segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Crítica: Toni Erdmann

Comédia de reconciliação encontra melancolia nas entrelinhas.

Por Pedro Strazza.

Tratar temas complexos e consideravelmente dramáticos por meio de um humor mais ácido e quase satírico é um dos dons que Toni Erdmann explicita com naturalidade logo em seus primeiros movimentos. O filme se inicia, afinal, por uma apresentação nada ortodoxa de seu protagonista, o professor de música Winfried Conradi (Peter Simonischek), que finge ter um irmão gêmeo biruta e instável para atender o carteiro que veio entregar um pacote em sua casa, gerando terror no homem com seu visual à vontade, a banana na mão e frases de duplo sentido que sugerem um possível atentado terrorista pelo conteúdo do pacote entregue.

É um momento clássico de humor pelo desconforto que irá se propagar no longa dirigido e escrito pela alemã Maren Ade, cuja proposta é também simples a princípio. Centrado na relação de Winfried com sua filha Ines (Sandra Hüller), a produção ensaia na superfície um drama de relações regido pela comédia tirada do incômodo proporcionado pelo pai a Ines conforme ele tenta se reconectar emocionalmente com ela na cidade de Bucareste, capital da Romênia e local onde a consultora de empresas trabalha. Para atingir seu objetivo mesmo depois de ser dispensado sem cerimônia por Ines, Winfried se disfarça sob a identidade de Toni Erdmann, um especialista em coaching que passa a marcar presença em todos os lugares frequentados pela executiva, se fazendo por meio de respostas sarcásticas e uma atitude de mais puro deboche uma verdadeira figura satírica ao mundo profissional habitado por ela.

Esta dinâmica se traduz na narrativa como um passeio entre os dois lados envolvidos, que aos poucos se desenvolve em uma espécie de disputa de quem prova a quem estar correto - Ines com suas decisões duras em uma realidade bastante ríspida, Winfried tentando evidenciar à filha o quão infeliz ela está - conforme as situações proporcionadas por Toni Erdmann se tornam mais e mais vexaminosas. É nas entrelinhas deste processo, porém, que Ade age para tornar o longa tão melancólico nas (várias) risadas que proporciona, muito por causa do cenário em que a história se passa. Influenciada talvez pelo tom duro das comédias romenas recentes (os últimos trabalhos de Radu Jude, Aferim! e Corações Cicatrizados, não demoram a vir à mente), a cineasta promove por meio de suas situações de embaraço o retrato da Europa do pós-crise e à beira do colapso interno.

O roteiro nunca ensaia trazer para o primeiro plano este viés da produção - ele se situa, afinal, como uma comédia sobre reconciliações - mas sim prefere deixá-lo subentendido no perfil dos personagens envolvidos e nos ambientes ocupados. O contraste óbvio da pose humanitária e bem-humorada do pai com a figura rígida e calculista da filha - executiva que no fim se revela mais uma interessada em baratear os custos de produção da empresa onde trabalha pela terceirização da mão de obra - serve como eixo do conflito concebido entre os dois protagonistas e a base pelo qual o filme irá construir seu humor, que com surpresa surge muito mais pelo aspecto visual, pela imagem grotesca do personagem criado por Winfried e suas contantes aparições surpresa no cenário, ao invés dos diálogos. É uma opção que faz muito bem às pretensões do longa, até porque o incômodo gerado nestes momentos permite ao espectador enxergar nas festas luxuosas e escritórios formais ocupados uma decrepitude do sistema que em qualquer outra abordagem passaria despercebida.

Ade, entretanto, não está atrás de soluções fáceis aos problemas externos que cita, mesmo com sua trama passando por todas as batidas emocionais do tipo de história ao qual se enquadra. O humor de desconforto de Toni Erdmann não é de eleger heróis e condenar bandidos pois no fundo a situação de crise que se insere passa por todos os elementos presentes, e isso inclui as boas intenções de Winfried com a filha que, por causa de sua ingenuidade com o panorama geral, também passam depois de um tempo pelo mesmo processo de escrutínio ao qual são submetidos os superiores de Ines, ridicularizados em seus artificialismos (é assustador o fato do chefe dar crédito à piada das filhas de aluguel) e atitudes quase infantis (a cena do namorado no hotel tem um pouco desse lado).

A escalada destes momentos de vexame, vale acrescentar, são o verdadeiro pilar de sustentação do longa, que no fim diminui a carga social e busca manter o humor como principal enfoque da narrativa para tornar estas situações muito mais universais em sua essência, uma medida similar com a qual desenvolve os caminhos tomados no relacionamento de Winfried e Ines. Se Maren Ade opta por restringir o conteúdo mais pesado ao campo do subliminar, do expresso nas ações e palavras duras, é para dar espaço à relação central da obra, cujo espectro de emoções é profundo e bastante amplo naquilo que toca. A dinâmica que resulta destas duas partes constrói um filme complexo e ao mesmo tempo simples, cujas comédia - os últimos trinta minutos são especialmente hilários e muito bonitos - esconde uma melancolia palpável.

Nota: 10/10

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