segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Oscar 2017: Indicados e vencedores

Sob clima de auto-homenagem, edição deste ano confirma novos rumos da premiação.

Por Pedro Strazza.

Há exatos quarenta e nove anos, Warren Beatty e Faye Dunaway eram protagonistas de Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas, um dos cinco indicados ao prêmio máximo de um Oscar notável pelas mudanças, que via simultaneamente o progressivo fim da Velha Hollywood em contraste com o nascimento da Nova em meio ao ápice do movimento negro comandado por figuras como Malcolm X e Martin Luther King Jr. - este último cujo assassinato fez com que a cerimônia de premiação fosse adiada em alguns dias. Vencido por No Calor da Noite, o Oscar de 1968 foi um ponto de virada importante para a mentalidade dos votantes da Academia, que se em anos anteriores vinha consagrando grandes produções - como épicos históricos e musicais hollywoodianos - nas edições seguintes mudou por completo sua mentalidade, passando a eleger como filme do ano obras como Operação França, Perdidos na Noite e Rocky - O Lutador.

Nada mais justo então que quase cinquenta anos depois Beatty e Dunaway, símbolos de uma geração que "salvou" Hollywood de uma de suas maiores crises, também fossem protagonistas de uma das maiores confusões da História do prêmio. Escolhidos para realizar o ato final (justo por causa do aniversário de Bonnie e Clyde), a dupla anunciou na noite de ontem (26) o filme errado como vencedor do Oscar de Melhor Filme no final da cerimônia realizada no Dolby Theater. Os dois não tiveram culpa no processo - a organização forneceu erroneamente a eles um envelope reserva da categoria de Melhor Atriz - mas o verdadeiro papelão que aconteceu ao redor deles talvez tenha sido um dos atos mais simbólicos de uma nova mudança de mentalidade na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e seus votantes, até porque os longas envolvidos na troca representam dois tipos de produção que vem sendo centrais nas últimas edições da premiação.

Antes disso, porém, é preciso repassar a cerimônia. Com a audiência em queda livre já há alguns anos, o Oscar este ano apostou em Jimmy Kimmel para reformular a cerimônia e torná-la mais atrativa a todos os públicos, adequando as quase quatro horas de apresentação ao formato de um episódio do talk show comandado pelo apresentador, o Jimmy Kimmel Live. Com esquetes e piadas internas do programa incorporados aos números musicais e discursos de agradecimento - teve desde o famoso quadro Mean Tweets à eterna rivalidade de Jimmy com o ator Matt Damon - a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas viu seu principal evento acentuar os altos e baixos, já que ao mesmo tempo que tirava proveito da desenvoltura de seu host como mestre de cerimônias (o monólogo de abertura em especial foi um grande acerto) ele também sofria com esquetes forçados e mal encaixados entre as categorias - a brincadeira dos turistas aparecendo na cerimônia, por exemplo, pareceu como mais uma tentativa desesperada do Oscar de relembrar o sucesso viral do ano comandado por Elle DeGeneres, pelo menos em termos comerciais e midiáticos a apresentadora de maior sucesso das últimas edições.

Tudo isso foi envolto em um clima de solenidade bastante marcante para com a História da premiação, alto até mesmo para os padrões altamente narcísicos  da Academia. Depois de se render à sátira com a própria imagem no ano passado, o Oscar em 2017 foi do começo ao fim dedicado a relembrar os grandes momentos do prêmio, desde os clipes com os principais ganhadores das categorias de atuação (que precederam o anúncio de cada um dos quatro vencedores da área) às declarações de oscarizados sobre os filmes que marcaram suas vidas.

Enquanto este tom reverencialista apontava para uma permanência das tradições que circulam sobre a cerimônia desde sempre, a entrega dos prêmios em si trouxe várias surpresas, fruto talvez da mudança brusca do perfil dos votantes depois da medida tomada pela organização no ano passado de aumentar a diversidade de seus membros. Ainda que La La Land - Cantando Estações tenha saído da noite no fim com o maior número de prêmios - foram seis, incluindo o de Atriz para Emma Stone e o de Direção para Damien Chazelle - as primeiras categorias anunciadas já indicavam grandes reviravoltas, desde a inesperada vitória de Esquadrão Suicida em Melhor Maquiagem e Penteados (a primeira de um filme de super-herói no Oscar desde O Cavaleiro das Trevas em 2009) às duas estatuetas conferidas a Até o Último Homem, não apenas por ser um filme do recém-redimido pela Academia Mel Gibson como também por ter premiado em Mixagem de Som Kevin O'Connell, recordista de derrotas na categoria com 20 nomeações.

O fim do suplício de O'Connell foi o maior indicativo do quão propensa a Academia estava para justiças históricas na noite de domingo, seja presente ou passada. As vitórias de Mahershala Ali e Viola Davis em Ator e Atriz Coadjuvante puseram fim à onda do "Oscars So White" que assombrava a Academia já há dois anos; impedidos de comparecer à cerimônia por terem sua entrada no país barrada pelo presidente Trump, os realizadores de White Helmets e o celebrado cineasta Asghar Farhadi foram agraciados respectivamente com as estatuetas de Documentário em Curta-Metragem e Filme Estrangeiro, talvez por terem sido vítimas dos desmandos do governo; com o anúncio de Animais Fantásticos e Onde Habitam como grande vencedor da categoria de Figurino, a franquia Harry Potter enfim levou um Oscar para casa; e por causa de Piper - Descobrindo o Mundo a Pixar enfim conseguiu vencer a categoria de Animação em Curta-Metragem depois de mais de quinze anos na seca.

Isso nos leva, claro, ao principal prêmio da noite. Depois de ter confirmado seu favoritismo em Ator Coadjuvante e Roteiro Adaptado, Moonlight - Sob a Luz do Luar saiu com o Oscar de Melhor Filme, se tornando o primeiro filme LGBT da História do prêmio a receber a maior honraria da noite. A vitória do longa dirigido por Barry Jenkins soa como uma espécie de redenção a produções centradas na temática, principalmente Brokeback Mountain que, em 2006, teve suas grandes chances de levar a principal estatueta frustradas pelo fraco Crash - No Limite, tido por muitos como a escolha mais absurda feita pela Academia nos últimos anos.

Antes de saber que tinha vencido, porém, Moonlight acabou vendo o prêmio ser erroneamente anunciado por Beatty e Dunaway para La La Land, cuja grande quantidade de estatuetas arrebanhadas durante a noite - apesar de em número muito menor que esperado - reforçou a ideia de que sua vitória fosse natural.

É neste ponto que fica evidente o quão importante a confusão do anúncio foi para a compreensão do que pode ser a mais nova mudança de eixo da premiação dos melhores da indústria cinematográfica estadunidense. Nesta última década, o Oscar de Melhor Filme pertenceu em pelo menos três ocasiões (no caso O Artista, Argo e Birdman) a produções que de alguma forma faziam referência à Hollywood de forma a reverenciá-la, o que reforçava por sua vez a tendência dos votantes de consagrar o musical de Chazelle na categoria este ano. A vitória de Moonlight, entretanto, vai contra esses "princípios" até então dados como certos para os rumos atuais da premiação, que caía cada vez mais na celebração autoindulgente de seu passado e se tornava por consequência ultrapassada.

O filme de Jenkins a bem da verdade possui maior afinidade com outro vencedor recente da categoria, o campeão do ano passado Spotlight - que também levou poucas estatuetas na edição de 2016. Como no longa sobre Jornalismo de Tom McCarthy, impera em Moonlight a predominância de temáticas que muitos elogiam como "importantes" para o mundo de hoje, algo que acaba por prevalecer na mentalidade coletiva sobre as duas obras e as impulsionou para fazer História no Oscar. São trabalhos que atingem o status de grande obra por uma atribuição que sua qualidade em nada influencia: só de tocar em temas importantes e espinhosos às alas mais conservadoras (para Spotlight o abuso sexual em crianças, em Moonlight a homossexualidade e o negro) sua condição se eleva.

Assim posto, começa a se formar na temporada de premiações um novo cenário. Pelo menos nos próximos cinco anos, pode se esperar do Oscar e das instituições ligadas a ele a tendência de suas principais categorias escolherem produções que carreguem este signo de importância, uma suposta vitalidade à discussão pública e os assuntos vitais que regem seu funcionamento. A dúvida é o quão disposta a Academia e seus votantes estão de se empenhar nisso, porque pelo menos nestas últimas duas edições o que se viu foi um verdadeiro festival de hipocrisia (culpa talvez do clima solene que tanto permeia a premiação): quando se celebrou a importância do Jornalismo, o Oscar teve o perfil mais branco de indicados dos últimos quinze anos; enquanto se glorificava um filme considerado negro e de temática LGBT, dava-se prêmios a um filme comandado por um (ótimo) cineasta até então renegado na indústria por sua atribuição de anti-semita e racista e a honraria de Melhor Ator a Casey Affleck, que em tempos recentes viu ressurgir na imprensa acusações de assédio. Mesmos os discursos dos vencedores desta 89° cerimônia de premiação falharam em possuir uma maior carga política, com os campeões das categorias principais se restringindo a agradecimentos pessoais e emocionais.

Isso sem contar o fato de que há certas justiças históricas pendentes que mais uma vez foram frustradas pela Academia, incluindo aí o fato de nenhum negro na História do prêmio ter levado a estatueta de Melhor Diretor.

No fundo, a confusão iniciada por Beatty e Dunaway foi positiva por dois grandes motivos. O primeiro é que o caráter inusitado da zona deu à premiação um bem vindo respiro de autenticidade em meio à armação falsamente disfarçada de surpresa por Kimmel e seu talk-show montado em cima da cerimônia - que no próximo ano deve testar novos formatos depois de ver sua audiência cair de novo. A segunda vem da própria transição escancarada na passagem de estatuetas entre os indicados, que não apenas revelaram um senso de camaradagem - tirando a atitude nada agradável do produtor de La La Land Fred Berger, que mesmo consciente da derrota resolveu fazer um discurso de agradecimento, os responsáveis pelos dois filmes se mostraram muito conscientes da situação delicada em que se colocavam - mas também representaram ao vivo a passagem de bastão que a Academia aos poucos se encaminha enquanto os reais vencedores chegavam ao palco. Graças a um erro, o momento ali com certeza uniu para sempre os rumos de ambos os filmes.

Confira abaixo a lista completa da 89° edição do Oscar. Os vencedores estão em negrito.

Melhor Filme


Melhor Direção


  • Mel Gibson (Até o Último Homem)
  • Dennis Villeneuve (A Chegada)
  • Damien Chazelle (La La Land - Cantando Estações)
  • Kenneth Lonergan (Manchester à Beira-Mar)
  • Barry Jenkins (Moonlight - Sob a Luz do Luar)

Melhor Roteiro Adaptado


  • A Chegada
  • Estrelas Além do Tempo
  • Lion - Uma Jornada Para Casa
  • Moonlight - Sob a Luz do Luar
  • Um Limite Entre Nós

Melhor Roteiro Original


  • Mulheres do Século 20
  • La La Land - Cantando Estações
  • O Lagosta
  • Manchester à Beira-Mar
  • A Qualquer Custo

Melhor Ator


  • Andrew Garfield (Até o Último Homem)
  • Viggo Mortensen (Capitão Fantástico)
  • Ryan Gosling (La La Land - Cantando Estações)
  • Casey Affleck (Manchester à Beira-Mar)
  • Denzel Washington (Um Limite Entre Nós)

Melhor Atriz


  • Isabelle Huppert (Elle)
  • Meryl Streep (Florence - Quem é Essa Mulher?)
  • Natalie Portman (Jackie)
  • Emma Stone (La La Land - Cantando Estações)
  • Ruth Negga (Loving)

Melhor Ator Coadjuvante


  • Michael Shannon (Animais Noturnos)
  • Dev Patel (Lion - Uma Jornada Para Casa)
  • Lucas Hedges (Manchester à Beira-Mar)
  • Mahershala Ali (Moonlight - Sob a Luz do Luar)
  • Jeff Bridges (A Qualquer Custo)

Melhor Atriz Coadjuvante


  • Octavia Spencer (Estrelas Além do Tempo)
  • Michelle Williams (Manchester à Beira-Mar)
  • Naomie Harris (Moonlight - Sob a Luz do Luar)
  • Nicole Kidman (Lion - Uma Jornada Para Casa)
  • Viola Davis (Um Limite Entre Nós)

Melhor Animação


  • Kubo e as Cordas Mágicas
  • Minha Vida de Abobrinha
  • Moana - Um Mar de Aventuras
  • The Red Turtle
  • Zootopia - Essa Cidade é o Bicho

Melhor Animação em Curta-Metragem


  • Blind Vaysha
  • Borrowed Time
  • Pear Cider and Cigarettes
  • Pearl
  • Piper - Descobrindo o Mundo

Melhor Documentário


  • A 13° Emenda
  • Eu Não Sou Seu Negro
  • Fogo no Mar
  • Life, Animated
  • O.J.: Made in America

Melhor Documentário em Curta-Metragem


  • 4.1 Miles
  • Extremis
  • Joe's Violin
  • Watani: My Homeland
  • The White Helmets

Melhor Filme Estrangeiro


  • O Apartamento
  • Land of Mine
  • Tanna
  • Toni Erdmann
  • Um Homem Chamado Ove

Melhor Fotografia


  • A Chegada
  • La La Land - Cantando Estações
  • Lion - Uma Jornada Para Casa
  • Moonlight - Sob a Luz do Luar
  • Silêncio

Melhor Montagem


  • Até o Último Homem
  • A Chegada
  • La La Land - Cantando Estações
  • Moonlight - Sob a Luz do Luar
  • A Qualquer Custo

Melhor Trilha Sonora


  • Jackie
  • La La Land - Cantando Estações
  • Lion - Uma Jornada Para Casa
  • Moonlight - Sob a Luz do Luar
  • Passageiros

Melhor Canção


  • "The Empty Chair" (Jim: The James Foley Story)
  • "Audition (The Fools Who Dream)" (La La Land - Cantando Estações)
  • "City of Stars" (La La Land - Cantando Estações)
  • "How Far I'll Go" (Moana - Um Mar de Aventuras)
  • "Can't Stop The Feeling" (Trolls)

Melhor Design de Produção


  • Animais Fantásticos e Onde Habitam
  • Ave, César!
  • A Chegada
  • La La Land - Cantando Estações
  • Passageiros

Melhor Figurino


  • Aliados
  • Animais Fantásticos e Onde Habitam
  • Florence - Quem é Essa Mulher?
  • Jackie
  • La La Land - Cantando Estações

Melhor Maquiagem e Penteados


  • Esquadrão Suicida
  • Star Trek - Sem Fronteiras
  • Um Homem Chamado Ove

Melhores Efeitos Visuais


  • Doutor Estranho
  • Horizonte Profundo - Desastre no Golfo
  • Kubo e as Cordas Mágicas
  • Mogli - O Menino Lobo
  • Rogue One - Uma História Star Wars

Melhor Edição de Som


  • Até o Último Homem
  • A Chegada
  • Horizonte Profundo - Desastre no Golfo
  • La La Land - Cantando Estações
  • Sully - O Herói do Rio Hudson

Melhor Mixagem de Som


  • 13 Horas - Os Soldados Secretos de Benghazi
  • Até o Último Homem
  • A Chegada
  • La La Land - Cantando Estações
  • Rogue One - Uma História Star Wars

Melhor Curta-Metragem


  • Ennemis Intérieurs
  • La Femme et le TGV
  • Silent Nights
  • Sing
  • Timecode

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