a pergunta, mas não é exatamente capaz de englobar a totalidade do significado que Linklater busca promover no longa. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes é um filme que de fato se aproxima em muitos momentos de outros trabalhos do gênero do diretor (como Boyhood e, claro, Jovens, Loucos e Rebeldes) por conta da maneira como ele situa a sua história em um tempo e espaço específico por meio de canções e elementos de cena - no caso, os Estados Unidos do fim dos anos 70, que começa a superar os traumas da Guerra do Vietnã e assume a rebeldia pelo viés anárquico, a exemplo do punk. Ele, porém, também se distancia deste quadro pelo próprio perfil de seu grupo de protagonistas, que transitam pelos mais distintos ambientes com toda a inadequação de quem definitivamente não pertence a estes.

“Somos camaleões” afirma Finnegan em outro momento do filme, quando confrontado por Jake sobre eles não terem lugar dentro do show de rock onde estão. O espetáculo, que conta com um bate-cabeça ao som da versão punk do tema da série Gilligan’s Island, é uma das quatro festas que o grupo participa nos três dias anteriores ao início de suas aulas que reforçam esse sentimento de deslocamento proporcionado de forma sutil por Linklater, sensação que já é introduzida no início quando o grupo é rechaçado por duas garotas depois de duas tentativas bastante distintas de “aproximação”.

É algo que ocorre justamente pelo fato deste retrato geracional não se tratar de um pressuposto para que o cineasta faça sua análise de um momento histórico, mas sim de um tipo histórico dentro do cinema estadunidense. Jovens, Loucos e Mais Rebeldes tem aqui a pretensão de entender a figura do jock como algo além das caracterizações clássicas de herói ou vilão, perfis que não só acentuaram sua queda como ideário dentro do universo universitário mas também tornaram esse personagem clássico em um elemento já ultrapassado. Não é à toa que na contemporaneidade existam tantas produções dispostas a reinventar e brincar com o atleta e seu perfil musculoso e “burro”, e Linklater é esperto o suficiente para driblar esse lugar comum e abordar essas figuras de maneira mais tradicional.

O diretor aqui volta a trabalhar esse tipo como algo relacionável, humanizando as relações de superficialidade e ritualísticas que compõem essa cultura afim de entender seu funcionamento. O cotidiano de competições, pegadinhas e festas do grupo formado por Jake, Finnegan, Roper (Ryan Guzman), Jay (Juston Street), McReynolds (Tyler Hoechlin), Willoughby (Wyatt Russell), Plummer (Temple Baker), Dale (J. Quinton Johnson), Beuter (Will Brittain), Nesbit (Austin Amelio), Brumley (Tanner Kalina) e Coma (Forrest Vickery) serve a Linklater como uma forma de constatar a temporalidade do jock no cenário histórico, algo que fica claro não apenas pelo destino de Willoughby mas também no fato do grupo estar unido por ser um time de baseball, o esporte que tem um dos públicos mais envelhecidos e em plena queda nos EUA de hoje.

Linklater, porém, não busca a redenção ou mesmo consagração dessa figura como ideário de um tempo passado, a exemplo de Boyhood adotando a nostalgia como linha narrativa central. Ele inclusive procura brincar com os pontos característicos desses personagens, levando a limites fatores como competitividade e o culto ao corpo (as cenas que mostram o grupo se aprontando para as festas são hilárias) como forma de manter as coisas sempre balanceadas entre comédia de costumes e de tipos. Tem um quê de desconstrução, mas isso é feito apenas para esclarecer sua temporalidade quando confrontada com as mudanças histórias provindas do fim da década, tornando o deslocamento ainda mais evidente.


Esse processo de desfalecimento do jock, entretanto, não poderia ser mais respeitoso, se envolvendo com suas ações sem qualquer noção de julgamento. É uma forma singela de não só tornar a produção condizente com o universo que retrata, mas também de capturar a efemeridade da juventude em todo seu esplendor. Os atletas de Linklater não poderiam estar mais ultrapassados, mas sua rotina de diversão e descompromisso os impelem a um caráter atemporal que transcende a metáfora do sofrimento de Sísifo e os "condena" a uma eternidade repleta de álcool e sexo em um passado já consumado pela sociedade.

Nota: 9/10

0 comentários :

Postar um comentário