terça-feira, 1 de novembro de 2016

Crítica: A Garota Desconhecida

Irmãos Dardenne usam suspense para esticar mais uma história sobre comunidades.

Por Pedro Strazza.

Diretores que são conhecidos por trabalhar o cotidiano em seus filmes e donos de um cinema mais cru na abordagem, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne vem mantendo em seus últimos trabalhos um foco maior sobre populações mais regionalistas, imbuídas de um senso comunitário forte. A Garota Desconhecida não foge a essa regra, mas como nos filmes anteriores da dupla ele trabalha esse senso de “cuidar um do outro” à base da desconstrução.

Na trama, acompanhamos uma jovem médica (Adèle Haenel) que trabalha numa pequena clínica, mas aspira chegar ao setor privado – e portanto mais rico – da profissão. Certa noite, após brigar com o estagiário e na pressa para chegar a uma festa do novo emprego, ela recusa um paciente por ter chegado uma hora depois do fim de seu expediente, mas no dia seguinte descobre que a pessoa, uma garota sem identificação, foi encontrada morta pouco depois de bater à sua porta. Sentindo-se culpada pelo fato, ela então parte numa busca para saber quem é a mulher ao qual recusou acolhimento e tratamento.

Os Dardenne aqui flertam bastante com elementos dos suspenses hitchcockianos, trabalhando em seus planos longos a tensão de uma história cuja investigação central é um macguffin clássico, situado em um mundo comum de pessoas comuns. Não interessa aos irmãos saber o que de fato aconteceu com a menina morta, mas sim as relações que a protagonista tem com a comunidade ao qual se insere enquanto procura saber a verdade.

É nesse momento que A Garota Desconhecida encontra muitas semelhanças com o filme anterior dos diretores, o épico cotidiano Dois Dias, Uma Noite estrelado por Marion Cottilard. Além de ambos serem protagonizados por mulheres, os dois longas no fundo se estabelecem dentro de um campo de evidenciação da falsidade das relações comunitárias, de forma a revelar o quão egoístas as pessoas presentes nesse âmbito podem se revelar em momentos de crise. 

A diferença é que enquanto o último realiza esse processo por uma situação de mais puro enfrentamento - a personagem de Cottilard tem de ir de em porta em porta perguntar aos colegas de trabalho se irão ajudá-la a manter o emprego ou ficar com o bônus do salário – este novo trabalho diagnostica o fracasso dessas relações por uma narrativa de trajetórias opostas. Se a médica sai de uma situação de egoísmo puro para encontrar sua real vocação auxiliando os outros, estes últimos mostram-se mais dispostos a manter a privacidade de suas vidas que de ajudar a médica a encontrar um nome para a garota do título. O suspense injetado pelos Dardenne potencializa esse clima cai-não-cai, ainda que não seja lidado com o maior dos interesses pelos irmãos.

Esse cenário desenhado pelos diretores não esconde também algumas das precariedades do roteiro. Não apenas pela resolução simples e um pouco preguiçosa (soa como se as ações da protagonista não importassem no fim das contas), o longa deixa a impressão inicial de ser um curta esticado em mais dois atos, já que seu primeiro terço se resolve por si só. É como se os Dardenne tivessem resolvido fazer um filme mais pautado pelo gênero – algo atípico em suas carreiras – apenas para dar ao projeto mais tempo para desenvolver suas questões, algo que se por um lado se prova uma ótima decisão (o mistério intriga e o suspense é bem construído) também revela a linha tênue em que a produção se equilibra.

Nota: 7/10

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