sábado, 11 de fevereiro de 2017

Crítica: Cinquenta Tons Mais Escuros

Série ganha novo fôlego com mudança de eixo, mas se mantém presa a alguns dos velhos problemas.

Por Pedro Strazza.

Em parte graças à mudança drástica na equipe criativa, Cinquenta Tons Mais Escuros surge de uma proposta e cenário muitos diferentes da trilhada por seu antecessor, Cinquenta Tons de Cinza. O filme promove, afinal, uma verdadeira correção de curso na adaptação cinematográfica da trilogia de livros escritos por E.L. James: depois do fracasso da tentativa da diretora Sam Taylor-Johnson e da roteirista Kelly Marcel de transportarem para a telona o relacionamento abusivo entre Anastasia Steele (Dakota Johnson) e Christian Grey (Jamie Dornan) como um romance sobre o despertar sexual, a continuação comandada por James Foley e escrita por Niall Leonard busca encontrar enfoque diferente ao material que consiga ao mesmo tempo atender os fãs da série e não seja de todo desinteressante ao resto do público.

A solução encontrada pela dupla foi de se aprofundar na natureza da relação e em seu funcionamento, tratando tudo como um jogo de farsa de intenções reveladas do princípio. Assim, o que a sequência faz aqui é tirar do fato de Steele ser submissa ao namorado a sua consumação efetiva (além de seu enfadonho arco de virgem em eterno processo de desabrochar) e preencher este espaço com a dúvida sobre quem de fato está no controle da situação. A resposta meio que já está exposta nas entrelinhas - a jovem Anastasia é quem está sob domínio do milionário, não o contrário - mas há em Cinquenta Tons Mais Escuros uma curiosa luta de dominação sexual entre os dois "amantes" em curso que é criado nas instabilidades emocionais de Grey e nas revelações de seu passado, algo que o filme já começa a expor por meio de um flashback nada sutil na abertura.

Sutil, por sinal, é um termo que a produção nem ousa reivindicar para si, assumindo um viés de filme erótico B levemente comedido em seu humor inevitavelmente involuntário. Enquanto Leonard esvazia ao máximo as tramas de perseguição que ora ou outra se manifesta na história, restringindo o chefe de Anastasia (Eric Johnson) e a ex-submissa de Christian (Bella Heathcote) a meros elementos pontuais da narrativa, Foley mantém o foco constante na relação dos dois protagonistas e em suas respectivas buscas silenciosas por pontos fracos no parceiro pelos quais os permitam ter o controle - Grey com seus traumas do passado, Steele com o perfil de donzela ingênua que já carrega desde o primeiro capítulo. Tudo isso feito em um tom cômico, capaz de ressaltar o constante ridículo que a história possui em suas viradas, discussões e grandes linhas de diálogo - "Você me ensinou a foder, ela me ensinou a amar", "Eu sou um sádico", os exemplos são muitos.

É essa tomada de consciência que talvez seja a maior força da mudança de eixo feita pela continuação à série, ainda mais porque Foley é sagaz de não tentar omitir do público a resposta óbvia ao mistério que cria. Ao jogar uma cortina de fumaça fajuta na narrativa e tornar tudo em uma questão de controle já resolvido, com Steele apenas se iludindo em seus esforços inúteis para virar o jogo no relacionamento, o longa de certa forma gera uma expectativa para o momento inevitável em que a protagonista, no terceiro capítulo, irá perceber a realidade à sua volta e em como ela irá reagir a isso.

O problema é que a cortina de fumaça, por mais bem aplicada que seja, continua sendo fumaça, e depois que ela desaparece o material original continua intacto. Cinquenta Tons Mais Escuros ainda é um filme sobre um relacionamento problemático (para não dizer danoso) colocado em um péssimo enfoque, mesmo que os esforços da produção se pautem em anular isso pela comédia de ironia. A própria trama sabota o jogo criado quando tenta inocentar a figura "amaldiçoada" de Grey pela culpabilidade materna - a revelação da semelhança de todas as suas submissas com a mãe drogada é covarde na mesma medida que é patético o ápice do milionário como ser sexual ser ele ficar sem camisa.

A boa notícia é que pelo menos dessa vez alguém não tentou dar à péssima dramaturgia inerente da série uma seriedade aborrecida, preferindo encarar tudo sob o olhar do ridículo que ela merece. Se os coadjuvantes todos são esquecíveis, a narrativa muitas vezes não é tão fluida quanto poderia ser e os fatos se atropelam em si mesmos pela incoerência e o absurdo - a promoção de Steele no trabalho e, principalmente, a hilária sequência da queda do helicóptero - é porque Foley lida com a obra com todo o viés de produção barata que ela no fim almeja ser em meio aos bailes de máscara e drinques na cara que promove.

Nota: 4/10

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