sábado, 5 de novembro de 2016

Crítica: Doutor Estranho

Filme segue a cartilha do estúdio, mas encontra bom equilíbrio entre humor e drama. 

Por Pedro Strazza.

Lidar com a estrutura já tradicional e imposta pela Marvel Studios é um peso que toda produção do estúdio precisa carregar, e no caso de Doutor Estranho essa regra prevalece. O longa centrado na figura de Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é mais um a contar uma história de origem de um personagem egoísta que é introduzido a um mundo novo e precisa enfrentar um mal antigo para salvar o dia e ficar com a garota, tudo isso dentro de uma história que apesar de bastante séria é desarmada constantemente pelo humor.

Mas se em outras ocasiões essa adesão à fórmula só se provou prejudicial, tornando as obras um tanto quanto esquecíveis - dos últimos trabalhos do estúdio talvez só se salvem Homem-Formiga e Guardiões da Galáxia -, no filme dirigido por Scott Derrickson ela acaba por provocar o resultado contrário. Ainda que permaneça refém da pasteurização no processo, Doutor Estranho consegue se sobressair de outras produções da Marvel Studios por possuir alguma consciência das limitações que apresenta ao realizar tal movimento e de, mais importante, atuar no sentido de tentar reparar alguns dos problemas conhecidos  da estrutura dentro desta cerca ao qual se insere.

Esta tendência se percebe aos poucos na trama escrita por Derrickson, C. Robert Cargill e Jon Spaihts, que segue Strange a partir do fim de sua carreira como brilhante neurocirugião após um trágico acidente de carro e acompanha seu treinamento no Kamar-Taj sob a tutela da Anciã (Tilda Swinton), Mordo (Chiwetel Ejiofor) e Wong (Benedict Wong). O teor mais "adulto" do roteiro anuncia um filme pautado na temática da morte e nas formas de se lidar com o inevitável fim, algo que o longa constantemente busca equilibrar com o clima despretensioso e bem humorado que se vê obrigado a possuir.

E por mais artificial que essa combinação soe a princípio, ela funciona. Não apenas porque a produção carrega dentro de si uma influência escancarada pelo cartunesco, digno das insanidades visuais e cômicas de desenhos animados - o visual dos múltiplos universos apresentados e, principalmente, o Manto da Levitação, que em seu efeito de humor lembra o tapete do Aladdin das animações da Disney -, Doutor Estranho demonstra ter uma noção muito boa dos momentos em que precisa desenvolver o drama e a comédia. É um equilíbrio muito sensível e muitas vezes beira ao colapso - depois de uma tragédia no início do terceiro ato a tentativa de suavizar o trauma é muito equivocada -, mas Derrickson concebe uma narrativa capaz de manter uma uniformidade saudável entre as duas partes, algo que se prova cada vez mais raro dentro dos longas da Marvel.

Há outros elementos que também passam por essa reforma, principalmente na questão de figuras tradicionais dos filmes do estúdio - o vilão Kaecilius (Mads Mikkelsen) mostra-se um personagem mais funcional que outros antagonistas por alimentar as questões de mortalidade presentes na trama, enquanto a doutora Christine Palmer (Rachel McAdams) é um interesse amoroso menos figurante -, mas a obra se sacrifica nesses momentos por estar preso ao já testado e por apostar no garantido. Aonde ela se destaca é no campo visual de seus clímaxes, onde a Marvel teima em deixar a ação no campo do real e no qual a produção tem espaço para ser criativo. Derrickson a todo instante cria maneiras divertidas de deixar aflorar o lado mágico do filme, inventando espaços de combate que se diferenciam uns dos outros e sempre fascinam o espectador - e o clímax final é o que mais se destaca por aproveitar de vez o viés de videogame da obra.

Doutor Estranho talvez soe como uma decepção para quem busca do longa um compromisso da Marvel com histórias mais sérias, muito porque a empresa agora embala uma sequência de tramas mais dramáticas e apocalípticas (Thor Ragnarok, Pantera Negra e a chegada de Thanos na franquia Vingadores) em compasso com outras de puro descompromisso (os novos Homem-Aranha e Guardiões da Galáxia). Não foi aqui que o "jeito Marvel de ser" mudou de fato, mas por trabalhar no intuito de tornar mais orgânica a estrutura consagrada e trazer peso a esta sem esquecer o que a torna tão especial Derrickson já proporciona algo de diferente nesse pequeno, fechado e repetitivo modo de produção.

Nota: 7/10

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