Asghar Farhadi repete dramas e renega o que há mais de interessante na narrativa.
Por Pedro Strazza.É comum no cinema que diretores aproveitem a abertura de seus filmes para transmitir uma espécie de anunciação ao espectador, um gesto inicial que diga a este qual é o seu objetivo com a obra em mãos. No caso de O Apartamento, o iraniano Asghar Farhadi inicia o longa com duas cenas: na primeira, que acompanha os créditos iniciais, um pequeno palco vai sendo iluminado por uma equipe; a segunda, filmada em um plano sequência, acompanha o desespero de moradores de um prédio que no meio da noite são obrigados a saírem de seus apartamentos porque o edifício está quase desabando por causa da construção vizinha.
São dois momentos distintos cuja relação entre si ajuda a delimitar a temática do filme, mas que também provocam posteriormente um sentimento de frustração. Se Farhadi a princípio parece ensaiar um filme de espaços e encenação (e portanto um trabalho mais metalinguístico dentro de seu cinema de dramas contidos) ao apresentar o cenário de uma peça sendo iluminado, essa proposta aos poucos se dissipa e dá lugar a um longa de maiores raízes com a cultura de seu país. Nesse ponto, a sequência do desespero dos moradores dá maiores pistas ao espectador sobre o conteúdo da produção, principalmente quando termina seu longo plano enfocando a escavadeira que do lado de fora é responsável pelos abalos interiores na estrutura do prédio.
São esses mesmos abalos que se sucedem na vida do casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) após serem obrigados a saírem de seu lar no antigo edifício, indo viver em um pequeno flat enquanto não encontram lugar melhor para ficar. Certa noite, o apartamento é invadido e Rana é encontrada desacordada e com machucados no rosto pelos vizinhos, que assumem que o responsável por tais atos tenham algo a ver com a antiga moradora, considerada por todos como promíscua. Extremamente incomodado com o mistério do invasor e da antiga inquilina, Emad parte então em busca de respostas.
O roteiro de Farhadi trabalha aqui com noções de público e privado dentro de um contexto de drama de relações, aproveitando-se disso para problematizar a contenção cultural característica do Irã. Esse viés do roteiro fica evidente nas situações que demonstram o trauma do casal em se tornar o centro das atenções por causa da invasão domiciliar, seja no colégio onde Emad leciona literatura para um grupo de garotos ou na peça em que eles atuam. Escancarar a vida pessoal do próximo, aqui, é um ato de impacto, capaz de destruir uma pessoa pela mera revelação de um fato de sua vida.
O que o diretor talvez não perceba, porém, é o quanto de sua estrutura acaba pro se tornar em gordura por causa dessa decisão, limitando a obra a ser pautada apenas sobre tais situações. O ambiente do teatro é o que melhor escancara essa problemática, ao fornecer ao longa uma dinâmica de espaços (com os dois apartamentos e mesmo a sala de aula) que nunca chega a ser explorada pelo roteiro, mas não é o único. Farhadi enfoca tanto a questão da importância do privado em suas relações que depois mostra dificuldades em estabelecer a delicada situação entre os dois protagonistas, somente insinuada em momentos pontuais.
Essa dificuldade aos poucos se acumula na narrativa e é a grande responsável por tornar arrastado o clímax do filme, justo o momento em que os longas de Farhadi explodem para revelar a precariedade das relações entre seus personagens. Já a verdadeira presepada que se sucede no fim de O Apartamento vem para revelar a precariedade de sua própria estrutura, que de tão comprometida com seu fim acaba por relegar o resto ao fundo de cena.
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